O campo da paz e o serviço militar

 
A cada ano, pouco antes do mês de outubro, minha caixa postal recebe uma ordem para que eu cumpra os deveres de reservista. E, todo ano, enfrento a questão de ir, pois quase todo o serviço militar é feito nos territórios ocupados e consiste de atividades que perpetuam o conflito israelense-palestino e a ocupação.
 
Todo ano, tenho decidido ir e cumprir minhas obrigações como cidadão israelense, mesmo discordando da política geral na Cisjordânia, e não coincidindo com minhas opiniões políticas.
 
Há três razões principais que me levam ao serviço de reservista a cada ano. A primeira razão é a minha obrigação, como cidadão, de arcar com o encargo de defender meu país dentro do escopo do serviço militar. Mesmo que diálogo e conversações de paz sejam abertos, Israel continuará em estado de guerra e conflito violento com alguns elementos da sociedade palestina e da região mais ampla.
 
Assim, é essencial que Israel se defenda até que os esforços pela paz prevaleçam no Oriente Médio. Como cidadão deste país, compartilho dos encargos pela segurança e a cada ano abro mão de um mês para participar deste serviço, mesmo que isto possa me custar a vida.
 
A segunda razão deriva do meu desejo de preservar o caráter democrático deste país. Como cidadão, é de meu direito protestar e agir contra decisões feitas a nível político e militar. Como soldado, devo cumprir meu dever e não posso selecionar e escolher quais as operações que quiser realizar (excetuando atos obviamente ilegais, como matar inocentes, comportamento violento indevido, humilhações e torturas).
 
Uma recusa em massa de soldados de esquerda a servir nos territórios ocupados justificaria uma recusa em massa de soldados direitistas a cumprir missões como evacuar assentamentos e outposts, defender moradores palestinos contra a hostilidade de colonos e implementar acordos políticos entre Israel e seus vizinhos.
 
À época da evacuação da Faixa de Gaza, o Exército de Defesa de Israel realizou uma operação que um significativo número de soldados não apoiou. Minha recusa a servir nos territórios apenas legitimaria a recusa dos direitistas em cumprir tais ordens nos assentamentos e iria minar essencialmente o contexto democrático do Estado de Israel.
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A terceira razão, talvez a mais importante – que me leva como soldado aos assentamentos, bloqueios de estradas, checkpoints e vilarejos palestinos – deriva do meu desejo de influir no que ocorre de fato nesses lugares, e não permitir que os procedimentos militares sejam ditados por soldados cujas práticas de direitos humanos e ‘respeito pela humanidade’ ficam muito abaixo do satisfatório.
 
Durante meu recente período de reserva num roadblock [bloqueio de estrada] no Vale do Jordão, fiz o máximo para me comportar de maneira humana, polida e respeitosa com todo palestino com quem tive contato. Alguns ficavam agradavelmente surpresos pela nossa (minha e de meus amigos) atitude nesse checkpoint.

Além disto, mesmo fora das horas em operação, e durante intensas conversas com soldados da unidade, enfatizei a importância da obrigação de cada soldado em tratar respeitosamente os membros da sociedade palestina enquanto o conflito entre nós permanecer não resolvido e continuar o contato diário entre militares e palestinos.

 
Não estou apenas falando de cortesia em geral. Em muitos caos, refiro-me a proteger as vidas de inocentes de tiroteios ilegais e defendê-los de situações ameaçadoras provocadas por ações que desafiam ordens oficiais.
 
Lamentavelmente, durante meu último serviço, fui exposto a um incidente violento no qual um soldado bateu, sem motivo, num palestino detido. Naquele mesmo momento, agi para impedir essa injustiça e apresentei uma queixa sobre o assunto aos meus superiores. Devido à minha interferência, o soldado foi advertido. Foi apenas um pequeno exemplo que me esclareceu, novamente, a necessidade dos meus protestos e manifestações.
 
A gente do ‘campo da paz’ precisa continuar comparecendo aos serviços de reserva para assegurar que o EDI opere de forma moral, mesmo quando a missão que se deva realizar contradiga suas visões  políticas.
Não tenho dúvidas de que, se todas as pessoas de esquerda se recusassem a servir nos territórios e deixassem a tarefa para os que têm uma visão de mundo diferente, a realidade dos fatos iria só piorar. E o preço seria pago pela sociedade palestina e também pelos cidadãos israelenses.
 
Como soldado, tenho a obrigação de garantir que, enquanto continuarem as operações militares e um acordo político não for alcançado, a unidade na qual eu servir mantenha seus valores morais e evite ferir inocentes. É exatamente o que tenho feito.
 
Num outro incidente, no roadblock de B’kaot , meus companheiros de unidade e eu tivemos que impedir a passagem de um carro. Nessa ocorrência – o veículo não tinha as permissões adequadas – pedimos desculpas aos passageiros, explicamos qual o problema e chamamos um táxi que pudesse levá-los ao seu destino.
 
No dia seguinte ao final do meu período de serviço de reserva, voltei ao PAZ AGORA e continuei a trabalhar vigorosamente contra a ocupação e por um acordo político que leve ao fim das operações do EDI na Cisjordânia e na Faixa de Gaza.
 
Entretanto, até que um acordo seja assinado, continuarei fazendo tudo que estiver a meu alcance – mesmo como soldado de reserva – para assegurar que vidas humanas não sejam ameaçadas e direitos humanos sejam preservados, e não pisoteados pela ocupação.
 

Yariv Oppenheimer é secretário-geral do Movimento PAZ AGORA.

 [ traduzido por MOISÉS STORCH para o PAZ AGORA|BR  ]

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