n24
Quando estas linhas estiverem publicadas, talvez já saibamos se houve o desenlace. Em qualquer caso, a notícia ocupará as principais manchetes no mundo inteiro. Yasser Arafat, líder inquestionável, governante – absoluto, indispensável e insubstituível – do povo palestino, segue em estado crítico ou deixou de existir. “Não está clínicamente morto”, “está em estado de coma”, “sua saúde se deteriorou irreparavelmente” são só alguns dos rumores que se sucedem em ritmo vertiginoso.
Enquanto em Israel os meios de comunicação já falavam há días do fim da era Arafat, e do “día seguinte”, seus colegas palestinos preferiam evitar falar de um futuro sem Arafat. Recupere ou não suas faculdades, a era pós-Arafat está começando para palestinos e israelenses. E então? Na ordem do dia já estão especulações sobre as implicações de sua desaparição sobre o conflito com Israel e o próprio futuro da Autoridade Palestina (AP) e do povo palestino como um todo.
A crise interna e o estado de quase rebelião que estalaram há poucos meses no seio da AP e que tinham feito de seu presidente o alvo das críticas e da indignação dos palestinos, quase tanto como seu arqui-inimigo, o primeiro-ministro israelense Ariel Sharon, foram deslocados da agenda palestina e do Oriente Médio pela deterioração de sua saúde, que coincidiu paradoxalmente com a reeleição do presidente Bush, o odiado aliado de Sharon, e com a melhoría da posição internacional de Sharon, à luz de seu plano de evacuação de Gaza e do norte da Cisjordânia.
A velha guarda da OLP se apressa para assumir a liderança palestina, tentando criar uma imagem de estabilidade. O acordo interino de partição do poder entre o primeiro-ministro Ahmed Qurei (Abu Alá) e o segundo de Arafat à cabeça da OLP, Mahmud Abbas (Abu Mazen), que compartem o poder, se manterá possivelmente por certo tempo. Mas a chave do poder passará rapidamente às mãos daqueles que têm sido até há pouco, ou que são os responsáveis pelos órgãos de segurança palestinos, quase todos nascidos nos territórios ocupados, diferentemente da velha guarda vinda do exílio tunisiano, da qual se distanciam por profundas divergências.
Os representantes da nova geração, Mohamed Dahlan (preferido pela administração Bush e por Sharon), implacável rival e crítico de Arafat, remetido por este ao ostracismo político; Jibril Rajub, o outrora todo-poderoso chefe de Segurança na Cisjordânia; Taufik Tiraui e Mohamed Al Hindi, insistentemente são mencionados como os mais visíveis futuros líderes dos palestinos. A luta pelo poder está lançada na OLP. Mas nela intervirá a organização fundamentalista radical Hamas, celeiro do terrorismo palestino, que tem ganhado nos últimos anos grande popularidade nas ruas palestinas. O Hamas, que em nenhum momento tentou desafiar a autoridade de Arafat, não outorgará a seu sucessor semelhante privilégio.
Ante a eventual desaparição, seu arqui-inimigo, Ariel Sharon, prepara-se, em meio a uma profunda crise política que inclusive pode por fim à sua carreira política, para as dramáticas mudanças que serão produzidas na liderança palestina.
Sharon poderia, ao surgir outro comando político palestino, restabelecer o diálogo político com os palestinos e inclusive coordenar com a AP a retirada israelense (no momento se fala de retirada “unilateral”), ao desaparecer uma das justificativas de seu plano, a “ausência de uma liderança palestina com quem negociar”.
Os palestinos, por outro lado, sobretudo aqueles que se queixavam reiteradamente da situação causada pela incompetência de Arafat, terão a oportunidade histórica de fazer o que este não fez – construir uma nação. Mas, poderão suas frágeis instituições suportar a dura prova da sucessão de um líder insubstituível?
A partida de Arafat da cena acarretará mudanças significativas nos cenários palestino e israelense ou irá se constituir num novo pretexto para procrastinação? O conflito centenário inicia um prolongado e incerto período de transição, no qual os dirigentes políticos de ambas partes estarão obrigados a adotar decisões transcendentais, antes que as organizações extremistas palestinas logrem impor seus desígnios.
A convergência dos novos fatores que testemunhamos poderá reabrir a janela da oportunidade. Se, de um lado, o novo-velho governo de Washington o propuser, às vésperas do fim do ano sabático eleitoral de sua diplomacia e se, do outro, a União Européia conseguir convencer seus sócios do outro lado do Atlântico a apoiar sua nova política com relação ao conflito, talvez vejamos num futuro, não distante demais, a renovação do agônico processo de paz, determinando assím um final feliz para o road map.
Samuel Hadas foi o primeIro embaixador de Israel na Espanha e no Vaticano.
[ publicado em 05|11|2004 no Iton Gadol e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]