A revolução dos 42% de Israel

A maioria secular de Israel finalmente está reagindo, começando a se comportar como uma minoria

 42%.

Somos nós.

Israelenses, sionistas, seculares da direita e da esquerda.

Já fomos o grupo mais influente neste país, mas este não é mais o caso. Por um lado, somos o maior grupo na sociedade israelense. Mais que os árabes (20%), mais que os religiosos (12%) e mais que os ultra-ortodoxos (8%). Por outro, eles sempre nos derrotam, porque somos a maioria, portanto não merecemos nada.

Alguém mandou uma corrente por e-mail, assim: “Eu pertenço ao grupo mais forte de Israel, em termos numéricos. Então me explique por que diabos sou uma minoria neste país”?

Você é uma minoria porque você não é

Sei que soa absurdo, mas é assim que funciona. A maioria não sabe como juntar forças em prol de seus próprios interesses; a maioria não consegue dizer “que vá tudo p’ro inferno”; a maioria não contrata lobistas, não cria ONGs que trabalhem por seus interesses, e não sabe como pressionar deputados do Knesset da sua facção, porque ela não é uma facção.

A maioria tampouco pode construir casas ilegais, em terras ilegais, e lutar contra policiais que vêm despejá-los. Porque a maioria tem um sobrinho na polícia e ama o seu sobrinho.

A maioria não é rica nem pobre. Isto é estatística. Se você é maioria, significa que não está nem na classe mais alta, nem na mais baixa. Você está em algum lugar no meio. Você ganha demais para fazer jus ao apoio do governo, mas muito pouco para respirar tranquilamente.

Os debaixo estão perdidos, e você não quer ser como eles. Os de cima jogam um jogo que você não entende, até que um dia você percebe, de repente, que eles estão jogando às suas custas. Você tem raiva disso e gostaria de ligar para alguém. Mas a maioria nunca tem ninguém para quem ligar. Não conhece as pessoas certas.

Os filhos da maioria já estão no curso médio e alguns até terminaram o serviço militar, mas a sua cunhada tem dois filhos no jardim de infância e paga uma dinheirama por cada um. A maioria olha para as minorias e sabe que não há chance de eles  pagarem isso. A maioria não é invejosa,  mas se pergunta quem foi que aprontou isto para eles? Como arranjaram uma vida onde suas cunhadas não conseguem pagar o mesmo que as cunhadas da maioria?

 

Yair Lapid - jornalista

Yair Lapid - jornalista

A maioria agora é minoria

O caçula da maioria esteve morando numa barraca nas últimas duas semanas, e a maioria considera juntar-se a ele por uma noite, para mostrar ao filho que ele e seus amigos estão certos. A maioria olha para eles e sabe que eles entenderam algo que ela não entende. O ministro das finanças disse no radio que os israelenses têm mais apartamentos próprios que os cidadãos da maioria dos outros países, o que deixa a maioria louca: “Como pode? Será que 70% dos moradores do país tem 600 mil dólares sobrando?

Pois a outra possibilidade é de que a maioria seja a única que paga o preço inteiro. Todos outros arranjaram algum desconto. Eles não tiveram que pagar impostos sobre propriedade, conhecem alguém da Administração de Terras e têm seu próprio partido que cuida deles. Eles decidiram que Deus deve providenciar para eles uma casa sobre uma colina. Por razões ideológicas, com um quintal ideológico.

Ou, talvez, apenas foram em frente e construíram sua casa. Há regiões em Israel, principalmente ao sul, onde uma pessoa que quer comprar uma casa traz seus amigos para começar a construir. A maioria olha para eles quando viajam no Shabat e sabe que não faria o mesmo.

Assim como a maioria não jogaria um ticket de estacionamento no lixo. Só minorias podem se dar ao luxo de jogar tickets no lixo. A maioria vai à Justiça e diz que sente sincerramente. Também respeita o mandado de demolição, às suas próprias custas. Isto faria as minorias rirem.

A maioria sabe, claro, que a única razão pela qual está sendo mais maltratada que os outros é porque isto é possível. Porque a maioria são os únicos neste país que não atiram pedras, não queimam nada e não atacam a Suprema Corte. A maioria nunca foi à Suprema Corte.

Ainda assim, não descarte a maioria. Porque agora, pela primeira vez em muitos anos, ela tem uma chance. Porque ela foi se tornando cada vez menor e foi empurrada para o corner, e guardou sua raiva silenciosamente. Até que, um dia pela manhã, olhou-se no espelho e descobriu que algo maravilhoso tinha acontecido. Ela também se tinha tornado uma minoria!

É menos que antes: menos saudável, menos conectada, menos política e menos influente. Agora os outros são a maioria! Eles têm maioria no Knesset, nos recursos públicos, maioria no governo. A maioria dos orçamentos é dirigida a eles e a maior parte das decisões são a seu favor. Finalmente, a maioria é uma minoria e é autorizada a se comportar como tal.

A maioria pode agora formar alianças com outras minorias. Com os ultra-ortodoxos que por acaso desejem trabalhar, com os religiosos que não achem que judaísmo se resume a uma colina na Samária, e com os árabes que desejem cumprir o serviço nacional. Ela pode abraçá-los e lhes dizer que tem sido tão espremida quanto eles, que ela também tinha sido esquecida. E que não mais deve ser a única a salvaguardar o Estado, mesmo porque o Estado nem a considera.

Por que ele se importaria? Afinal, somos apenas 42%…

 

Yair Lapid é jornalista, escritor e âncora de noticiários na TV israelense.

[ Publicado no Ynet em 30|07|11 e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]

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