Autor de uma obra reconhecida internacionalmente, intelectual comprometido com o processo de paz no Oriente Médio, Amós Oz não pôde jamais esquecer o “horrível cheiro” dos campos de batalha onde combateu como soldado, primeiro na Guerra dos Seis Dias e depois na de Iom Kipur.
Ontem, em Paraty, o recente Prêmio Príncipe de Astúrias das Letras reconheceu que várias vezes quis escrever sobre sua experiência bélica, mas logo ao começar desistiu da tarefa: “Não é algo que eu possa fazer. Não há palavras para descrever isso”.
Co-fundador nos anos 70 do movimento pacifista SHALOM ACHSHAV (“PAZ AGORA“), não vacila em recitar, tantas vezes quanto lhe perguntem a mesma coisa:
– Como lhe parece esta “tragédia colossal”, esta visão de palestinos que disparam uns contra os outros? Quais as perspectivas?
“Não há mais do que uma alternativa. E é a de um compromisso pragmático entre Israel e Palestina, que culmine no estabelecimento de dois Estados vizinhos um do outro”, insistiu ontem para esta enviada especial, num aparte após uma conferência de imprensa. E está disposto a repetir esta idéia tantas vezes quanto seja necessário.
– Por que não há condenação à política de apartheid de Israel com relação aos palestinos?
O apartheid é uma coisa monstruosa, condenável. Também a ocupação israelense dos territórios palestinos é monstruosa. Mas são dois tipos diferentes de monstruosidade: comparar o apartheid com a ocupação da Faixa de Gaza e da Cisjordânia é um erro grave.
As pessoas tendem a pensar em um clichê e a propagá-lo por todos os lados. Não há um problema de apartheid racial em Israel; não é um problema de racismo dos israelense em relação aos palestinos. O conflito não é pela raça mas pela terra.
É uma disputa trágica, terrível, por uma terra tão pequena, menor até que o Uruguai. Ambos, palestinos e israelenses, estão vivendo aqui e nenhum de nós tem outro lugar para onde ir. É a única pátria para os palestinos e a única pátria para os judeus israelenses. Logo, a solução para este conflito é a partilha e criação de dois Estados vizinhos.
Volto ao princípio: é uma luta trágica e dolorosa, mas irrelevante do ponto de vista da história do apartheid.
– Numa entrevista, o senhor retratou a sua família como os europeus jogados ao oceano desde o Titanic, que era a Europa dos anos ’30, pelos que dançavam no navio. Quem são os arquitetos do atual Titanic?
Nessa entrevista disse que meus pais eram sobreviventes do Titanic, do qual foram lançados ao oceano os judeus enquanto ali se dançava e se gozava. Pode ser que minha família tenha sido de certo modo afortunada, porque deixou a Europa em 1930, e onde teria sido assassinada nos anos ’40. Eles vieram a Israel, a Jerusalém, com a alma despedaçada: amavam a Europa, eram devotos da Europa. Se alguém procurar algo parecido com aquela tragédia em nossos dias, deve pensar em Darfur (Sudão), onde dezenas de milhares de pessoas são obrigadas a fugir de suas casas, são perseguidas e assassinadas. Darfur é hoje uma tragédia horrenda.
– E mesmo assim, não aparece muito na imprensa…
Desafortunadamente está na natureza deste mundo não agir contra os genocídios. Esta é a lição do Holocausto, como de outros assassinatos em massa.
– Na Inglaterra há um boicote aos escritores israelenses. O que pensa disto?
Não, não há um boicote aos escritores. É o sindicato dos acadêmicos britânicos que boicota a academia israelense. E creio que é algo muito estúpido, porque a academia israelense é o que há de mais progressista, más esquerdista em Israel.
– Por que, então, o boicote?
Porque eles pensam que deste modo pressionam Israel para que mude sua política. Concordo que Israel deve mudar sua política. Mas esta pressão está sendo feita exatamente num lugar inadequado.
[ Entrevista de Amóa Oz a Eleonora Gosman, publicada no Clarin em 08|072007 e traduzida pelo PAZ AGORA|BR ]