“Alguém para correr comigo” (Companhia das Letras), livro que o premiado escritor israelense David Grossman vai lançar durante a Flip, conta em tom de fábula uma aventura conduzida por dois adolescentes vivendo os dramas próprios da idade. Desacertos e esperança se alternam numa história sensível que mirou no leitor jovem e acabou conquistando uma legião de adultos nos países onde foi traduzido.
Grossman diz que não quis construir uma metáfora do Oriente Médio. Sua idéia era mostrar os conflitos na esfera privada, ao mesmo tempo dando a eles uma dimensão universal. Diz que adolescentes e adultos precisam de um mediador para driblar a raiz de todos os desentendimentos: a incomunicabilidade.
[Patricia Kogut]
Os personagens centrais do seu livro “Alguém para correr comigo”, Tamar e Assaf, são dois adolescentes que de alguma maneira deixam o passado para trás em favor de um futuro desconhecido e de uma nova identidade em construção. Esta seria uma metáfora para o futuro político de seu país?
GROSSMAN: Quando escrevo literatura, me interessa a história em si. As questões relativas a metáforas e interpretações subliminares deixo para os leitores e para os críticos.
Mas este seu romance foi apontado pela crítica internacional como “político”…
GROSSMAN: Só porque é de um autor israelense e trata de aspirações de futuro, as pessoas fazem estas associações. É claro que falo da rejeição que estes jovens têm pelo país que seus pais criaram e legaram a eles. Trato também das crianças que vivem nas ruas, já que o dinheiro que deveria ser destinado a abrigos é gasto na guerra e na ocupação. Mas é só.
Como disse no começo, me preocupei com a batalha destes dois jovens, Assaf e Tamar, para fazer tudo certo na vida. É quase ingênuo. Num mundo cada vez mais cínico e sem idealismos, alimentado pela mídia, aqueles dois personagens tentam se sair bem. Eles cresceram e vivem num ambiente em que nem a vida humana é valorizada e a dignidade foi para o espaço. Perderam até a coisa mais preciosa para um jovem: o direito de acreditar que podem mudar as coisas. Este sempre foi o papel da juventude, vide a geração de 68.
Então o senhor vê mais desesperança na sua história do que perspectiva de futuro?
GROSSMAN: Não é isso. Acho que a vida de um adolescente hoje é tão complicada, solitária e assustadora, que merece uma história que não seja lida por um leitor em busca de eventuais questões embutidas. Os adolescentes, para mim, são pessoas com problemas muito concretos. Eu quis falar da adolescência como um tema universal.
Seu livro foi lançado aqui no Brasil para adultos, mas em alguns países chegou às livrarias como literatura infanto-juvenil. Que leitor o senhor buscou?
GROSSMAN: Primeiro devo dizer que escrevi para o público jovem, mas aqui em Israel e em outros 20 países onde o livro foi publicado ele se transformou imediatamente num sucesso entre adultos. É que acho que os dois públicos precisam desesperadamente de um mediador. E o livro cumpre este papel ao decodificar signos da comunidade adolescente para os adultos e vice-versa.
Nós todos sabemos no terreno privado como é difícil esta fase. Eu tenho uma filha de 13 anos ( ele também é pai de dois rapazes, de 20 e 23 anos ). Na minha experiência ainda limitada com o tema, que se resume a este livro e a um outro que escrevi, percebi claramente como os adolescentes buscam alguém que lhes mostre um caminho. Eles precisam dos adultos e de sua aprovação. E vice-versa.
Acho que a literatura é um caminho transformador, porque ajuda a formular os sentimentos confusos e contribui para a sua elaboração. A realidade é muito mais estressante sem esta possibilidade de digestão.
Este é um momento de esperança em Israel?
GROSSMAN: A esperança que há é muito frágil. Neste exato momento da nossa conversa está acontecendo um encontro para discutir a paz ( entre Ariel Sharon e Mahmoud Abbas, em Jerusalém. O encontro foi considerado um fracasso ). O que será que vai acontecer? Há, digamos, muitas reservas de ambos os lados.
Temos que encerrar a ocupação. Os palestinos têm que encerrar a rotina de violência. Ambas as culturas têm que se educar para adotar um novo dicionário, que não seja pautado pelo ódio e pela violência.
O senhor publicou um artigo recentemente em que fala do papel de vítimas em que os palestinos se encontram. Isto ajuda ou atrapalha as negociações de paz?
GROSSMAN: Ser vítimas ajudou os palestinos, mas só até certo ponto. Ajudou aos olhos da opinião pública internacional. Mas há um momento em que a vítima cai na tentação de idealizar este seu papel. Vira uma espécie de vício. É a glorificação do insulto. E cai numa passividade imensa.
Com isso se vai também a capacidade de autocrítica. Israel está determinando tudo o que vai acontecer nos acordos. Não se trata aqui de diálogo de verdade. É imposição. É melhor do que nada e muito melhor do que a guerra.
O senhor foi um dos redatores do acordo de Genebra e trabalha pela paz. Tem um canal de conversas com intelectuais palestinos?
GROSSMAN: Há 12 anos fundei um grupo de estudos com escritores israelenses e palestinos. As reuniões tinham que ser secretas, já que na época havia uma proibição a israelenses quanto a manter tais encontros com quem pertencesse à OLP (Organização para Libertação da Palestina).
Foram conversas muito prolíficas. Depois que acabou, mantive contato com alguns dos membros do grupo. Hoje este contato está cada vez mais raro. Gosto destas iniciativas de intercâmbio de experiências.
[ publicado n’O Globo ]