Mais de 9 mil estudantes judeus em todo Israel terão uma oportunidade singular de aprender a falar árabe neste ano, como parte do projeto “Língua como Ponte Cultural” criado pela ONG “Abraham Fund“.
“Um de nossos objetivos é fortalecer a sociedade israelense como multi-cultural e a questão da linguagem é crítica”, diz Amnon Beeri-Sulitzeanu, diretor-executivo dessa ONG comprometida com o avanço da coexistência e igualdade em Israel. “Ensinar a língua e a cultura árabes em escolas judaicas reduz o temor e os esterótipos, criando um diálogo honesto e informado entre as comunidades judia e árabe”.
O programa, que começou no início de 2004, vem se expandindo rapidamente. No primeiro ano, 890 alunos da 5ª série de 15 escolas foram envolvidos no projeto; no ano seguinte, o número cresceu para 3.570 estudantes de 41 escolas, e no atual ano letivo 2006/7, 6.704 alunos da 6ª e 7ª séries de 65 escolas de todo o país estão participando do projeto.
O próximo ano letivo (2007-8) terá uma abrangência ainda maior, pois há notícias de que a Agência Judaica planeja apoiar a participação de mais 80 escolas no norte de Israel, além das 68 já programadas pelo Abraham Fund.
Em Israel, 20% da população é árabe ou druza (mais de 1,25 milhão de pessoas), tendo o árabe como língua materna, mas apenas uma ínfima parcela de população judia sabe se comunicar em árabe. Com poucas e notáveis exceções, os alunos judeus e árabes são educados em separado. E enquanto – no sistema escolar árabe de Israel – os estudos do árabe, hebraico e inglês são matérias obrigatórios integrantes do currículo, no sistema escolar judaico o árabe não tem alta prioridade.
“O árabe é uma língua oficial do Estado e o ensino da matéria deveria ser obrigatório nas escolas, mas só é implementado de forma fraca e não é realmente estimulado”, disse Beeri-Sulitzeanu, o qual estima que apenas de 60 a 65% das crianças israelenses estudaram árabe alguma vez entre a 1ª e a 12ª série.
Além disto, estudantes judeus são aprendem literatura árabe, e não o árabe falado no dia-a-dia. “São como duas línguas diferentes”, diz Beeri-Sulitzeanu. “Você pode ser excelente em árabe clássico e não conseguir falar uma palavra da língua real”.
Ele conta que ao longo dos últimos anos houve muitas tentativas de ensinar o árabe nas escolas, mas a maior parte fracassou porque os próprios professores eram judeus. “O incentivo para o ensino do árabe no passado era o de conhecer o inimigo”, explica. “O exército queria gente para dominar a língua e ajudar nos serviços. O nosso propósito é diferente. Não estamos interessados em aprender sobre o inimigo, queremos conhecer nossos amigos e vizinhos”.
Como resultado, o programa é em princípio ensinado por professores árabes e não se limita à língua falada, mas também sobre a cultura e a vida árabes.
“Apresentamos as crianças à rica e fascinante cultura árabe. Elas aprendem pelos filmes, livros, artesanato, comidas, aprendem as belas histórias do povo árabe. É um esquema completamente diferente do usado no passado”.
O currículo engloba um amplo leque de atividades culturais que gravita em torno do árabe falado. Os alunos participam de lições de culinária, lêem livros, assistem a peças de teatro, aprendem canções e músicas, e se engajam em atividades físicas, qualquer coisa que lhes permitar experienciar por si mesmos os diferentes aspectos da cultura árabe.
“É um currículo muito motivador”, admite Sulitzeanu, que acrescentou que a ONG estudou modelos na Bélgica, Canadá (onde o francês é a língua materna de 23% da população) e Espanha. Houve também encontros nos EUA e Reino Unido. Em Londres, reuniu-se com o Conselho pela Igualdade Racial. “Eles estão lidando com os mesmos dilemas e problemas que enfrentamos em Israel”, diz Beeri-Sulitzeanu. “Um dos desafios da nossa organização é como mudar e adaptar os diferentes modelos existentes”.
Atualmente, o Abraham Fund está focalizado principalmente nos alunos de 5ª a 7ª séries, mas já está trabalhando num novo currículo para as 3ª e 4ª, que espera introduzir em breve. O objetivo final é continuar o programa desde a 3ª até a 12ª série e instituir um exame de matrícula. “Queremos fazer da língua árabe um pré-requisito para entrada no ensino superior”, diz Sulitzeanu.
O Abraham Fund lançou o projeto de língua nas cidades de Haifa e Carmiel, onde foi recebido com entusiasmo por seus prefeitos. Haifa foi ume escolha natural, porque é uma cidade mista, enquanto Carmiel está situada na região de população mista da Galiléia. Os fundos vieram de uma série de fontes, incluindo a União Européia, o Ministério de Educação de Israel, a Agência Judaica, prefeituras e vários fundos privados.
Até hoje, o projeto tem sido muito bem recebido pelos estudantes, professores, pais e dirigentes das escolas. Avaliadores imparciais aferiram o sucesso do programa, revelando que ele teve um impacto substancial na mudança das atitudes das crianças.
Questionários foram aplicados antes, durante e após o primeiro ano de estudo. Sulitzeanu comenta: “Havia alguns alunos que diziam não estar interessados em aprender o árabe e expressavam atitudes negativas com relação aos cidadãos árabes de Israel. Quando os questionamos meio ano depois, e novamente após um ano, descobrimos que a maior parte dessas atitudes negativas haviam mudado. As crianças estavam mais positivas e abertas, e até expressavam interesse, curiosidade e disposição de saber e aprender mais.”
Um efeito inesperado e forte deste trabalho foi nos filhos de famílias ‘mizrahi’ (judeus vindos de países árabes e muçulmanos como Marrocos, Iraque e Irã, os quais muitas vezes sofreram o preconceito de judeus europeus), que entenderam e apreciaram suas próprias culturas, alguns pela primeira vez na vida. “Os pais e avós que emigraram de países árabes são de repente vistos como fonte de informação para seus netos. Isto os fez sentir-se orgulhosos de sua herança”, diz Beeri-Sulitzeanu.
O Abraham Fund foi fundado em 1989 por Alan B. Slifka, um empresário e filantropo americano, e o Dr. Eugene Weiner, escritor, educador e rabino. A ONG trabalha para o avanço da coexistência, igualdade e cooperação entre os cidadãos judeus e árabes de Israel, pela criação e operação de iniciativas de escala ampla, projetos de base e educação pública.
“Tentamos mudar a realidade em Israel na área das relações entre judeus e árabes”, diz Beeri-Sulitzeanu. “Procuramos identificar os nós da coexistência – aquelas áreas da vida social e da sociedade que são críticas para judeus e árabes. Em cada uma dessas áreas, tentamos desenvolver um modelo que possa provar à população israelense e aos tomadores de decisão que podemos ter uma vida diferente, que podemos coexistir de verdade”.
Com o crescimento rápido do projeto “Língua como Ponte Cultural” – um grande número de escolas deve se incorporar no próximo ano – o objetivo da ONG agora é converter este sucesso numa alocação de recursos do governo. “Defendemos que o governo endosse e implemente este programa com uma legislação própria”, diz Beeri-Sulitzeanu, completando:
“Dentro de mais ou menos uma geração, fará sentido que todos os israelenses poderão falar em hebraico, árabe e talvez inglês. Precisamos assegurar que o status da língua árabe seja o suficientemente forte e reconhecido. Não se trata apenas de ensinar o árabe, mas também garantir que ele seja plenamente representado na esfera pública”.
[ Publicado pelo Israel 21c – traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]