Um homem de Intelecto e de paixão
[ fonte: Haaretz – 15/09/2004- traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]
Yeshayahu Leibowitz, 1903-1994
O 10º aniversário da morte do Prof. Yeshayahu Leibowitz’ foi marcado silenciosamente, com um serviço religioso em família e a projeção do documentário de Eyal Sivan “Yitgaber” mostrando uma entrevista de 3 horas com Leibowitz, na Cinemateca de Tel Aviv. Mas este homem que foi a fonte de tanta controvérsia durante sua vida ainda gera muita agitação desde seu túmulo. Os indivíduos que participaram do painel a seguir não falaram entre si, mas seus comentários formam um tipo de diálogo vivo. Aqueles que estudaram com ele, discutiram com ele, que lhe escreveram cartas e o visitaram em sua casa, pintam um rico retrato de um filósofo que não hesitava em insultar seus oponentes, mas respondia calidamente a qualquer um que lhe perguntasse algo. Quase todos eles lembram não apenas de seu intelecto, mas também de sua paixão. Estava pronto para explicitar suas opiniões em qualquer lugar, diante de qualquer audiência, e aquelas opiniões reverberam até hoje.
Yeshayahu Leibowitz nasceu em 1903 em Riga, Látvia. De 1919 a 1924, estudou química e filosofia na Universidade de Berlim, tendo se doutorado em filosofia. Recebeu seu diploma de médico na Universidade da Basiléia em 1964. Em 1935, emigrou para a Palestina onde após um ano ingressou na Universidade Hebraica de Jerusalém, onde foi nomeado professor de química em 1941.
Durante a Guerra de Independência de Israel (1948), participou da defesa de Jerusalém, tendo sido comandante de batalhão na Cidade Velha. Foi também ativo politicamente desde os primeiros dias do Estado, no agrupamento “Trabalhadores Religiosos” (Haoved Hadati) da federação sindical Histadrut.
Em 1952, Leibowitz foi nomeado professor de química orgânica e neurologia. Editou a “Enclopédia Hebraica” e publicou vários livros sobre temas científicos. Leibowitz também escreveu livros sobre judaísmo e filosofia, e dedico muito tempo ao estudo da obra de Maimônides.
Aposentou-se oficialmente em 1970, mas continuou a ensinar filosofia e história da ciência. Em 1993, sua indicação para receber o Prêmio Israel levantou protestos, incluindo um anúncio do primeiro-ministro Yitzhak Rabin, dizendo que não iria participar da cerimônia de premiação caso Leibowitz fosse homenageado.
Yeshayahu Leibowitz faleceu em 18 de agosto de 1994.
Ele me chamava ‘Jezebel’
[ Shulamit Aloni ]
Durante todos meus muitos anos de trabalho público, houve dois incidentes nos quais sucumbi à brutal pressão de histeria patriótica que era errada e desnecessária, mas impressionante.
Um desses incidentes envolveu a revolta no governo Avodá/Meretz e de grande parte do Knesset contra a concessão do Prêmio Israel ao Prof. Yeshayahu Leibowitz por sua vida de realizações. A campanha movida contra Leibowitz incluía selvagens acusações de jornalistas e outras disseminações virulentas. Eu então era a ministra do gabinete responsável pela premiação.
Eu sabia que não poderia me renter a essas cruas difamações e que não deveria retroceder de uma decisão unânime tomada por um comitê eleito, mas acabei cedendo e ainda sinto vergonha por isso.
Eu não deveria ter sucumbido, apesar da firme posição tomada pelo então primeiro-ministro Yitzhak Rabin, que publicamente anunciou que não iria assistir à cerimônia de premiação se a decisão de conceder o prêmio “àquele homem” não fosse mudada. Como alguém que conhecera Rabin pessoalmente por muitos anos, eu deveria ter ido a ele pessoalmente para persuadi-lo a agir diferentemente.
O que aconteceu foi que antes que eu tivesse tentado vencer as ondas de raiva e ódio, o próprio Leibowitz informou-me, através de seu amigo e aluno Prof. Avi Ravitzky, que ele iria se afastar de todo esse caso, para não causar embaraço a Rabin. Eu fiquei envergonhada e então me certifiquei de que o álbum de premiados listaria os indicados que recusaram receber o prêmio., incluindo David Ben-Gurion e Yeshayahu Leibowitz. Infelizmente, os ministros que me sucederam não honraram este costume.
Leibowitz costumava dizer que só o corpo de uma pessoa morre, mas a pessoa continua a existir. É uma pena que ela não estivesse tão certo nesse ponto, porque se ele ainda estivesse vivo entre nós, sua voz iria soar muito alto e ressoaria em muito mais pessoas à luz do doloroso fato de que o que ele dizia realmente tornou-se realidade: que nossa democracia está definhando, que o poder do exército , do serviço secreto e do Sr. Yehiel Horev, chefe da segurança do Ministério da Defesa é mais forte do que o Parlamento.
