O assassinato de Rabin há 10 anos nos chocou a todos. Achávamos impossível um evento como esse acontecer em Israel. A tristeza, a fúria e as dúvidas sobre a nossa sociedade ainda nos abalam.
Deveríamos aproveitar o 10º aniversário do assassinato para refletir e tirar conclusões do terrível fato que aconteceu no 4 de novembro de 1995.
A lição mais óbvia e universal, que precisa ser levada a toda a sociedade israelense, é a importância de garantir que esta aceite as regras do jogo democrático. Nunca houve um consenso ideológico na sociedade israelense, nem mesmo antes da criação do Estado. E isto é uma coisa boa. O sistema eleitoral proporcional, que existe desde 1920, contribui para a nossa fragmentação política, porque mesmo grupos políticos muito pequenos não são eliminados pela maioria e são capazes de expressar suas idéias no contexto do sistema.
Especialmente desde 1967, o problema foi exacerbado com o estabelecimento de assentamentos e porque vários governos fecharam os olhos para os aspectos ilegais envolvidos na construção deles. Isto criou rachaduras no consenso sobre procedimentos e crescente legitimação de ilegalidades e confrontos com o regime legal, em nome da lei divina ou de valores que conflitam com a democracia mas percebidos como superiores a ela.
O assassinato de Rabin foi o clímax deste fenômeno, e se observarmos as pesquisas de opinião de adolescentes sobre este assunto, são visíveis que as tentativas feitas desde então para inculcar valores democráticas na geração mais jovem tiveram muito pouco sucesso na área de educação para a democracia.
Uma outra lição pode ser tirada do assassinato, para o campo da paz. Nos últimos 10 anos, perdemos a oportunidade de chegar a uma paz abrangente com nossos vizinhos. Vários dos princípios capitaneados por Itzchak Rabin foram minados por seus sucessores da direita, e não foram implementados pelos seus sucessores da esquerda.
Rabin entendeu as reais ameaças a Israel, assim como reconheceu as oportunidades que lhe foram apresentadas. Talvez também tenha lembrado como ele mesmo perdera uma grande oportunidade quando era primeiro-ministro nos anos ’70 e o Rei Hussein estava disposto a um acordo parcial.
As duas principais ameaças que visualizava eram a perda da maioria judia nas áreas sob controle israelense e a de países hostis no Oriente Médio obterem armas nucleares antes que um acordo israelense-palestino pudesse ser alcançado.
Sua solução implicava num esforço para chegar a um acordo com todos os países árabes até o final dos anos ’90. Ele apoiou o processo de Oslo, e se tivesse vivido e permanecido no poder, teria obtido um acordo definitivo de paz até maio de 1999, a data acordada com os estados árabes, no espírito do plano Clinton e da nossa própria Iniciativa de Genebra.
Rabin manteve negociações intensas com a Síria e expressou disposição em abrir mão das colinas de Golan para a paz. Aproveitou a coragem do Rei Hussein e a anuência dos palestinos para assinar uma declaração de princípios com a Jordânia, apenas um dia após assinar o acordo de Oslo, o que acabou produzindo o Tratado de Paz entre Israel e Jordânia em outubro de 1994.
Rabin distinguia entre as várias forças em jogo no mundo árabe, e especialmente entre os palestinos. Ele via o Hamas como um inimigo intratável com o qual seria impossível chegar a um compromisso, mas enxergava na liderança da OLP um parceiro que precisava ser fortalecido.
Sua determinação de que deveriam ser feitas negociações como se não houvesse terror e de que o terrorismo deveria ser combatido como se não houvesse negociações nascia exatamente desta distinção, e do seu desejo de evitar que qualquer terrorista tivesse o poder de veto sobre o processo de paz.
Os sucessores de Rabin tomaram uma rota diferente. Tanto Shimon Peres quanto Ehud Barak deram prioridade à frente Síria, mas nela não avançaram e suspenderam as negociações com os palestinos. Biniamin Netanyahu e Ariel Sharon, por outro lado, fizeram tudo a seu alcance para evitar qualquer negociação sobre um acordo final com os palestinos.
Netanyahu inventou o sistema do ‘se nos derem, receberão’, que aos seus olhos justificava a suspensão das negociações, e Sharon denunciou a fórmula de Rabin com relação a negociações e terror como errada.
Mesmo assim, Sharon conseguiu que o partido Avodá se juntasse à sua coalizão, embora fosse claro que uma Autoridade Palestina enfraquecida não seria capaz de eliminar a infra-estrutura terrorista antes que fossem realizadas negociações.
O campo da paz precisa retomar o caminho de Rabin. Precisamos pressionar por negociações sem quaisquer pré-condições, manter conversações com a Autoridade Palestina sobre um acordo definitivo, consegui-lo tão rápido quanto possível, e tirar proveito da atual situação da Síria para assinar um acordo de paz com ela.
O campo da paz não pode dar seu apoio a nada que postergue negociações e deve dar força ao entendimento de que apenas acordos de paz com nossos vizinhos, em vez de passos unilaterais ou acordos parciais, podem levar à realização do sonho sionista: um Estado judeu e democrático vivendo em paz com seus vizinhos. Que não seja um gueto no Oriente Médio, e que não seja como hoje o lugar mais perigoso no mundo para judeus viverem como judeus.
Yossi Beilin é líder do partido Yachad/Meretz e principal promotor israelense da Iniciativa de Genebra.
[ Publicado no Haaretz e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]