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Não espere muitas lágrimas da Cisjordânia e de Gaza quando Yasser Arafat morrer. Se as duas semanas nas quais Arafat sucumbiu à sua doença provaram algo, é que a maioria dos palestinos, ao perder seu “pai nacional” sente mais uma intensa preocupação pelo seu futuro do que luto por um chefe inválido.
Os êrros diplomáticos de Arafat, o autoritarismo político e sua afinidade pela ameaça não serão esquecidos. Mas ninguém deve subestimar sua importância ao corporificar uma identidade palestina coletiva ao longo dos últimos 40 anos. Quando ele partir, também partirá sua presença pessoal unificadora, e o caos pode se seguir. Os palestinos sabem e temem que Israel também.
Porque se a Autoridade Palestina despencar em um vácuo entre os leais da OLP e Fatah, entre a velha guarda de Túnis e os sangue-novos que abriram seu caminho entre as fileiras, o pragmatismo terminará, e com ele, todas as esperanças de paz.
Tal anarquia pareceria inevitável. Como chefe do Shin Bet [serviço secreto de segurança] eu ficava impressionado com o grau de influência que as forças locais da polícia palestina tinham sobre as decisões políticas. Ficou então claro que este poder político era simplesmente uma função dos arsenais que a política acumulava, em antecipação a uma luta interna palestina na era pós-Arafat. Esta é a profundidade do temor nas ruas palestinas.
E este medo move os extremistas islâmicos, com seu dogma de destruição. O Hamas, que tem penetrado nos corações palestinos nos últimos quatro anos de sangue, está ansioso para preencher o vácuo deixado após Arafat. A não ser que Israel queira se encontrar flanqueado por terras do Hamas, deve agir agora. Depende de nós dar força aos pragmáticos palestinos, criando uma nova dinâmica regional em torno da qual eles possam se agrupar.
Israel precisa restaurar um otimismo diplomático realista dentro do discurso palestino. Os palestinos precisam de um quadro para um acordo definitivo de paz que seja tão aceitável para eles como para a população israelense.
A declaração de princípios que redigi com o professor Sari Nusseibeh, meu parceiro na iniciativa “A Voz dos Povos“, é um exemplo. O fato de ela ter recebido 400.000 assinaturas (150.000 palestinas e 250.000 israelenses) mostra que ambos os lados estão dispostos para um compromisso.
Se posta na mesa pelo nosso governo em Jerusalém, tal proposta iria melhorar infinitamente a posição dos moderados palestinos em sua luta pela sucessão, para não mencionar as relações israelenses-palestinas contra o pano de fundo do “plano de desligamento” e as relações de Israel com a comunidade internacional.
Do lado palestino, um claro e compromissado plano de coexistência forçaria todos que aspiram a sucessão de Arafat a tomar uma posição. Aqui prevaleceriam os moderados, enquanto a plataforma de vingança e violência dos extremistas ficaria ofuscada pela visão de um Estado Palestino respeitável.
O primeiro-ministro Ariel Sharon deve deixar claro que reconhece o direito palestino a um Estado, e que irá negociar com qualquer sucessor de Arafat que mostre igual reconhecimento de Israel. Isto iria isolar ainda mais aqueles extremistas palestinos que reforçam em seus compatriotas a convicção de que Sharon sempre irá preferir tanques e tropas a conversações.
A morte de Arafat porá fim à imagem de intransigência palestina cimentada em Camp David em 2000. Daí, as negociações de paz deverão se reiniciar a partir de onde estavam, com a reconciliação tomando o lugar da recriminação.
Para este fim, o plano de desligamento de Sharon deve se tornar o primeiro passo de um novo processo diplomático. Certamente, o desligamento deve ser realizado independentemente de evoluções no lado palestino. Mas não deve ser tão unilateral que impeça sua coordenação com uma futura liderança palestina moderada.
Se Israel e os palestinos encontrarem um terreno comum, o desligamento poderá conduzir à coexistência, assim neutralizando as opiniões de detratores de Sharon de que as retiradas planejadas da Faixa de Gaza e da Cisjordânia apenas eternalizam o conflito. E uma vez que a oposição política israelense seja acalmada, a comunidade internacional também o fará. Ao oferecer aos palestinos um espírito de reaproximação após Arafat, Israel ganhará aplausos muito necessários de Washington, Londres, Bruxelas, etc,, Em troca, o mundo irá apoiar o desligamento e oferecer garantias ao processo de paz que selarão o lugar dos palestinos pragmáticos na condução de seu povo.
A morte de Arafat pode trazer coisas boas, mas Israel não ganhará nada abandonando os palestinos a uma luta sangrenta. Esta é uma oportunidade real para ajudar a forjar uma futura e vizinha Palestina, assim salvando o sonho sionista de uma pátria judaica e democrática.
Ami Ayalon é co-promotor da iniciativa de paz israelense-palestina “A Voz dos Povos”, cujo texto em português pode ser encontrado em www.pazagora.org
[ publicado no Haaretz e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]