Ouvi Leibowitz pela primeira vez ainda antes de Israel se tornar um Estado. Foi em 1945, quanto eu estava na 11ª série no Colégio de Beit Hakerem em Jerusalém. Foi uma palestra festiva de 6ª feira para os alunos das séries superiores, realizada no salão de concêrtos e conferências. Atrás do palco havia uma grande lousa que oferecia ao palestrande um grande espaço para ilustrar seus comentários. Ele fez uma palestra, tanto apaixonada como bem organizada, sobre a importância e o significado das ciências naturais, sobre novas pesquisas que estavam descobrindo os segredos do universo e da vida, e sobre novos caminhos para pesquisa. Era uma palestra de um cientista: clara, intrigante, que inspirava uma paixão pelo conhecimento.
Mas quando ele terminou a apresentasão, pegou o apagador e rapidamente apagou tudo que tinha escrito na lousa, e declarou que tudo era sem sentido e que ela jamais seria capaz de aprender o segredo da Criação. Tudo é o trabalho de Deus, disse, e nós nunca seríamos capazes de compreender os caminhos de Deus.
Fêz-se silêncio no salão. Mas então seguiu-se uma explicação. Tudo que uma pessoa faz e tudo que a ciência revela por ser comparada ao trabalho de construtores. Eles sabem como preparar tijolos, como asenta-los e como construir uma casa. Mas eles não conhecem o projeto ou o objetivo, nem entendem as razões para eles.
O mesmo ocorre conosco, explicou. À medida que estudamos e fazemos pesquisas, jamais entenderemos a fonte da sabedoria e do entendimento (Todos estudávamos o Livro de Jó e os belos capítulos onde Deus lhe responde e aponta a incapacidade humana de entender o mito e o segredo da Criação). O jeito em que Leibowitz terminou sua palestra foi surpreendente e um tanto estranho. Não tenho o texto da palestra, mas ainda posso vê-lo claramente no salão e ouvir sua voz.
Suas palavras capturaram meu interesse. Comecei a ler os artigos que ele publicaba nos folhetos da sinagoga Yeshurun de Jerusalém e fui a vários lugares ouvir suas palestras. Acompanhei suas discussões com e contra Ben-Gurion, e finalmente tornei-me sua seguidora e, ocasionalmente sua debatedora em palestras conjuntas. Até a Guerra dos Seis Dias, a maior parte das discussões tratavam das relações entre religião e Estado, coerção religiosa e a necessidade de casamentos civis de forma a equalizar o status das mulheres com o dos homens. Ele frequentemente ventilava comigo sua raiva de Ben-Gurion, o partido dominante Mapai e a hipocrisia de sua aliança com o Grão-Rabinato. Ele dizia que o Estado era a amante dos rabinos, e falava de uma aliança entre a descrente Shulamit Aloni, e hipocrisia do Partido Nacional Religioso e o ratinato. EEle até mesmo teve a dúbia distinção de chamar-me de “Jezebel,” ainda antes de ter concedido esta “honraria” para Golda Meir.
Leibowitz falava contra as concessões feitas em nome da “unidade nacional”. Quando a Lei da Corte Rabínica (governando casamentos e divórcios, e estado civil em geral) foi promulgada, quando depois Golda Meir transformou a Lei do Retorno numa lei religiosa que agora separa mães e filhos e demanda que milhares de cidadãos se submetam a conversão (envolvendo assumir um novo nome, cortando laços com o passado e adotando um estilo de vida religioso), quando Meir, junto com Yaakov Shimshon Shapira (o ministro da justiça conhecido por sua linhagem rabínica) e os ateus do Partido Ahdut Ha’avoda (União do Trabalho) rejeitaram a recomendação da Suprema Corte de deletar os ítens “religião” e “nacionalidade” do Registro da População, e listar apenas “cidadania”, e quanto eles determinaram que a definição ortodoxa de judeu deveria ser aplicada com respeito à Lei do Retorno. Em todos esses casos, Leibowitz refutou seus argumentos, e ele até me permitiu citá-lo em meu livro “The Arrangement: From a State of Law to a State of Halakha” [A Transformação de um Estado da Lei por um Estado da Lei Religiosa Judaica], publicado em 1970.
“O argumento de que o reconhecimento pelo Estado de casamentos civis iria dividir o povo judeu em dois grupos que não poderiam se casar entre si é fundamentalmente falso. É falso que tal tipo de reconecimento iria minar a instituição do casamento. Aqueles que defendem esse argumento ignoram, conscientemente ou não, a realidade de cintenas de milhares de judeus religiosos nos países ocidentais, que vivem suas vidas pessoais em santidade de acordo com a Torá, sob jurisdição de leis de Estado que reconhecem (como na Inglaterra) e mesmo exigm (como durante a República alemã de Weimar) casamentos e divórcios civis. Um judeu observante pode continuar se casando sob uma chupá numa cerimônia judaica e se, lamentavelmente, um casal decidir se separar, podem similarmente faze-lo de acordo com as leis de Moisés e Israel.”
