O destino de israelenses e palestinos está entrelaçado. Nosso conflito não é um jogo de soma zero. Nenhum dos lados pode vencer às custas do outro. Ou afundamos ou sobrevivemos juntos.
A escolha está nas nossas mãos. Mas, como poderão nossos povos tomar conta de seus próprios destinos? Quatro elementos são básicos:
Primeiro, um povo não pode assumir isto sozinho, pois o destino de um povo está ligado ao outro. Decisões unilaterais, embora possam às vezes ser toleradas como movimentos táticos de curto-prazo, não podem ao final substituir decisões conjuntas e ações coordenadas.
Segundo, tal ação conjunta não é possível sem reconstruir a confiança entre os dois lados, por mais difícil que isto possa parecer após os últimos quatro anos de amargo conflito.
Terceiro, descrédito e fatalismo devem ser substituídos por esperança – e mesmo fé – no futuro, em nossas forças unida, numa visão de vida após o conflito.
Finalmente, deve se alcançar clareza sobre as profundas preocupações de cada lado, que devem ser colocadas como objetivo comum.
Esses não são elementos fortuitos para mudança – todos são essenciais para nós para assumir o controle de nossos destinos interdependentes. Por exemplo, se não houver clareza do destino, então mesmo quando um passo na direção certa for feito por um lado, o outro pode suspeitar que seja uma ilusão. Então a desconfiança pode crescer, a esperança pode ser destruída, e todo o processo, por mais bem intencionado, poderá ruir.
Devemos lembrar que nosso esforço para fazer a paz não é feito no vácuo, e os inimigos da paz nos dois lados trabalharão duro, tentando ao máximo transformar qualquer passo positivo num fracasso. Sem uma visão clara, não seremos capazes de superar esses obstáculos e estar preparados para contemplar os pesados sacrifícios necessários para a paz.
A iniciativa A Voz dos Povos segue esses princípios ao claramente declarar concessões mútuas que acordos prévios deixaram amorfos. Para os israelenses, não é fácil aceitar a idéia da retirada da maior parte dos territórios, evacuar os assentamentos dessas áreas, e também “pagar” com sua própria terra, numa base de 1:1, para manter o controle de alguns blocos de assentamentos.
Também é muito difícil para israelenses renunciar à soberania sobre partes de Jerusalém, mesmo que sejam bairros árabes.
Para olhos palestinos, afirmar o princípio de que “refugiados palestinos irão retornar apenas ao Estado da Palestina” é quase quebrar sua mais importante narrativa nacional. Para um povo criado a gerações com o sonho de retornar a Jaffa, Haifa, Acre, e dezenas de aldeias ancestrais, renunciar a esta visão é muito mais profundo do que uma penada.
E para a maioria dos israelenses e palestinos, não ter total soberania sobre o Monte do Templo – Haram al-Sharif (incluindo o Muro das Lamentações), e ficar apenas com o papel de guardião, é uma proposta extremamente sensível.
Mas a maioria dos israelenses e palestinos percebem que as alternativas a tão delicado compromisso são muito piores.
Os israelenses entendem que se querem que Israel seja um lar democrático para o povo judeu, um Estado Palestino é de seu interesse. E a maioria dos palestinos entendem que, caso desejem um Estado Palestino viável, um Israel seguro é de seu interesse.
Foi assim que um número sem precedentes de 400.000 cidadãos já assinaram seu nome sob a Declaração de Princípios d’ A Voz dos Povos, e os números continuam crescendo.
Recentes mudanças se apresentam a nós como uma oportunidade única para darmos o próximo passo. No lado palestino, o falecimento de Arafat irá impor uma necessidade sem precedentes de clareza política: enquanto ele vivia, seu carisma e suas qualidades pessoais de liderança, substituíam aos olhos do povo palestino qualquer outra coisa.
Mas todos os palestinos concordam de que nenhum outro líder conseguirá comandá-los da mesma forma. Portanto, qualquer líder palestino potencial terá que conseguir seu apoio através de algo diferente de personalidade, ou seja um programa político claro, assim como avanços. Terá que falar ao povo para onde pretende conduzí-lo, e terá que provar que conseguirá fazê-lo. A necessidade de clareza no lado palestino é hoje uma demanda.
Em Israel, o plano Sharon de desligamento já é controverso, mas levará naturalmente a um debate ainda mais profundo sobre os rumos de Israel. Assim, é uma hora oportuna para que os israelenses abordem a questão crítica: Que Israel queremos?
Finalmente, a reeleição do presidente George W. Bush, a parceria americano-britânica no Iraque, e a busca associada de sucessos diplomáticos no Oriente Médio indicam o potencial para uma atividade diplomática internacional numa escala inédita.
Deve ser observado que nossa iniciativa não é simplesmente um pedaço de papel ou um conjunto de princípios. É um instrumento para mudança política. É baseado em parceria. Em gente, não em líderes individuais. E na construção de confiança – quanto mais um lado mostra sua disposição para um compromisso, mais gente no outro lado é encorajada a avançar. Finalmente, é um instrumento de esperança e clareza: Proporciona a ambos os lados uma visão de futuro no qual cada lado vê suas respectivas preocupações contempladas, assim encorajando os dois povos a agir juntos para trazer a mudança.
Em Israel, o debate sobre Gaza será visto dentro da perspectiva de um acordo político final. Na Palestina, os esforços para mobilizar mesmo um apoio político mais amplo para uma agenda moderada, serão ampliados pela concretização de um parceiro israelense autêntico. E na frente internacional, uma atitude pública crescentemente positiva pode tornar as negociações, mesmo que sejam passos interinos, mais prováveis de terem sucesso. Em outras palavras, uma proposta para um acordo permanente, que é claramente um objetivo estratégico, tornou-se uma necessidade tática.
A História proporcionou uma oportunidade real e única para ajudar a forjar um futuro, que atenda por um lado o sonho palestino de um Estado democrático e viável, e, pelo outro, o sonho sionista de um lar nacional judeu e democrático.
Aqueles que rejeitam tal visão já deram as cartas, e vimos para onde nos trouxeram. Uma maioria de israelenses e palestinos deseja viver lado-a-lado, construir seus próprios Estados e sonhos nesta terra bonita, antiga e conturbada.
Está na hora de a voz dos povos ser ouvida.
Sari Nusseibeh, presidente da Universidade de Al-Quds e ex-Ministro da Autoridade Palestina para Jerusalém; e
Ami Ayalon foi chefe do Serviço Secreto (Shin-Bet) e almirante da marinha israelense,
são os promotores da Iniciativa A Voz dos Povos, apoiada pelos Amigos Brasileiros do PAZ AGORA.
[ publicado no Jerusalem Post em19|11|04 e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]