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Por 20 anos Daniel Savitch detestou Ariel Sharon. O veterano esquerdista sempre votou contra o primeiro-ministro israelense com repulsa pela sua carreia belicosa e tem muitos questionamentos quanto à honestidade e integridade de Sharon.
É assim que Savitch aprecia a ironia da posição em que a esquerda israelense se encontra agora ao lutar pela sobrevivência política de um homem que por muito tempo quis derrubar.
Os esquerdistas não mudaram de bandeira, insiste Savitch, mas sim Sharon, pelo menos em uma questão: o líder conservador, antigo incentivador da colonização judaica de terras palestinas, prometeu arrancar todos os 21 enclaves da Faixa de Gaza neste verão, um passo há muito defendido por muitos na esquerda.
– Eu não confio nesse cara, mas não acho que esta seja a principal questão aqui, diz Savitch, 43, diretor de uma sinagoga de Jerusalém. De repente, ele está fazendo as coisas que deveriam ter sido feitas há muito tempo… É muito perigoso não apóia-lo, muito perigoso não lhe dar uma chance.
Desde que o líder israelense anunciou no ano passado a intenção de retirar tropas e colonos de Gaza, as linhas partidárias e lealdades normais se misturaram, enquanto políticos e eleitores lutam para digerir as implicações de uma atitude que poucos esperavam.
O que o primeiro-ministro está para enfrentar em Gaza tem desconcertado especialmente as esquerdas israelenses, que têm estado desarticuladas desde o colapso dos acordos de paz de Oslo em 1993. Com o pé atrás, muitos dos israelenses partidários da esquerda dizem estar se sobrepondo a seus desgostos pessoais e apoiando Sharon para contrabalançar a extrema direita e os religiosos nacionalistas que querem descarrilar seu plano de retirada de Gaza.
– Eu apóio Sharon apesar de Sharon, diz um veterano esquerdista …
– É extremamente irônico que levantemos uma campanha em favor de um programa de Ariel Sharon. Mas a História é cheia de surpresas, diz Janet Aviad, uma das líderes do grupo PAZ AGORA, antigo opositor dos assentamentos judeus.
Não se deve estereotipar ninguém nem se trancar numa posição… quando se vê uma pessoa que adota as suas posições com respeito aos assentamentos em Gaza, movendo-se na direção que uma maioria dos israelenses agora apóia, você tem que apóia-la.
Sharon precisa desse apoio. Apesar de seu gabinete ter aprovado o plano de desligamento para que seja iniciado no final de julho, seus opositores ameaçam matá-lo, torpedeando seu orçamento no parlamento. Se até o final deste mês fracassar a aprovação, dessas despesas, poderão ser convocadas novas eleições, o que impedirá a retirada.
Isto criou um dilema desconfortável para alguns da esquerda, que apóiam de todo coração a evacuação dos assentamentos de Gaza mas se opõem fortemente ao plano orçamentário de Sharon.
Zehava Galon, do partido Meretz/Yahad, da ala esquerdista do Parlamento, acredita que o orçamento proposto ajudaria a concentrar a renda contra os pobres, com o que ela não concorda. Mas se ela votar contra ele, Galon poderia ajudar a derrubar o governo:
– Estamos realmente num Catch-22. De um lado, não podemos aceitar esse terrível orçamento. Ele afeta tanta gente de um jeito tão horrível, as pessoas mais miseráveis de Israel… mas, do outro lado, não iremos suportar a culpa dele [Sharon] não ter conseguido implementar seu plano [de desligamento] por nossa causa.
As pesquisas indicam consistentemente que uma grande maioria dos israelenses deseja que o exército e os colonos se retirem de Gaza. Um levantamento publicado neste mês pelo diário Haaretz mostrou que se um referendo fosse realizado sobre a retirada, mais de 80% dos votantes dos partidos mais à esquerda Meretz-Yahad, Shinui e Avodá o apoiariam. Em contraste, 52% dos eleitores do partido conservador Likud, de Sharon, o apoiariam, a extensão pela qual Sharon está se distanciando de seu próprio partido, nas palavras do jornal.
Numa revelação mais surpreendente, a maioria dos eleitores pesquisados do partido trabalhista Avodá – agrupamento tradicionalmente hostil a Sharon – deu-lhe nota maior ou igual a 8, numa escala de 1 a 10, para seu desempenho como primeiro-ministro.
– Acho que estão todos unidos agora em torno de uma posição de que é nossa tarefa no momento apóia-lo, dizia a líder do PAZ AGORA Janet Aviad – palavras que por muitos anos ninguém poderia supor ouvir da ativista.
Analistas políticos dizem que Sharon não é um mero ideólogo, mas, de várias maneiras, um operador frio e pragmático. Quando ele entrou na política no início dos anos 70, por exemplo, foi de uma ala mais moderada do Likud, mas depois adotou posições mais agressivas por razões táticas. Segundo o cientista político Abraham Diskin, professor na Universidade Hebraica de Jerusalém, Sharon sempre foi muito pragmático.
Mas se Sharon está agindo taticamente ou por força de novas convicções, não importa para Aviad.
– Não quero saber se ele se converteu ou se enxergou a luz. Não sei de nada que tenha acontecido dentro do cérebro ou do coração dele, que tenha provocado esta mudança – diz ela – Apenas vejo que ele mudou de opinião e está fazendo o trabalho que esperaríamos que um primeiro-ministro de esquerda fizesse.
Um refrão, comum nesses dias, e um tanto pesaroso, é de que só Sharon teria poder e credibilidade para levar adiante a retirada de Gaza. Muitos dizem não haver um líder na esquerda experiente e popular o suficiente para fazê-lo.
– No cenário político atual, ele é o único líder que pode desmantelar até mesmo uma única casa num assentamento – diz Uri Avnery, veterano líder do que é conhecido em Israel por esquerda radical. Isto acontece em grande medida por falha da esquerda, que não conseguiu criar forças políticas e lideranças com poder, autoridade e carisma para fazer qualquer coisa…
Avnery faz um apelo para que os camaradas de política mantenham os olhos abertos e se mantenham vigilantes sobre as intenções de Sharon no pós-Gaza. Mas, amando-o ou odiando-o, disse, a batalha pelos assentamentos de Gaza representa um momento crítico, talvez um marco, na História de Israel.
– Esta será a grande luta. E, nesta grande luta, não temos outra opção senão apoiar Sharon, completa.
[ publicado no Los Angeles Times em 19/03/2005 | traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]