“Seria suficiente para aqueles que se rebelam contra a religião registrar seus ‘casamentos’ ou ‘divórcios’ numa repartição governamental sob um procedimento a ser estipulado na lei. Esses dois termos-chave aparecem aqui entre aspas porque por uma perspectiva religiosa, não existe nenhum casamento, mas apenas relações sexuais com uma mulher solteira. Portanto, o divórcio não é tampouco um tema aqui. Se nenhum casamento teve lugar, não há mamzerim [bastardos] e um filho nascido fora do casamento não é proibido de fazer parte da comunidade. Temos ainda de ver as instituições da Torá discutindo seriamente o sgnificado haláchido [pela lei religiosa judaica] dos casamentos civis. .. Isso iria reduzir o temor da mamzerut [condição de bastardo] ao mínimos e constituiria um grande avanço sobre a atual situação legal pertinente a casamento e divórcio, que produz um crescente número de mamzerim em Israel … Mas não se deve esperar que as instituições rabínicas discutam esse assunto objetivamente, porque elas tem seus próprios interesses nesse tema”, tais eral as palavras de Leibowitz.
Para enfatizar as limitações dos seres humanos, ele costumava citar o capítulo 28 do Livro de Jó: “Mas onde deve ser encontrada a sabedoria? E pmde está o lugar do entendimento? e citou a quase arrogante resposta de Deus: “Manter o temor ao Senhor, é a sabedoria, e afastar-se do mal é entendimento” – Eu pensava que ele estava brincando comigo ou achando que eu era estúpida. Mas fiquei triste de ouvi-lo declarar em uma de suas palestras, com toda seriedade, que a coisa mais importante era o que estava escrito no final da Kohelet (Eclesiastes): “O final do assunto: tudo foi ouvido. Tema Deus, e guarde seus mandamentos, porque este é todo o dever do homem”. Isto é muito fácil, muto simplístico para mim, salvo se estiver faldno de Deus nos termos de Spinoza. Mas ele estava falando sobre o Deus de Israel e a observância doe mandamentos como o serviço a Deus como se todos os esforços da mente humana para alcançar um entendimento da Criação do universo, que gente como nós acredita ser possível,. fossem nulos e inúteis,
Um dia, durante uma longa viagem para uma palestra, ele falou de si mesmo, e não no seu tom costumeiro: “Você tem de entender, sentir a maravilhosa experiência de ir à sinagoga todos os dias de madrugada ao alvorecer e recitar as orações matinais junto com um minián [quorum] de outros judeus, cada qual com sua própria profissão, seus próprio problemas e seu próprio mundo, mas ainda assim ficando juntos por anos e recitando as mesmas orações que foram pronunciadas aqui e ali e no passado”.
Com toda a sabedoria e conhecimento, a crença de Leibowitz em Deus está além da crítica e ele me lembra das palavras do poeta que escreveu os Salmos (73:22): “Tão tolo [era] eu, e ignorante eu era [quanto] uma besta diante dele”.
+ sobre Yeshayahu Leibowitz (em inglês)
Soaring alone in the heavens
There is one thing I regret: Having been the cause of his losing the Israel Prize.
Uri Avnery
Renaissance man
He was not a prophet. He was a smart man who could see what we couldn’t see. He had foresight that we didn’t have. But he taught us to read the words of the prophets differently.
Aviezer Ravitsky
The ideas linger on
I am neither an admirer of Yeshayahu Leibowitz nor one of his students. I grew up in the Mercaz Harav yeshiva world on the spiritual teachings of Rabbi Kook. His son and disciple, Rabbi Zvi Yehuda Kook, was my rabbi and teacher.
Yoel Bin Nun
‘Who told you I had a worldview?’
In the schools I attended, the name “Leibowitz” was mentioned only to refer to a religiously observant skeptic.
Shneor Enam
In the forefront of the camp
Ten years after Yeshayahu Leibowitz passed away, you often look around and discover that our human and social landscape has become more arid.
Michael Shashar
An exemplary model
I wrote to Leibowitz for the first time in the winter of 1990 about the body and soul. I was 19 years old and he was 87. In the letter, I disagreed with his dualism and argued that the soul does not exist.
Eli Linder
Liberator of the secular world
I only know a little of Yeshayahu Leibowitz’s teachings because I took only scant interest in them. What interested much more than his teachings was his impact on the secular public.
Menachem Furman
Strong as a lion
In the late 1970s, I attended a late-night debate between Israel Eldad and Yeshayahu Leibowitz. I was 17 then and actually came to hear Eldad. And that is how I came to learn who Leibowitz was.
Dubi Hayun