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No ultimo sábado, Dror Sternschuss, da Iniciativa de Genebra se dirigiu a um grupo de 20 israelenses de fala russa num hotel perto de Jerusalém, e perguntou-lhes algumas questões bem diretas: ” O que você faria se estivesse dirigindo a campanha da Iniciativa de Genebra? É possível levar nossa mensagem à comunidade russa, ou os imigrantes russos são tão direitistas que é uma causa perdida? ”
A audiência, a maioria membros do partido Avodá e do Uma Nação, ativo em organizações de imigrantes, aceitou esportivamente o desafio. “Se você explicar que esta é a única maneira de conseguir uma vida normal, e traçar uma ligação entre a proposta de Genebra e a melhoria das escolas e da economia, poderá chegar a algum lugar”, disseram alguns deles.
“Não martele no tema demográfico”, aconselhou Alexander, de Yokneam: “ele soa muito como discriminação racial. Se você jogar bem suas cartas, poderá trazer os imigrantes russos para o lado de Genebra. Mas não me tente convencer”. Mais tarde Alexander se descreveu como um homem de extrema-direita – “praticamente um Kahane” – e apoiador de Avigdor Lieberman. Mas também apóia a retirada de Gaza.
Confuso? Com boa razão. Agora que o plano de Sharon foi empurrado no Knesset e que o país está encarando um referendo nacional, eleições antecipadas ou uma contínua batalha pela opinião pública, o sistema político, parlamentar ou não, todos estão olhando para o milhão de imigrantes russos .
Se as opiniões sobre o desligamento cortam a sociedade israelense de uma maneira que não se enquadra nos padrões políticos de direita e esquerda, a situação na comunidade russa é ainda mais confusa.
Mais de 60% dos judeus russos de Israel apóiam o desligamento (conforme pesquisa do Dr. Eliezer Feldman do Instituto Mutagim), mas muitos deles não entendem realmente os temas envolvidos. Feldman, especialista em pesquisas de opinião de russos, que imigrou ele mesmo há poucos anos para Israel, diz que a razão mais surpreendente que ouviu para apoiar a iniciativa é que após o desligamento “não haverá tantos árabes em Israel”.
Operando na divisa entre um apoio numérico maciço e a falta de entendimento, vários partidos e movimentos estão trabalhando para mobilizar o apoio dos russos para uma agenda política futura. Desta vez a batalha está mais complicada. Alguns dos líderes da comunidade de imigrantes, como Avigdor Lieberman, Natan Sharansky, Yuri Stern (União Nacional) e Yuli Edelstein (Likud) , são ferrenhos opositores do plano de desligamento.
Ao mesmo tempo, cinco outros representantes parlamentares da comunidade, Roman Bronfman, Marina Solodkin (Likud), Victor Brailovsky e Yigal Yasinov (Shinui), além de Michael Nudelman (União Nacional), o apóiam.
As mudanças que ocorrem nessa comunidade, porém, não estão limitadas ao equilíbrio de poder no parlamento. Hoje, 15 anos após o dilúvio imigratório da Rússia, este imenso setor populacional atingiu uma certa maturidade política e uma maior consciência das complexidades. Algumas vezes os imigrantes tem os mesmos anseios que a população em geral, mas em outras vezes suas preocupações são especificamente russas.
Dispostos a ouvir
Seu posicionamento sobre a Iniciativa de Genebra ilustra claramente a diferença. Os israelenses também perguntam se “pessoas que não representam ninguém” têm o direito de levar adiante uma iniciativa de tão longo alcance. Para os russos, este é um tema crítico, que tem menos a ver com a legitimidade da Iniciativa do que com a pecha de ser conduzida por gente “não oficial”. A questão surgiu no encontro com Sternschuss, e foi levantado em outro encontro com israelenses de língua russa organizado há alguns meses pelos ativistas da Iniciativa de Genebra.
A preocupação dos russos com a material é claramente cultural. Na sociedade israelense, as pessoas constroem novas carreiras baseados em terem sido “alguém”. Num país onde generais aposentados são procurados por partidos políticos pelo resto de suas vidas, esse status de “ex” é um patrimônio.
Na sociedade soviética, o status de “ex” era virtualmente inexistente. Aqueles bem colocados ficavam no topo até a morte. Apenas tornavam-se “ex” quando algum novo regime viesse e os colocasse para fora, privando-os de qualquer influência.
Diálogos e seminários do tipo patrocinado pela Fundação Adenauer em Shoresh são parte dos preparativos que estão sendo feitos pela Iniciativa de Genebra antes de lançar uma campanha para a comunidade de imigrantes russos. Eles também encomendaram uma pesquisa abrangente ao Dr. Avinoam Brug do Market Watch.
Não se pode dizer que os russos em Israel estão agora abraçando calorosamente a Iniciativa. Mas há uma certa disposição para ouvir. De fato, a disposição sempre esteve ali, mas a esquerda nunca a capitalizou. Mortalmente feridos por não ter tido o apoio dos formadores de opinião russos, o Avodá e o Yahad praticamente pararam de falar a esse segmento (exceto Bronfman).
Mesmo hoje, não são esses partidos que estão chegado, mas um órgão extra-parlamentar como a Iniciativa de Genebra, que está mirando o grupo jovem, de 16 a 45 anos, considerado mais receptivo. Brug diz ter encontrado uma grande ignorância entre esses jovens russos da periferia. “Eles não entendem sempre as diferenças entre direita e esquerda”, diz ele. “Eles se auto-classificam como de ultra-direita, mas mostram opiniões que mais se enquadram na esquerda.
