Sionismo – o verdadeiro inimigo dos judeus ?

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O sionismo tem sido posto no banco dos réus por seus detratores, muitos anos antes da presente intifada. Ninguém recorda que um terremoto foi registrado na intelligentsia ocidental quando, 30 anos após o Holocausto, uma infame resolução da ONU igualando sionismo a racismo foi aprovada. Em 1975, lembre-se, quase não havia assentamentos nos territórios, e a OLP ainda não havia endossado a solução de Dois Estados.
A atual torre de marfim da insensatez sobre uma solução de um Estado para a disputa israelense-palestina ainda extrai sua razão do velho tema de que a “religião não é uma base apropriada para a constituição de um Estado”, como se os Estados europeus não tivessem nascido historicamente como repúblicas cristãs, e se os Estados árabes ao redor de Israel fossem um monumento à diversidade religiosa.
Israel enfrentou nos últimos anos uma crise política e moral que é circunstancial, não estruturada ou escrita em seu código genético, pois é algo que afetou a maior parte das nações ocidentais na era moderna. Ela responde a um conflito, que é solúvel, entre dois nacionalismos concorrentes. A Europa, que muito freqüentemente nos olha com um ar de sacrossanta censura, sabe por experiência própria o quão amargos tais conflitos podem se tornar.
Este é exatamente o cerne do assunto: a intrigante atitude que converte o que podem ser as reprováveis políticas de um governo num gatilho para um discurso cujo significado subliminar é a negação do direito de existência de um Estado, e agora de todo o ideal sionista. A vilanização de Israel de há muito extrapolou o que pode ser definido como a crítica legítima, e se transformou num bacanal internacional de assassinato moral.
O Holocausto não deve dar aos judeus e a Israel qualquer imunidade moral às críticas, nem é apropriado para que israelenses convenientemente repudiem cada ataque contra suas políticas reprováveis, taxando-os como anti-semitismo. Mas é igualmente indecente que Israel seja estigmatizado para o opróbrio internacional de uma forma que conduza a sua deslegitimação como Estado.
Aqueles que afirmam se críticos de boa-fé de Israel devem ser os primeiros a liderar o protesto contra o monstruoso absurdo onde mais resoluções da ONU são dedicadas a abusos de direitos humanos em Israel do que sobre abusos em todas as outras nações do mundo, somadas. Da mesma forma, também deveriam estar mais dispostos a repelir obscenidades como a comparação de José Saramago de Jenin a Auschwitz.  Uma dura batalha urbana, na qual morreram  23 soldados israelenses e 52 palestinos, muitos dos quais terroristas treinados para explodir ônibus e jardins de infância – compare-se isso a Grozny, à Kasbah de Alger, ou a Najaf e Falluja – foi comparada a uma fábrica de morte, onde 30.000 judeus eram assassinados diariamente, e os “críticos de boa-fé” a Israel se mantiveram em silêncio.
O sionismo não é um dogma religioso, foi sempre foi um movimento amplo com diversidade democrática. Uma árdua luta interna  já se trava há algum tempo sobre os limites dessa ideologia. Todos estudos de opinião pública de israelenses mostram hoje que a grande maioria dos israelenses assumem que a fase territorial do sionismo acabou.
Nem seus limites éticos foram deixados descansar. Como o juiz Itshak Zamir – não exatamente amigo das políticas de Sharon – explicou, Israel é a única nação cujas Justiça Civil tem tão ampla jurisdição sobre ações militares. A decisão da Suprema Corte de Israel sobre o muro na Cisjordânia, que forçou o governo a mudar o traçado do muro, é um bom exemplo.
Organizações israelenses de direitos humanos, como o B’tselem, que incansavelmente chama a atenção para o preço moral da ocupação, e colunistas independentes que nos forçam a olhar diariamente para a tragédia palestina e para nossa própria parcela de responsabilidade por ela, são um farol moral para uma nação num dilema sempre desesperadamente difícil entre a segurança e a ética. Estou igualmente fortalecido em minha confiança na sanidade do ideal sionista, pelo que hoje se afigura como a derrota política e moral do movimento dos colonos na Faixa de Gaza e além.
Nenhuma das partes neste conflito tem o monopólio do sofrimento. Mas nós, os judeus, não sobrevivemos aos horrores do extermínio apenas para nos entrincheirar atrás dos muros de nossas próprias convicções e ali nos manter inamovíveis. O que trouxe o primeiro-ministro Yitzhak Rabin a Oslo, e o governo onde servi como ministro a Camp David e Taba, foi a necessidade de divisar uma solução que tornaria o Estado Judeu legítimo aos olhos daqueles que se consideram suas vítimas.
Agora que Abu Mazen (Mahmoud Abbas), o novo líder palestino, finalmente interrompeu o compulsivo “surfing” de seu predecessor na ondas da morte e do suicídio, um processo político tornou-se de novo uma possibilidade.
O ex-ministro do exterior francês, Hubert Védrine pode estar certo, afinal. Como os franceses e os alemães, nós também chegaremos à reconciliação, mas que isso leve menos tempo e muito menos sangue do que tomou dessas tão civilizadas nações para resolver suas diferenças.

 

Shlomo Ben-Ami foi ministro do exterior de Israel, participou do encontro de cúpula de Camp David, e liderou a equipe israelense nas negociações de Taba.

 

[ publicado em 04/02/2005 no International Herald Tribune – www.iht.com | traduzido PAZ AGORA|BR ]

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