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b i t t e r l e m o n s / B R
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21/02/05 – Os Postos Avançados (Outposts)
UMA VISÃO PALESTINA O Colono é o rei |
por Issa Samandar |
Said Talib é cidadão norte-americano e agricultor na Cisjordânia. Nenhuma dessas condições lhe tem dado estabilidade. Não foi capaz de manter sua terra na aldeia de Turmus Ayya na estrada para Nablus há quatro anos, e não conseguiu nenhum recurso legal.
Há seis anos, um outpost [posto avançado de assentamento] foi criado perto da aldeia. O primeiro colono que estacionou seu trailer no tôpo vazio da colina tornou-se famoso. Todos os aldeões o conhecem como Boaz. Ele não está mais só.
Agora, uns 50 trailers estão estacionados ao lado dele. Conforme a lei israelense, esses outposts são ilegais. Mas o governo israelense mesmo assim forneceu a eles estradas asfaltadas, eletricidade e água corrente.
Depois de um ano após a intifada começar, a Said e a seus colegas da aldeia só é permitido ficar em suas próprias terras por alguns dias. Durante a temporada de colheita de azeitoras entre outubro e novembro, os agricultores ficam desesperados. Dois dias por ano, apenas, para colher. No resto do ano são proibidos de ficar em suas terras, de plantar sementes ou de cuidar das árvores.
Antes da intifada, agricultores costumavam desafiar os colonos. Havia muitos confrontos e discussões. Pouco antes da irrupção da intifada, Boaz um dia acordou e viu que suas ovelhas não estavam e seus cães estavam mortos.
Ele dirigiu para a aldeia próxima de al-Mughayyer, e empunhou cartazes em hebraico. Os cartazes advertiam aos aldeões de que se ele não fosse indenizado com $1.500 por cachorro, e suas ovelhas não fossem devolvidas em 24 horas, ele, Boaz, iria derrubar 700 árvores. Nenhum dinheiro ou ovelha estava por chegar. No dia seguinte, Boaz chegou com uma gang armada e, na presença do exército israelense, cortou 700 árvores. Meses depois, aldeões reportaram que as ovelhas foram encontradas no Vale do Jordão, e que a intenção de Boaz tinha sido reclamar indenização.
A violência não para. Nas cercanias de outra aldeia próxima, Sinjel, colonos de Maalê Levoná criaram conjuntos que o governo israelense hoje descreve como “semi-ilegais” ou “agendados para se tornarem legais”. Esses colonos querem aproveitar os verões para queimar campos de trigo. No último, eles queimaram 50 dunams antes que os aldeões conseguissem apagar o fogo.
Para proteger esses colonos, o exército israelense construiu um campo do lado do outpost. Todos sabem que algum dia aquele campo será enchido com mais colonos.
Durante a intifada, o confronto com os colonos tornou-se muito mais perigoso para os agricultores. Há pouco contato direto. Os aldeões foram advertidos para ficar à distância de 1000 a 1500 metros das “fronteiras” de qualquer assentamento ou outpost. Qualquer aproximação maior são alvejados, algumas vezes feridos e às vezes mortos. Os colonos estão acima da lei. Gente é alvejada, seus campos queimados e seus equipamentos e máquinas danificados. O colono é o rei da Cisjordânia.
Quando Said foi colher olivas nos dois dias em que lhe era permitido estar na sua terra, atiraram nele. Seu carro foi queimado. Colonos vieram molestá-lo. Ele disse a eles que ía chamar a polícia.
Um respondeu gritando a ele: “Vou lhe dar meu número. Eu sou a polícia. Eu sou o exército”. O colono é rei.
Conforme a lei internacional, todos assentamentos são ilegais. Conforme a lei israelense, os outposts criados sem planejamento prévio com o exército israelense, são ilegais. Esta ilegalidade, porém, tornou-se uma forma para o exército de evitar o confronto com os colonos dos outposts. Eles simplesmente não aplicam a lei.
Os outposts têm um costume de se multiplicar e expandir. Têm o hábito de se tornar permanentes. São a maior provocação encarada por gente simples de verdade.
No mesmo dia da assinatura dos Acordos de Oslo, uma operação concertada israelense para multiplicar assentamentos e outposts foi posta em marcha, na Cisjordânia em particular. O número de colonos duplicou entre 1993 e 2000. O sinal para o palestino médio foi inconfundível. Enquanto as autoridades israelenses sorriam na TV, tiravam mais terras no campo.
Num tempo de alguma confiança entre os dois lados, levou um lapso antes que essa óbvia transgressão do espírito, se não da letra, dos Acordos de Oslo, fosse transformada em ódio.
Agora, após a última intifada, muito em função do ódio semeado pela continuada expansão dos assentamentos e florescimento de outposts, não há confiança. Se Israel quer persuadir qualquer palestino de que é sério sobre paz, que é sério sobre dois Estados, então esses outposts devem ser removidos. As pessoas não acreditam mais em belas palavras. Querem ver resultados.
Não sou esperançoso. Na Cisjordânia, o colono continua rei.
(c) bitterlemons.org – 21/02/2005 – versão brasileira PAZ AGORA/BR
Issa Samandar é diretor dos Comitês Gerais de Defesa da Terra (Land Defense General Committees), uma ONG popular que procura assessorar pessoas cujas terras estão fora de seu alcance ou foram confiscadas por causa de assentamentos ou outposts, através de meios legais e métodos de ação direta pacíficos e políticos.
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