Palestinos tentam evitar luta pelo poder

n25

Com Yasser Arafat aparemente à beira da morte, líderes políticos palestinos se movem rapidamente para evitar um visível vácuo de poder, contactando legisladores descontentes mais jovens, organizações militantes palestinas e, discretamente, os israelenses.

Mas é muito pouco provável que qualquer liderança nova e mais coletiva, mesmo que dure, tenha, por um longo tempo, a capacidade ou a autoridade para tomar decisões importantes sobre temas de guerra e paz. E muito menos para assumir um papel abertamente agressivo contra grupos militantes e terroristas palestinos.

“Serão afiadas espadas, com agrupamentos em torno de personalidades e não de plataformas”, predisse Zakaria al-Qaq, co-diretor [palestino] do Centro Israel-Palestina de Pesquisa e Informação [IPCRI – www.ipcri.org].

A condição de Arafat num hospital militar próximo a Paris é descrita como inalterada, mas os detalhes são misteriosos… A representante palestina na França, Leila Shahid, diz que ele está em “coma reversível” e “numa encruzilhada crítica entre a vida e a morte”.

Arafat está entre as pessoas mais conhecidas do mundo, e “seu rosto era como a bandeira da Palestina”, dizia Shibley Telhami, cientista político da Universidade de Maryland. Ninguém mais terá sua credibilidade junto aos palestinos, que lhe deram, como a um pai, o benefício da dúvida em escolhas importantes.

Mahmoud Abbas, conhecido como Abu Mazen, a figura nº 2 na OLP, fez causa comum com Ahmed Qurei (Abu Alá), primeiro-ministro da Autoridade Palestina [AP]. Políticos sólidos com pouca base local ou popular, têm buscado atrair os dois palestinos com maior popularidade e apoio de armas: os patrões efetivos dos serviços de segurança na Cisjordânia e Faixa de Gaza, Jibril Rajoub e Muhammad Dahlan, respectivamente.

Dahlan serviu como Ministro do Interior do gabinete de Abbas, mas é Rajoub quem controla a Cisjordânia, mais importante e populosa.

O apoio de Marwan Barghouti, atualmente cumprindo cinco penas consecutivas numa prisão israelense, e muito popular, também será significante. Há especulações de que em algum momento será libertado em uma troca de prisioneiros.

Ao mesmo tempo, autoridades e analistas palestinos dizem que Abbas e Qurei abriram discussões com grupos militantes jurados à destruição de Israel, como Hamas e Jihad Islâmica, cujos porta-vozes tem propugnado uma “liderança coletiva”, onde teriam uma voz. Qurei pode viajar hoje a Gaza, onde o Hamas é forte, para defender que a unidade palestina é agora um imperativo. As facções de Gaza, incluindo o Hamas, emitiram um comunicado ontem pedindo estabilidade e ordem.

Shimon Peres, o ex-primeiro ministro israelense que compartilhou o Prêmo Nobel da Paz com Arafat em 1994, disse que uma liderança nascente palestina parecia “mais firmemente enraizada” com mais disposição para enfrentar os militantes armados. Abbas tem sido claro sobre sua oposição ao terrorismo e sua opinião de que os últimos quatro anos de intifada foram um desastre. Mas mesmo assim, ele precisará ser muito cuidadoso para ganhar legitimidade popular.

“Antes de tudo, é preciso uma divisão de trabalho”, disse Daoud Kuttab , da Universidade de Al Quds. Arafat foi o líder da OLP, da Fatah, a maior facção da organização, e da AP, o semi-governo que tira sua autoridade da OLP.

Toda manhã de segunda-feira há reuniões do comitê executivo da OLP, do comitê central da Fatah e da liderança palestina, que inclui os principais ministros do gabinete, assessores e líderes de facções da OLP. Arafat liderava todos. Mas nenhuma única pessoa agora terá a capacidade de fazer o mesmo. “Estas são chamadas de instituições , mas na verdade eram vários instrumentos da vontade de Arafat”, adicionou Kuttab. “Agora, toda a liderança está falando sobre como reviver essas instituições [sem ele] …”]

A maior parte dos analistas concordam que a chave para o futuro reside nas deliberações do comitê central da Fatah, um grupo de cerca de 20 membros, que deriva sua autoridade de um conselho revolucionário da facção, com 100 pessoas, que por sua vez deriva sua autoridade de uma grande assembléia geral , para a qual não houve eleições nos últimos 20 anos. É esta comitê central que irá “cortar o bolo e decidir quem ficará onde e fazendo o que”, disse Kuttab.

O primeiro encontro público deve ser o do comitê executivo da OLP, que anunciará o seu novo presidente, que se espera seja Abbas. o atual nº 2. Esta escolha é sujeita à ratificação do Conselho Nacional Palestino (CNP), que tem parte de seus membros vivendo no exterior, mas é improvável que o CNP interfira.

A AP tem uma lei básica, um tipo de constituição, que determina que o presidente do Parlamento sucederá o presidente da Autoridade por 60 dias, nos quais será feita uma eleição. Quando a lei foi aprovada, o presidente do Parlamento era Qurei; agora é um funcionário de Arafat, Rawhi Fattouh, que não tem um papel real.

Se o presidente terá agora uma função mais cerimonial, como Washington pediu, formalizando maior poder nas mãos do primeiro-ministro, é uma questão em aberto. Similarmente, com eleições municipais já agendadas para 8 de dezembro, será que os israelenses tomarão as medidas necessárias para que seja possível uma eleição presidencial?

E se houver uma eleição presidencial, o Hamas participará? O Hames está ativamente competindo nas eleições locais, mas para concorrer à presidência teria que reconhecer a AP, que nasceu dos acordos de Osklo em1993, os quais o Hamas e outros grupos militantes rejeitaram.

Mesmo o relacionamento entre um presidente provisório e o primeiro-ministro, sem falar de um presidente da OLP, não é claro. O cargo de primeiro-ministro é uma invenção recente, e Arafat nunca aprovou algumas reformas cruciais que dariam maior poder ao primeiro-ministro, especialmente sobre a polícia e outras forças de segurança. Arafat tampouco assinou qualquer lei para eleições locais. Boa parte destas questões operacionais podem ser contornadas. Mas o vácuo que Arafat deixa não.

O pesquisador Qaq [do IPCRI] disse que o futuro será mais vagaroso, formal e burocrático. Abbas, em particular, terá uma herança pesada, por ter dado as costas a Arafat e renunciado ao cargo de primeiro-ministro após apenas 4 meses, assim como ao de membro do comitê central da Fatah. Embora Abbas tenha agora voltado ao comitê, o Dr. Qaq comenta: “Como ele terá sua credibilidade de volta?”. Qurei é percebido como um primeiro-ministro fracassado que produziu pouco, mesmo que tenha sido por tolhimento de Arafat.

“Todas essas lembranças voltarão a emergir quanto Arafat estiver sepultado”, diz Qaq. Um desafio ainda maior será o fato de Arafat ter recusado assinar um tratado de paz com Israel. “Arafat não teria cedido – é assim que os palestinos percebem… É um legado difícil. Seus sucessores terão as mãos algemadas”.


[ por Steven Erlanger – publicado em 06|11|2004 no N.Y.Times – condensado e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]

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