Judeus na primeira pessoa

Para mim, ser judeu é ser um estranho.

Um estranho em relação a situações humanas em que se forma um coletivo de qualquer espécie, composto por muitos que falam (ou urram) com uma voz única; um estranho com uma leve suspeita sobre o que torna aquele coletivo possível; com a solidão que toma conta do indivíduo na presença de um coletivo daqueles, mesmo que ele não queira – ou seja incapaz  – de fazer parte dele; com o sentido de singularidade que acompanha aquela solidão; com aquela marca (não inteiramente

David Grossman

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compreensível) de orgulho que acompanha estes sentimentos, afligido incessantemente pelo fato dessa singularidade colocar uma barreira invisível, mas real, entre ele e os outros; com o constante ceticismo que repousa dentro desses sentimentos, porque frequentemente parece que estes sentimentos não são mais do que uma crosta formada sobre a ferida da solidão, da trágica distinção dos Judeus – e quem sabe se foi imposta desde o início aos judeus pelos outros ou se os judeus a escolheram e refinaram – transformou “O Judeu” num símbolo quase universal do estrangeiro absoluto; com a dor do fato desta atitude ter transformado o Judeu e a sua História, aos olhos da Humanidade, numa história maior do que a própria vida, e logo em algo que não é parte da própria vida, algo despegado do curso da natureza e da História experimentado por outras nações.

A isto tenho de juntar o profundo e instintivo sentimento de identificação familiar que sinto em relação aos judeus de todas as gerações. Partilho os seus destinos, as suas formas de pensar, a sua cultura, a sua linguagem e o seu humor. Mas, talvez, aquilo com que realmente me identifico, mais do que qualquer outra coisa, é precisamente com esse sentido de solidão, ferida e perseguição, esse sentimento de ser estrangeiro neste mundo, sempre angustiado pela delicadeza da existência.

Mas sempre que sinto isto ao identificar-me desta forma como judeu, passo a fazer parte deste coletivo particular, o coletivo judaico, dou um passo atrás, e tenho sérias (e muito judaicas) dúvidas acerca de lhe pertencer.

David Grossman, jornalista e escritor israelense, é um dos fundadores do movimento PAZ AGORA.

 

[ retirado do livro “I Am Jewish: Personal Reflections Inspired by the Last Words of Daniel Pearl”, 2004 ]

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