Pesquisa
Dizem coisas como “Existe direita e esquerda, mas isso é tudo que sei”, ou “Trabalhistas? Não me agradam. Acho que são direitistas”. A melhor nova na campanha da Iniciativa de Genebra é que os participantes mais informados desses encontros, especialmente na região de Tel Aviv, concordam que o desligamento (que apóiam) é uma solução temporária. Pertençam à esquerda ou à direita, reconhecem o fato de que, no longo prazo, Israel deve chegar a um acordo com os palestinos pelo diálogo. Ouve-se com freqüência declarações como “O desligamento é muito bom para a segurança, mas para o longo prazo outros passos devem ser tomados”. Tais dados são apoiados por uma pesquisa feita na semana passada.
Ao responder à questão: “O que deve fazer Israel hoje para terminar o conflito israelense-palestino?”, 1/3 dos respondentes disse que Israel deve agir unilateralmente e ¼ que Israel deve negociar com os palestinos com o objetivo de assinar um acordo permanente.
Mas quando essas pessoas foram perguntadas se uma retirada unilateral de Gaza aumentaria ou diminuiria a possibilidade de chegar a um acordo, 38% disse que aumentaria e 41% que diminuiria a possibilidade.
Também surpreendente foi o grau de apoio a um Estado Palestino. Este apoio foi baseado não tanto no reconhecimento de que os palestinos têm direito a seu próprio Estado, mas no desejo de viver separado deles. Houve uma grande empatia pelo sofrimento dos palestinos, que foi percebido por muitos como um motivo para o terror. Claramente, é mais fácil ter este tipo de simpatia quando também se têm dificuldades financeiras. Por outro lado, a questão econômica foi muitas vezes citada como razão para apoiar o desligamento e um futuro acordo com os palestinos, de forma a liberar verbas para educação e bem-estar.
Lieberman
A questão econômica também surgiu nos encontros para imigrantes russos organizados recentemente pelo pessoal de Avigdor Lieberman (extrema-direita) para discutir o que deveria ser feito após a votação do desligamento. Lieberman, ciente do amplo apoio ao desligamento, está tentando tomar o tema por outro ângulo.
Nesses fóruns, os imigrantes ouviam sobre os altos custos econômicos do desligamento. Esta explicação, dizem seus organizadores, não é menos eficaz em mudar suas cabeças do que a idéia de que os colonos estão fazendo um sacrifício que os russos, como recém-chegados, não têm condições de fazer. É claro que esses dois argumentos irão tornar-se parte da campanha de Lieberman nos próximos dias.
Os ativistas de Genebra irão claramente aproveitar o reconhecimento pelos imigrantes russos de que é necessário um acordo permanente, e tentarão promover sua agenda. “Se a Iniciativa de Genebra foi a pedra de toque para o plano de desligamento de Sharon, agora é o momento do próximo passo”.
Nós combinaremos o plano de desligamento com a Iniciativa de Genebra e avançaremos para um acordo”, diz Gadi Baltiansky, diretor-geral da ala israelense da Iniciativa. “Para cortejar os russos, temos uma vantagem. Não somos um partido e não queremos nada deles, exceto um entendimento ideológico.
Se a idéia é organizar uma massa crítica em favor da Iniciativa de Genebra, os russos podem fazer toda a diferença. Membros da geração mais jovem estão próximos do pensamento do Acordo de Genebra, mesmo que não o admitam politicamente”.
O obstáculo que aguarda adiante, porém, pode ter menos a ver com ideologia do que com as pessoas associadas a ela. Quando os israelenses de fala russa foram pesquisados sobre os princípios da Iniciativa de Genebra, 37 % disse apoiar esses princípios, e 9% estavam indecisos. Mas no momento em que os nomes de Yossi Beilin e Yasser Abed Rabbo eram trazidos, a apoio caiu a 17%. Na verdade, a própria pesquisa foi problemática pelo fato de que muitos dos entrevistados se recusaram a responder.
Então, 15 anos atrasada, a esquerda não partidária decidiu se dirigir aos imigrantes russos. A campanha da Iniciativa de Genebra, que já tem uma mulher russa na direção, irá levar sua agenda a sites em russo na Internet e organizar seminários para jovens.
Brug, que pessoalmente dirigiu encontros de diálogo, está impressionado com a forma em que os russos elaboram seus argumentos e traçou uma conexão com coisas que eles já sabem: “Eles são mais coerentes, e têm um universo mais rico de associações literárias e históricas do que certos grupos de israelenses que encontrei”, disse.
Num país onde não existe uma narrativa de consenso, a esquerda permitiu que a direita apresentasse os fatos que os imigrantes russos usaram para construir um retrato do passado – e a partir dos quais eles agora estão construindo uma imagem do futuro. Agora que Knesset votou em favor do desligamento, a esquerda está se virando para desfazer o erro.
Um ano e meio após demonstrar sua força eleitoral nas pesquisas, o milhão de israelenses de fala russa tornou-se novamente um ator de primeira grandeza no que deverá acontecer no Israel pós-desligamento.
[ publicado no Haaretz em 29/10/2004 e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]
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