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10 anos de paz com a Jordânia – uma opinião israelense
Continuo voltando à Jordânia, apesar de saber que não sou bem-vindo em muitos lugares. Volto a despeito de quase ter sido baleado por um raivoso policial jordaniano na passagem da Ponte Allenby em maio passado.
Apesar da necessidade de manter o anonimato usando um passaporte não-israelense e de dizer aos motoristas de táxi de Aman que sou “canadense”. Apesar de minha mulher me pedir para ficar em casa em Tel Aviv.
A razão é não apenas porque a Jordânia se tornou um centro para encontros dedicados a temas estratégicos regionais, aos quais acho que devo comparecer. Venho porque, após 10 anos da paz Jordânia-Israel e não poucas guerras na vizinhança, acredito ser vital manter a ligação entre os dois países.
Muito antes de 1994, quando o tratado de Wadi Araba foi assinado, era claro que Jordânia e Israel partilhavam interesses estratégicos como poucos países na região. Eles não têm disputas sobre territórios. Cobrem um ao outro de rivais e inimigos regionais. Estão ambos preocupados com o efeito-transbordamento do nacionalismo palestino, e ambos – ou pelo menos as principais correntes de estrategistas dos dois países – acreditam na necessidade dos dois de envolver um Estado Palestino como a maneira melhor e mais estável de canalizar essa ameaça para uma solução justa e construtiva.
Aqueles israelenses que por 50 anos têm defendido que a Jordânia é um Estado temporário, artificial e fraco, cujo território seria melhor utilizado para acomodar a soberania palestina, tiveram repetidas provas de que não apenas estavam errados, mas de ignorarem os verdadeiros interesses estratégicos de Israel.
A relação estratégica Jordânia-Israel resistiu ao teste de duas guerras no Iraque. O tratado de paz Jordânia-Israel é um modelo para a região. A fronteira Jordânia-Israel não necessita de uma força de monitoramento internacional, nem de observadores da ONU.
Que estas verdades sejam hoje auto-evidentes é a maior conquista de dez anos de paz. Mas há também duas falhas estratégicas. A menor é econômica. A maior é política, e se relaciona ao tema palestino.
O ponto fraco econômico trata da expectativa na Jordânia, após a assinatura do tratado de paz, de um retorno significativo e imediato na forma de comércio e cooperação com Israel e prêmios financeiros dos Estados Unidos. Sem dúvida, estas esperanças eram exageradas, embora Israel tenha ajudado a cultivá-las. Recorde-se de todos os impressionantes projetos de cooperação em infra-estrutura – canais, redes de eletricidade, ferrovias, etc.. – acenados por Israel em conferências em Casablanca e Amã pouco após a paz. Todos incluíam a Jordânia, nenhum foi realizado. Mas, enquanto isso, as QIZ (Qualified Industrial Zones), criadas em cooperação com Israel e os E.U. em território jordaniano, começaram a sair do chão, e o comércio bilateral está disparando, alimentando a carteira de exportações jordaniana. A Jordânia também se beneficiou de ajuda dos E.U. e anistias de débitos que jamais teriam sido possíveis sem a paz com Israel. Ainda temos problemas de infra-estrutura e gargalos no comércio, mas parece que finalmente estamos no caminho certo.
Voltando ao tema palestino, os jordanianos mostra um generalizado desapontamento. Na percepção jordaniana, a paz foi firmada na hipótese de que Israel e a OLP iriam de fato levar o processo de Oslo a bom termo, na forma de um acordo de paz israelense-palestino e um Estado Palestino viável, assim permitindo ao Reinado Hashemita racionalizar o status de sua grande população palestina.
O Rei Abdullah e o Ministro do Exterior Marwan Muasher se esforçaram muito para enfatizar a Israel a importância da solução de um Estado Palestino para a saúde futura da Jordânia e para as relações jordaniano-israelenses. Tudo que transpira entre a OLP/AP e Israel a nível político – roadmap, desligamento, abordagem do governo Sharon aos reformistas palestinos como o ex-primeiro ministro Mahmoud Abbas (Abu Mazen) – é visto por Amã através deste filtro. Assim, a Jordânia tem levantado nos últimos anos pesadas críticas a Israel (e às vezes também a Arafat e à AP), e tem feito esforços diplomáticos em temas como a decisão da Corte Internacional de Justiça sobre o muro, assim criando consideráveis tensões com Israel.
As tensões sobre o tema palestino também foram exacerbadas por alguns êrros crassos israelenses, como uma tentativa abortada em Amã de matar o líder do Hamas Khalid Mishaal e a recente recusa por Ariel Sharon de libertar prisioneiros jordanianos, ao mesmo tempo em que cedia a demandas do Hizbollah libertando todo um grupo de prisioneiros em troca de um único criminoso israelense preso no Líbano. Mas a Jordânia também manteve políticas antagônicas a Israel. Por muito tempo tolerou a presença de líderes do Hamas enquanto seus terroristas suicidas operavam em Israel.
Porta-vozes jordanianos nunca procuraram explicar aos israelenses seu temor de que a ausência de um Estado Palestino poderia acabar inundando seu país com massas de refugiados palestinos adicionais – um ponto-chave na base das críticas de Amã à política israelense.
Um governo israelense mais moderado pode ainda não ser capaz de alcançar um acordo aceitável para os desejos de Yasser Arafat. Mas mesmo assumindo que Israel tenha tentado forçar os palestinos a sair, o Reinado Hashemita controla bem suas fronteiras e permite a poucos preciosos Cisjordanianos entrar. Os temores da Jordânia parecem para Israel trair uma falta de confiança nacional que contrasta com a evidente robustez e estabilidade do Reinado. Ainda assim, esses temores são reais, particularmente quando o atual primeiro-ministro de Israel tão obviamente se opõe à emergência de um Estado Palestino viável.
Se Israel pudesse demonstrar à Jordânia que o problema palestino está a caminho de uma solução – para o benefício de todos os três povos – suas relações com a Jordânia poderiam servir, de verdade, como um modelo para o resto do mundo árabe. A Jordânia poderia ajudar sendo ainda mais firme com Arafat, e mostrando maior compreensão pela reação irada de Israel a atentados terroristas palestinos dirigidos à nossa população civil.
Mais importante, e não importa o que aconteça: não devemos deixar de nos visitar. Fazer o contrário é entregar os pontos a todas as forças inimigas da paz.
Yossi Alpher é co-editor da bitterlemons.org, bitterlemons-international.org. Foi diretor do Jaffee Center for Strategic Studies e assessor do ex-primeiro ministro israelense Ehud Barak.
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