Precisamos de uma Visão Bifocal

 

Discurso do Dr. SALAM FAYYAD na 7ª Conferência Anual de Herzlia


Gostaria de estender meus agradecimentos aos organizadores da conferência por ter me convidado a lhes falar. Reconheço a importância desta conferência – é este o lugar onde importantes plataformas políticas israelenses já foram lançadas, incluindo mais recentemente o unilateralismo na forma do “desligamento” israelense da Faixa de Gaza. Como palestino que sentiu os efeitos dessas políticas, é minha esperança que hoje um possa lançar alguma luz sobre esta questão, e sobre como posemos juntos desenhar um futuro novo, mas brilhante e promissor para o Oriente Médio – e não apenas para nossos dois povos.

Seria muito fácil para mim focalizar minha fala de hoje em economia e finanças. Mas devido ao papel muito importante que a política tem no sucesso ou fracasso de qualquer economia e mesmo sobre o futuro de qualquer país, decidi focar meus comentários em questões políticas, deixando de lado um pouco os assuntos de economia e finanças.

Examinando os últimos 6 anos deste conflito, eu caracterizaria as relações israelense-palestinas ao longo deste tempo com tendo sido muito íntimas – íntimas demais para os palestinos e para os israelenses. Vocês podem ter ficado espantados por esta caracterização, pois muitos a descreveriam de forma oposta. Mas a natureza das relações atuais entre israelenses e palestinos alcançaram níveis de micro-administração, onde Israel está envolvido em detalhes mínimos das vidas dos palestinos.

Salam Fayyad em HerzliaÉ importante lembrar que as totalidades da Cisjordânia e da Faixa de Gaza são governadas por ordens militares – não pela política, lógica ou razão – mas por ordens militares com a “segurança” ditando as regras do jogo. Seja pela ereção de centenas de checkpoints e bloqueios de estradas por toda a Cisjordânia – a maioria dos quais não tem qualquer motivação de segurança, a exigência de que os palestinos obtenham permissões para viajar mesmo entre locais dentro da Cisjordânia ou algumas normas absurdas que são normalmente desconhecidas pelos israelenses, a ocupação se infiltrou em quase todo aspecto da vida palestina.

Tome, por exemplo, a recentemente anunciada proibição de palestinos viajar em carros israelenses de placas amarelas. Embora para muitos isto tenha uma clara motivação de segurança, o que é ignorado são as ramificações de tais políticas. Conheço muitos ierosolimitanos para os quais esta nova política significa que não poderão transportar seus próprios parentes que, por acaso, por força da guerra, são classificados como “Cisjordanianos”. Também conheço muitos palestinos – de Jerusalém ou não – cuja terra foi tomada e cujas famílias foram divididas para a construção do muro. Estes são detalhes aos quais poucos israelenses são expostos, mas que são a realidade em que os palestinos continuam a viver e sofrer diariamente.

E, embora eu entenda que no planejamento dessas e outras medidas possa haver alguma motivação de “segurança”, o efeito não é o de criar mais segurança para Israel. Ao contrário cria condições para futuras instabilidades. Por que? Porque em seu âmago, este conflito NÃO é uma questão de segurança com ramificações políticas. No lugar disto, é um conflito político com conseqüências de segurança.

Lamentavelmente, nos últimos seis anos e provavelmente há mais tempo, o foco foi posto exclusivamente na segurança, ignorando a ligação inerente entre a falta de segurança de Israel e a falta de liberdade dos palestinos. Este não é um conflito humanitário precisando de uma resposta humanitária. Nem é um conflito de segurança demandando uma resposta de segurança. O que ambos estamos sofrendo é um conflito político, que demanda uma solução política.

Teria existido uma vez um foco na imagem maior – para além dos checkpoints, caminhos intransitáveis sujos e salvo-condutos – em questões políticas críticas: Jerusalém, fronteiras, refugiados, assentamentos, etc.

Infelizmente, o “processo” tomou conta do palco central, e não a necessidade real por paz. Enquanto abundavam reuniões entre os dois lados e com a comunidade internacional, foi ignorado se estava efetivamente sendo feito progresso para terminar o conflito – a ocupação – e para dar aos dois povos o que eles querem: paz.

Hoje as reuniões foram reduzidas para discussões sobre pequenas e práticas (às vezes nem tanto) questões periféricas ao conflito. Ao nos focalizar sobre o periférico, não nos aproximamos de resolver nossos problemas e portando não estamos mais próximos da paz. Precisamos ampliar nossa visão e ver a política – não apenas para os pequenos assuntos que não são os germes da natureza fundamental deste conflito.

 

Não Fazer Nada é Andar para Trás

É fácil para Israel dar de ombros e não fazer nada. Israel – como a parte mais forte neste conflito – dá-se ao luxo de não fazer nada. Mas não agindo, Israel está fazendo algo: não está contribuindo para resolver o conflito, o está fortalecendo.  Muitos acreditam que estamos condenados a optar entre fazer nada e adotar abordagens unilaterais. Mas da nossa experiência deveríamos agora saber que nenhuma dessas opções funciona: tanto fazer nada como agir unilateralmente só serve para piorar as coisas.

Então o que precisa ser feito? Precisamos de lentes bifocais. Sim, bifocais. Com isso quero dizer que precisamos ter uma visão clara para abordar o curto prazo e o longo prazo. Ao mesmo tempo em que é importante considerar as preocupações imediatas que preocupam palestinos e israelenses em seu dia-a-dia, precisamos faze-lo dentro de um quadro que proporcione uma definição clara e acordada sobre para onde estamos indo e como chegaremos lá.

