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Arafat e o processo de paz – entrevista de Shimon Peres
– O que significa a morte de Yasser Arafat?
Shimon Peres – É o fim de uma era no Médio Oriente. Desde os anos ’60, Arafat foi o ícone da luta pelo Estado Palestino. Foi o homem que globalizou a causa de seu povo até convertê-la numa missão inquestionável para o mundo islâmico e um dilema ineludível para o Ocidente. Para os palestinos, Arafat foi o líder que os encaminhou em direção à paz – em Oslo – mas também os precipitou rumo à violência – em Camp David -. Quis ser o “pai da nação”. Para isso, concentrou o poder, se ocupou de não permitir desafios internos, de anular seus sucessores e apossou-se das chaves da negociação sobre o futuro dos territórios. Morto Arafat, a mudança é inevitável. Assim como incerta e perigosa.
– Em que etapa está o processo de paz?
SP – Inexiste desde junho de 2003, logo após um atentado do Hamas boicotar o “road map”, o plano de paz dos Estadps Unidos. Ariel Sharon se negou a renovar as negociações com o argumento de que Arafat não era um interlocutor disposto a lutar pela paz. Então, enquanto o muro de segurança avançava sobre a Cisjordânia, lançou seu polêmico plano de retirada de Gaza e anunciou que aí terminavam suas tentativas de assegurar autonomia aos palestinos. E Arafat ignorou os chamados internacionais a deter a ofensiva terrorista. E a violência se instalou, sem saída, na região.
– Então, em que posição estão agora os governos israelense e palestino?
SP – Sem Arafat, Sharon enfrenta o desafio de demonstrar ao mundo que seu argumento era mais do que uma simples desculpa para deter o processo de paz e evitar fazer concessões impopulares. Os desafios para a nova cúpula palestina são maiores. Terá que encher o vazio de poder deixado por Arafat e buscar a maneira de melhorar as deterioradas condições de vida dos palestinos para ganhar respaldo e contrabalançar a crescente influência militar e política do Hamas e da Jihad Islâmica. Uma das poucas opções para isso é retomar o processo de paz.
– Quer dizer que a morte de Arafat é uma oportunidade para a paz?
SP – É incerto. Para que a desaparição do líder palestino seja uma garantia de reconciliação, uns e outros deverão fazer concessões perigosas e dolorosas .
– Que concessões?
SP – Por um lado, Israel, ainda sob ameaça de mais atentados, teria que limitar suas operações militares para não alimentar as ofensivas e a retórica dos grupos terroristas. Sharon deu sinais ontem neste sentido ao dizer que a região está no umbral de “uma mudança histórica”. Isto daria à Autoridade Palestina margem para organizar eleições o quanto antes, de maneira a reforçar sua legitimidade. Por sua vez, a cúpula deveria comprometer-se a frear o Hamas, condição de que Sharon não abrirá mão. Mas se o fizer, se arrisca a provocar a ira dessas organizações. Assim, o Oriente Médio se encontra numa encruzilhada em que o fantasma de uma desestabilizadora guerra civil palestina é tão palpável quanto a esperança de reviver o processo de paz.
– O que pode determinar que ocorra uma ou outra opção?
SP – A pressão dos Estados Unidos será crucial. Washington é também o governo com mais possibilidades de ser escutado por Sharon. Com sua reeleição assegurada, Bush está numa posição única para exercer esta influência e destravar um processo que poderia por fim ao conflito, que a Al-Qaeda usa como desculpa para justificar sua violência.
Shimon Peres foi primeiro-ministro e ministro de Relações Exteriores de Israel. Em 1994 recebeu o Prêmio Nobel da Paz, junto a Yasser Arafat e Yitzhak Rabin.
[ publicado no La Nación em 12/11/2004 e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]