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O conflito das narrativas
As narrativas que informam palestinos e israelenses são componentes importantes e perigosos do conflito palestino-israelense, e são raramente tocadas pelos que tentam levá-lo ao fim.
Suas respectivas narrativas têm sido usadas à vontade pelos dois lados para todos os tipos de propósitos: primeiro, como ferramentas para incitação e para garantir apoio político e consenso, assim como para alimentar a hostilidade necessária para continuar a luta. Em segundo lugar, as narrativas têm sido usadas para justificar a posição de cada parte perante o mundo exterior. Isto é especialmente importante à luz do fato de que ambos os lados, em diferentes graus e em diversas fases do conflito, têm sido fortemente dependentes do apoio externo, seja de governos ou da opinião pública.
As diferenças entre as duas narrativas são muito profundas e sérias. Abrangem toda uma gama de facetas históricas, religiosas, culturais e políticas do conflito.
É difícil enxergar o sucesso de um processo sério de reconciliação, e de um acordo de paz duradouro, caso não se trate dessas narrativas contraditórias de uma forma que permita a ambos os lados concordar em uma série de questões, assim reduzindo o número dos assuntos em que divergem.
Alguns israelenses de fora do establishment têm recentemente atravessado um processo de revisão séria de partes da narrativa israelense, particularmente quanto ao aspecto histórico. Muitos dos “novos historiadores” vêm revelando mentiras que foram erigidas para servir a fins políticos nas narrativas israelenses oficiais e não-oficiais, especialmente com respeito ao estabelecimento do Estado de Israel.
São tipos de iniciativas que precisam ser encorajadas e desenvolvidas para que se prossiga na direção de um maior entendimento. Espera-se que um dia incluam outros aspectos da narrativa israelense, notavelmente o religioso.
A narrativa religiosa israelense foi consolidada em Israel e chegou hoje a um ponto onde políticos de alto escalão têm nos últimos anos baseado algumas de suas posições políticas sobre argumentos religiosos . Esse grupo incluiu num certo momento o outrora secular Ariel Sharon, mas também muitos outros.
A nível cultural, um certo tipo de sentimento de superioridade israelense sobre outros, particularmente palestinos e árabes, é também algo que precisa ser abordado como componente da narrativa sobre o conflito.
O problema também existe no lado palestino, mas com algumas diferenças. Existe uma diferença de posições, mentalidade e narrativa com respeito ao conflito, entre o nível oficial e o da população. A liderança palestina, até a recente vitória do Hamas, era menos influenciada do que o público por uma narrativa não-científica.
A liderança palestina foi historicamente secular e menos influenciada por qualquer narrativa enviesada pela religião. Falava de forma relativamente mais acurada do ponto de vista do entendimento histórico.
O problema com as narrativas no lado palestino é sério e real a nível da população. O público palestino é influenciado e comprometido por certas narrativas que necessitam de muita revisão e educação. A fraqueza do lado palestino no conflito e a fraqueza da liderança palestina no plano interno, entretanto, restringem as possibilidades para debate e revisão dessas narrativas.
Uma das possíveis contribuições possíveis por parte de instituições das sociedades civis nos dois lados é tentar estabelecer várias arenas de debate sobre aspectos de suas respectivas narrativas.
Tais iniciativas deveriam incluir personalidades e instituições relevantes de ambos os lados, mas também instituições estrangeiras especializadas nas questões. Tais grupos poderiam estabelecer regras básicas para processos de debates acadêmicos, que poderiam ensinar cada um dos lados sobre a narrativa do outro e também eliminar certos aspectos não pertencentes a tais objetivos e foruns acadêmicos.
Iniciativas como essas poderiam ser extremamente construtivas em termos de construção de confiança e diminuição das distâncias entre narrativas a nível popular. E criariam uma situação mais positiva para um processo de paz entre os dois lados.
GHASSAN KHATIB é co-editor da bitterlemons.org, bitterlemons-international.org e da bitterlemons-dialogue.org. Foi Ministro do Planejamento e Ministro do Trabalho da Autoridade Palestina.
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