Com tanto ceticismo sobre soluções provisórias, a necessidade de uma definição concreta  de um “status final” vem sendo, há muito tempo, percebida como muito importante para os palestinos. Mas eu diria que os acontecimentos adversos dos últimos anos, incluindo os equívocos do unilateralismo, tornaram o trabalho para arranjos transitórios, na ausência de um status final acordado, igualmente pouco atraente  do ponto de vista dos israelenses.

Uma solução pacífica é inevitável. Sim. É impossível manter o status quo porque o status quo não é estático. Ele é fluido e infelizmente só fica pior, não melhora. Não há dúvida de que haverá estabilidade quando os palestinos receberem sua liberdade. A visão lançada pelo presidente Bush e abraçada pelo presidente Abbas é a da coexistência pacífica. Para os israelenses, isto significa sentir segurança. Para os palestinos significa estarem livres da interferência israelense e também viver em segurança. Mas estas são apenas palavras. O que realmente quero expor a vocês é uma visão para relações positivas e não apenas coexistência.

Os palestinos têm uma visão de paz. Queremos que nosso país seja uma adição qualitativa à região e um modelo de valores democráticos e boa governança. Quando falo de boa governança, o digo concretamente – não como um objetivo remoto e inatingível, mas sim de um país onde prevaleça o domínio da lei e não o domínio da arma.

Os palestinos tem o maior nível de titulares de PhD per capita do mundo árabe (eu estou nessa estatística) e nosso foco estará em criar uma geração de palestinos inteligentes e educados que não se contentarão com menos que um sistema confiável de leis e de respeito por direitos. Muitos podem perguntar o porquê disto ainda não ter acontecido. A resposta está principalmente na ocupação e na falta de liberdade para os palestinos. Quando se vive num contexto onde não há respeito a leis, sob uma ocupação sufocantes e opressiva, é muito difícil exigir e fortalecer a civilidade.

Isto posto, nunca usarei a ocupação como desculpa para nos permitir ser irresponsáveis ou lenientes na construção do nosso Estado. Como nacionalista palestino e comprometido a trabalhar pelo fim da ocupação, exijo certas coisas do nosso Estado Palestino independente para todos os palestinos. Quero ver um país que seja livre, onde os direitos sejam respeitados (não apenas alardeados), onde a educação seja uma prioridade e a democracia o princípio-guia.

Estes são assuntos que interessam a Israel. Mas, mais importante, quero explicitar uma visão de paz com Israel.

Busco uma paz quente com Israel. Não quero o calor de agora que vocês estão sobre as nossas costas, mas quero uma paz quente.  Eu busco laços políticos fortes com Israel. Eu busco laços econômicos fortes entre os Estados independentes de Israel e Palestina. Eu busco relações quentes com os israelenses.

Salam Fayyad Sim, buscamos relações quentes com vocês. Não queremos simplesmente chegar num ponto onde apenas aceitamos um ao outro. Queremos ter relações quentes onde ambos reconheçamos os benefícios mútuos econômicos, políticos, intelectuais e espirituais de viver e trabalhar juntos. Não queremos fechar vocês do lado de fora das nossas vidas. Queremos viver com vocês – como seus vizinhos e  seus iguais.

No coração, sou um otimista. Por que? Como? Após tanto esforço de todas as partes e após um fracasso tão espetacular, muitos questionam por que eu persisto no meu otimismo. A resposta está no fato de eu saber que existe uma grande porção de boa-vontade nos dois lados e da parte da comunidade internacional.

Isto não significa que a solução é fácil. Não será. Se fosse, obviamente já estaríamos lá. Sacrifícios políticos e outros são necessários e teremos de ser firmes e explicar às nossas respectivas populações o que queremos e como consegui-lo.

O tempo está fugindo de nós. O tempo não está do nosso lado. Sou parte da última geração de palestinos que enxerga israelenses de forma normal, que se reúne com israelenses e que pode chamar israelenses de “amigos”. A separação fria acoplada com a micro-administração de assuntos deve desaparecer logo, porque caso isso não acontecer jamais seremos capazes de viver juntos como iguais que se respeitam.

Em árabe existe um provérbio que é, ironicamente, oposto ao similar em língua inglesa – “a ausência faz o coração tornar-se frio”. Como pai e marido, temo que nossos corações estejam se esfriando a medida que nos separamos. Eu quero um futuro para meus filhos e estou certo que vocês também. O futuro que eu busco para eles é quente e claro. E seu que vocês têm a mesma visão.

Tempo demais foi desperdiçado. É hora de voltarmos aos trilhos e trabalhar para terminar este conflito para que o futuro de nossos filhos possa ser marcado por amizades entre palestinos e israelenses e não pelo conflito.

 

SALAM FAYYAD foi Ministro das Finanças da Autoridade Nacional Palestina (ANP). Na eleição legislativa palestina de 2006 ele concorreu como fundador e líder do novo partido político Terceira Via, junto a Hanan Ashrawi. Ambos foram eleitos e ocupavam cadeiras do Conselho Legislativo Palestino na data deste discurso. Posteriomente seria o Primeiro-Ministro da ANP.

A Conferência de Herzlia sobro o Equilíbrio da Segurança Nacional de Israel é um programa da Escola Lauder de Governança, Diplomacia e Estratégia do IDC – Interdisciplinary Center de Herzlia, Israel. Seu principal objetivo é melhorar a política nacional de Israel e contribuir para o avanço do seu processo estratégico de tomada de decisões através de rigorosas pesquisas e discussões diretas entre analistas políticos e autoridades políticas.


[ publicado pela ATFP e traduzido pelo PAZ AGORA|BR para a Revista Espaço Acadêmico nº 69 – fev|2007 ]

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