O desaparecimento de Yasser Arafat da cena levantou esperanças de que talvez uma janela de oportunidade para uma nova era tenha sido aberta agora. O comportamento do rais ao longo do processo de paz – especialmente em seus estágios finais, que testemunhei – levaram-me a concluir que ele não foi capaz de decidir o fim do conflito entre Israel e o movimento nacional palestino.
Mas, ao mesmo tempo, eu dizia que o problema reside não apenas na sua personalidade, mas também nos ethos emergentes de ambos os movimentos nacionais. Ainda que Arafat fosse um mestre do ilusionismo e dos duplos sentidos, ele não inventou os sonhos e posições nacionais dos palestinos, e suas demandas nos aspectos centrais da luta não eram caprichos pessoais. Ele meramente refletia e expressava os sonhos e desejos de seu povo.
Este era o segredo de seu poder: ele era a corporificação do espírito coletivo do povo palestino. Seu desejo obcessivo de ser um líder consensual pan-palestino, o impedia de tomar decisões. Arafat foi a prova final do ditado de Margareth Tatcher, de que o desejo do consenso é a negação da liderança.
Serão as coisas diferentes com seus sucessores? Aumentaram agora as chances de resolução do conflito por negociações diretas?
É importante entender que uma mudança na liderança de forma alguma altera as condições para paz ou seu preço. A paz não será mais fácil por causa do desaparecimento de Arafat. A tragédia deste conflito é que o único homem cuja assinatura num acordo de compromisso e reconciliação – que incluiria renunciar a sonhos arraigados – seria a legítima aos olhos de seu povo, foi incapaz de comparecer para assinar. Ele levou esta legitimidade consigo para o túmulo, e deixou seus herdeiros com as mesmas posições e o mesmo ethos, para os quais será muito difícil fazer compromissos. Este é seu terrível legado.
E se isto não fosse o bastante, é também possível que na ansiedade de seus herdeiros por preencher o vácuo de legitimidade que seu pai fundador deixou atrás de si, sejam eles compelidos a aderir às suas posições bem conhecidas, e talvez de forma ainda mais extrema, se quiserem sobreviver. Isto também é verdade por causa da dificuldade que terão para exercer a autoridade sobre organizações populares, tanto aquelas afiliadas à Fatah, quanto as do Hamas e da Jihad Islâmica.
Arafat foi o comandante e o símbolo para todos. Não será o mesmo para seus herdeiros, e eles terão que fazer concessões políticas, integrar as organizações populares e terroristas na liderança e criar coalizões que tornarão ainda mais difícil fazer os necessários compromissos com Israel.
Esta perspectiva leva à conclusão que a paz só será alcançável através de um acordo internacional – conduzido pelos Estados Unidos e o Quarteto, com simultânea assistência dos países árabes, especialmente Egito, Jordão e Arábia Saudita.
Se o todo-poderoso Arafat atribuía tão grande importância a ter um guarda-chuva internacional para escoltá-lo ao altar de um acordo, alguém acredita que figuras menos importantes, envoltas em difíceis condições de herança, seriam capazes de sozinhas modificar o ethos do direito do retorno e do Monte do Templo, sem o respaldo seguro do apoio pela comunidade internacional, especialmente dos países árabes e dos aliados europeus dos palestinos?
Terminar o conflito é de supremo interesse estratégico para Israel. Sua continuação está causando enormes prejuízos aos valores existenciais israelenses: imigração, crescimento econômico, capacidade de cobrir as diferenças sociais que atualmente estão entre as mais profundas em qualquer sociedade ocidental, e posição internacional. E similarmente, com relação a outro tema existencial, o do programa nuclear iraniano, de cujo pesadelo somente poderemos nos livrar agindo conjuntamente com a comunidade internacional.
A necessidade de uma solução internacional também vem das restrições do segundo governo Bush. Irã, Iraque e o conflito israelense-palestino são as principais missões americanas no Oriente Médio.
O plano de Bush de visitar a Europa imediatamente após assumir novamente o cargo, constitui-se como sua constatação de que a reparação de seu abalado relacionamento com o velho continente é a chave para resolver três desses eixos de ameaça.
Israel precisa reconhecer um fato fundamental. Em nenhuma circunstância, a Europa irá consentir numa política conjunta com os EUA para o Irã e Iraque se não houver ao mesmo tempo uma política conjunta – na qual o Quarteto e cada um de seus componentes tenha um papel de fato – para o conflito israelense-palestino. Assim, os três eixos de crise no Oriente Médio são atualmente todos entrelaçados. Os EUA não queriam que este fosse o caso, mas sua necessidade vital de reparar suas relações transatlânticas os obrigam a compromissos com seus aliados.
Uma paz israelense-palestina precisa ser uma iniciativa internacional abrangente, caso contrário não acontecerá. O primeiro-ministro [Sharon] fez bem ao obter um compromisso do presidente Bush sobre as linhas de um acordo definitivo que não difere substancialmente da linha de Clinton,pela qual o governo Barak se empenhou. Mas a carta do presidente não sobreviverá muito, salvo também obtenha a legitimação pelos outros membros do Quarteto e os países árabes – em outras palavras, a não ser que se torne base para um acordo internacional, e para o escudo de defesa de que Israel necessitará quando tal acordo chegue.
Shlomo Ben Ami participou da delegação israelense nas negociações de Camp David em 2000, durante o governo Barak.
[ publicado no Haaretz 09/11/2004 e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]