Herói do Nosso Tempo


 Assisti ao filme Herói do Nosso Tempo, do diretor Kadu Mihaileanu. No elenco, a sempre bela Yael Abecassis, atriz estrela de Kedma, de Amos Gitai. Outro filme excelente.

“Em 1984, cerca de oito mil etíopes judeus fizeram uma caminhada de aproximadamente 600 quilômetros até Israel. Eles fugiam do regime pós-soviético de seu país e iam em busca da terra prometida. Neste cenário, tropas norte-americanas ajudaram pessoas a se salvar e foi a chance que um menino teve para ter uma vida melhor. A mãe o batizou de Salomão e o mandou clandestinamente em um dos aviões. Ensinado a dizer que é judeu, ele ainda tem de sustentar a história de que é órfão para que possa ter outra família.

Heróis do nosso tempoEm Israel, o menino de 10 anos é adotado por um casal de origem francesa. Começa, então, a grande aventura de sua vida. Ele fica abismado com o desperdício de água diário durante um banho de chuveiro e se sente até deslocado ao ver tantas imagens indo e vindo na televisão. Fazer fartas refeições e descansar em camas confortáveis também parecem fatos absurdos para o menino. Nessa nova vida maluca, ele faz descobertas, cresce, descobre o amor e a ignorância do racismo.

O personagem do menino é retratado em três fases diferentes da vida. O ator Sirak Sabahat (que faz Salomão quando adulto) foi um destes etíopes cuja família caminhou quilômetros até a capital do país e ficou esperando durante cinco meses até ser resgatada e levada para Israel na Operação Salomão (1991). Herói do Nosso Tempo tem como diretor, roteirista e produtor Radu Mihaileanu, que também é judeu. O longa recebeu três prêmios no Festival de Berlim 2005“.

O diretor trabalha o conceito de identidade pessoal. Foi a partir de uma entrevista sua (que reproduzo abaixo) à FSP que despertou em mim o interesse para ver a fita. Fui ao HSBC Belas Artes, na Consolação, e, sai de lá reconfortado com o heróismo do personagem, bem como o diretor o tratou na busca por sua identidade. Trabalho esta temática da identidade no livro que estou escrevendo atualmente. Talvez porque também tenha uma história pessoal parecida com a do diretor, embora não me tenha exilado do país, fui exiliado do ambiente familiar desde os 13 anos e nunca mais voltei. Sai para estudar e conquistar um caminho de vida. Conquistei, claro, mas o custo pessoal é alto para todos nós que nos exilamos. Veja a entrevista abaixo. Se der veja também o filme. Recomendo.

[ Henrique Chagas]


Folha – O significado de ser judeu é a interrogação que o sr. propõe em “Um Herói do Nosso Tempo”?
Radu Mihaileanu – A questão que o personagem de Scholomo [o cristão que se finge judeu] propõe é o que é a identidade de um ser humano, para além do povo judeu. Hoje, temos todos uma identidade específica e profunda, de um lado, que vem da família, da cidade, do país, da cultura em que nascemos e, por outro lado, abraçamos muitas outras identidades.

O filme coloca essa questão. Scholomo é cristão, etíope, africano e vai se tornar também judeu, israelense, francófono.

Folha – Refletir sobre a formação da identidade moderna equivale a refletir sobre a origem dos conflitos contemporâneos?
Mihaileanu – Sim. Os conflitos atuais no mundo vêm da questão da identidade e da aceitação do outro. O fanatismo mundial, seja muçulmano, cristão ou judaico vem do fato de que não aceitamos o outro, a diferença. Não aceitamos o fato de que nós estamos nos tornando outros..

Folha – Como o protagonista de seu filme, o sr. emigrou em busca de condições de vida mais favoráveis. Como se sentiu ao fazê-lo?
Mihaileanu – Parti sozinho. Nem meus pais, nem meu irmão nem meus amigos podiam ir. Eu pensava que nunca mais os veria. Foi duro chegar a um país [França] onde todos debochavam do meu forte sotaque e onde a sociedade era muito diferente.

Os romenos são um pouco como os brasileiros – calorosos, festeiros. Em Paris, a sociedade é mais reservada, menos exuberante.

Folha – Em francês, o filme se chama “Vá, Viva e Transforme-se”. O que achou do título brasileiro?
Mihaileanu – Fiquei surpreso, porque ele não diz a mesma coisa que o título francês. Mas tenho dificuldade de julgar, porque não entendo bem como as pessoas no Brasil lêem um título e o que lhes dá vontade de ver num filme.

Folha – “Vá, Viva e Transforme-se” quer despertar que tipo de interesse no espectador?
Mihaileanu
– Queria transmitir a imagem de um filme épico, de uma história epopéica, de uma vida inteira. E que o título tivesse um valor um pouco filosófico e um pouco trágico, como a vida de Scholomo.

As três palavras são os três períodos de sua vida: “vá” é a infância, “viva” é a adolescência, onde ele descobre o amor e “transforme-se” é a idade adulta, em que ele aprende o que deve ser.

Folha – Como roteirista, por que o sr. optou por reconstituir um fato histórico por meio de um personagem ficcional?
Mihaileanu – No Festival do Filme Judeu de Los Angeles, em 1999, conheci um judeu etíope, que me contou sua vida. Ele perdera toda a família na estrada entre a Etiópia e o Sudão. Estávamos num bar, e nunca chorei tanto na minha vida. Nunca fui tão sacudido pela emoção. Li tudo sobre isso e decidi fazer um filme, porque fiquei revoltado com o fato de ninguém conhecer essa história. O dever de um cineasta não é só fazer belos filmes mas também tornar visíveis as pessoas invisíveis.

Fui, vivi e me transformei. Que identidade eu tenho? Quando meu livro ficar pronto, vc vai saber um pouco desta história.


Sobre o Autor

Henrique Chagas:, 49, nasceu em Cruzália/SP, reside em Presidente Prudente, onde exerce a advocacia e participa de inúmeros eventos literários, especialmente no sentido de divulgar a nossa cultura brasileira. Ingressou na Caixa Econômica Federal em 1984. Estudou Filosofia, Psicologia e Direito, com pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil e com MBA em Direito Empresarial pela FGV. Como advogado é procurador concursado da CAIXA desde 1992, onde exerce a função de Coordenador Jurídico Regional em Presidente Prudente (desde 1996). Habilitado pela Universidade Corporativa Caixa como Palestrante desde 2007 e ministra palestras na área temática Responsabilidade Sócio Empresarial, entre outras.

É professor de Filosofia no Seminário Diocesano de Presidente Prudente/SP, onde leciona o módulo de Formação da Consciência Crítica; e foi professor universitário de Direito Internacional Público e Privado de 1998 a 2002 na Faculdade de Direito da UNOESTE, Presidente Prudente/SP. No setor educacional, foi professor e diretor de escola de ensino de 1º e 2º graus de 1980 a 1984.

Além das suas atividades profissionais ligadas ao direito, Henrique Chagas é escritor e pratica jornalismo cultural no portal cultural VerdesTrigos (www.verdestrigos.org), do qual é o criador intelectual e mantenedor desde 1998. É jurado de vários prêmios nacionais e internacionais de literatura, entre eles o Prêmio Portugal Telecom de Literatura.

No BLOG Verdes Trigos, Henrique anota as principais novidades editoriais, literárias e culturais, praticando verdadeiro jornalismo cultural. sempre atualizado.

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