Era o ano de 1982. Mais uma guerra sacudia o Oriente Médio respingando em nossos corações e mentes. Um grupo de judeus cariocas resolveu apoiar o movimento PAZ AGORA de Israel, criando por aqui atos de solidariedade para com aqueles homens cansados de guerra. Fomos à luta e esbarramos na desilusão.
Acusados por certos membros da comunidade judaica de receber um mensalão do Al Fatah, seguimos em frente. Publicamos nos jornais um manifesto básico. Direito à autodeterminação. Mútuo reconhecimento de palestinos e judeus. Saída dos sírios, que, naquela época já dominavam o Líbano, e recuo de Israel para as suas fronteiras.
Um debate foi combinado no restaurante Barbas. Um encontro anterior no Colégio Bennett havia sido interrompido por ameaças de bomba, feito pelo Comando Alfa, um grupo de direita da época da ditadura.
”Pela primeira vez na vida, saí escoltado por um camburão”, diria Isac Akselrod, veterano jornalista, escolado em lutas clandestinas, colaborador da Voz Operária, para o oficial da PM que nos tirou de lá. Na mesa do Barbas, Antonio Houaiss, Moacir Werneck de Castro, mais algumas pessoas e eu, representando o PAZ AGORA.
Com a casa cheia, começamos a conversa acreditando que, desde que se troque a vontade de vitória por negociação, é possível encontrar o caminho das palavras. Sem isto, não há mundo sustentável. Lá pelas tantas, o pessoal da OLP, também convidado para o encontro, passa um documentário sobre a guerra.
De repente, Antonio Huaiss, filho de cristãos maronitas do Líbano, se levanta e apontando para a tela onde aparecia um homem de uniforme militar, exclama indignado, ”o que esta fazendo em Beirute aquele soldado sírio?”
Bem, meus caros, o tempo fechou. O pessoal da OLP, que queria o nosso apoio, mas não assinava o documento por nada deste mundo, reagiu ao Houaiss acabando com o encontro aos gritos de protesto. Nos olhares do público o ar de surpresa. Mas não era para ser uma reunião pacifica? O encontro se decompôs. Pessoas saíram rápidas da sala.
Um israelense que apareceu por ali e que depois soubemos que era membro do PAZ AGORA e viajava de férias pelo Brasil, agitado, gritou num português enrolado pro rapaz da OLP, ”ieu te reconhece, você me reconhece?” Ele repetia sem parar, e eu, no meio do caos, via uma vez mais o sonho se desfazer.
Como a gripe e a loucura, a esperança vem em surtos. Depois do Barbas, veio o aperto de mão desconfiado entre Arafat e Rabin, o assassinato deste por um religioso judeu, veio a corrupção da autoridade palestina, a radicalização de setores de ambos os lados apesar dos movimentos de entendimento.
Aí, meus caros, pela fresta aberta entre a decepção e o abandono, entrou em cena o fundamentalismo islâmico. E para fundamentalistas, venham de onde vierem, o outro é um estorvo, o encontro é perda de tempo, a verdade já está estabelecida e só a morte resolve a questão.
Lembram de Franco ‘viva la muerte’? Das caveiras da SS, dos gulags de Stalin, do ‘ame-o ou deixe-o’ da ditadura? Esta semana, um amigo libanês me parou na rua. Num encontro em sua comunidade foi chamado de maroneu, mistura de maronita e judeu. Maroneu por que, como Houaiss, ele acha que a solução no Oriente Médio passa pela aceitação dos judeus.
Tem nada não meu irmão, já me chamaram de tanta coisa e eu continuo nos meus surtos.
Agora, a hora é de segurar o ódio e resistir à morte. O importante é ter claro que só ela, a indesejada das gentes, é senhora inquestionável do destino, agindo em silêncio enquanto, iludidos, pensamos que somos imbatíveis.
PAULO BLANK, membro dos Amigos Brasileiros do PAZ AGORA, é psicanalista e escreveu este artigo par sua coluna dominical ‘Entre Nós’ no Jornal do Brasil.