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Ninguém que esteja preocupado com a paz entre palestinos e israelenses pode ignorar o duplo atentado suicida de ontem em Beersheva, que matou pelo menos 16 pessoas. Por mais de um aspecto, este atentado tem um significado lúgubre e trágico para israelenses e palestinos, para além da brutalidade das lesões corporais e da angústia causadas por muitos dos atentados durante os longos anos dos acordos de Oslo e especialmente durante a “Intifada.”
Tem um significado é espiritual e social. Arun Gandhi, neto do grande santo da não-violência, veio à Palestina pregar a não-violência. Suas cuidadosamente orquestradas e bem divulgadas aparições excitaram pouco entusiasmo popular. Em contraste, o atentado foi um sucesso popular instantâneo. Cerca de 20.000 pessoas se congregaram em celebrações de alegria espontânea em Gaza.
Conforme um relato da Reuters:
“A vingança é tão doce”, disse um ativista do Hamas numa manifestação em Gaza. Festejando nas ruas da Faixa de Gaza após os atentados, milhares de apoiadores do Hamas jogavam doces para o alto e cantavam após o ataque que matou 16 pessoas e feriu 86, muitos comerciantes voltando de uma feira-livre.
O segundo significado deve informar nosso entendimento estratégico sobre a essência deste conflito e como ele deve ser terminado. Este tipo de demonstração bárbara é tão comum após tais atentados, que chega a não chamar mais atenção. Mas são notícias verdadeiras. O atentado, em si mesmo, é trabalho de um punhado de gente, mas o que é significativo é o apoio das massas. O punhado de organizadores pode ser facilmente vencido, as massas não. Para o apelo de Arun Gandhi pela não-violência, as massas palestinas responderam resolutamente: “Não!”.
O amor à violência tem caracterizado a cena política palestina pelo menos desde 1936. Qualquer grupo que deseje apoio político deve provar seu patriotismo e valor de liderança por atos de violência, e cada um de tais atos é certo de atrair a admiração das massas. Na nascente comunidade árabe-palestina, Haj Amin El Husseini ganhou liderança por causa de seus atos de violência contra a comunidade judia.
Em contraste, o terrorismo do Irgun e do Lehi (a “gang Stern”) rendeu o isolamento político dos israelenses da extrema-direita por quase um quarto de século.O massacre de Deir Yassin em 1948 é uma mancha na História do sionismo, mas não foi festejado por massas populares. A maior parte dos habitantes de Jerusalém ficou revoltada pela parada de prisioneiros inocentes exibida pelo Irgun e o Lehi. Eles não receberam o Irgun com aplausos e doces.
Não importa que, pelo menos uma parte da liderança palestina, tenha entendido que no presente a violência é contraproducente para os objetivos nacionais palestinos. Como sempre, eles condenaram a violência de uma forma perfunctória. Eles não ousariam tentar deter o Hamas e os outros extremistas que são a fonte da violência, porque isso significaria a queda certa da Autoridade Palestina.
Como na maioria de tais atentados, havia uma desculpa para mais estes dois. Essa desculpa esfarrapada permite a quem quiser que diga que os atentados foram parte do “ciclo da violência”. Foram supostamente uma “vingança” contra o assassinato dos líderes do Hamas, Yassin e Rantissi. Da mesma forma, as explosões de ônibus em 1996 foram supostamente “vingança” pela morte de Yihye Ayash, “o engenheiro”. É claro que as atividades de Ayash na fabricação de bombas devem ter sido uma vingança contra alguma outra coisa, ou talvez tivessem sido uma vingança contra coisa nenhuma.
O argumento do “ciclo de violência” é uma explicação deficiente. Há uns poucos dias, fomos ameaçados por uma exemplo espontâneo de violência. Um inocente caminhão de lixo israelense que havia sido consertado, acompanhado pelo carro do mecânico que o consertou, entrou por engano numa cidade palestina. Nenhuma mão organizadora, e nenhum motivo para vingança foram necessários. Os dois veículos foram cercados por uma turba raivosa, e os motoristas só escaparam com vida graças à ajuda de uns poucos palestinos e a interferência do exército israelense.
A tendência para a violência é um fato horrível e incontestável, e ninguém a pode ignorar, nem os israelenses, nem a liderança palestina e nem os americanos e europeus que querem mediar a paz entre palestinos e israelenses.
Um terceiro aspecto da significância deste atentado diz respeito à visão da situação tática de curto prazo da situação. Muitos analistas foram, por alguma razão, convencidos de que por não ter havido atentados por muitos meses, a Intifada tinha acabado. Cada um em Israel tirou suas próprias conclusões, de acordo com suas posições políticas. A direita acreditava que a política de Sharon estava dando certo, e que existe uma solução militar para o problema palestino. A esquerda, e muitos analistas políticos americanos, acreditava que estava havendo uma profunda mudança na Palestina, a violência tinha acabado e que era a hora de renovar negociações de paz.
Lamentavelmente, mesmo antes do atentado, a visão mais superficial da situação iria mostrar conclusivamente que a intifada não acabou. Em julho, Israel frustrou 17 ataques suicidas. A ausência de atentados não se devia a falta de tentativas. Israelenses que querem nos fazer acreditar que não existem palestinos, a não ser que eles explodam algo, devem entender que não é assim.
Quieto ou não, o problema palestino está ali e, até que ele seja resolvido, será causa de tragédias. Nós não podemos pretender que ele não exista, nós não podemos mura-lo para fora de nossas vidas.
A Autoridade Palestina, por sua parte, não deu nenhum passo para dominar os grupos terroristas. O Hamas e a Jihad Islâmica, financiados em parte pelo Irã através do Hizbolá, se apresentam com razões para executar esses atentados, que afirmam seu maior “patriotismo” e melhores credenciais em contraste com a Fatah, e que são planejados para lhes dar o controle da política palestina após a retirada israelense de Gaza. Agitações por reformas na Palestina foram logo cooptadas pelo aparentemente invencível Yasser Arafat e, de alguma maneira, a moderação frente a Israel nunca foi o tema dessas lutas internas palestinas. .
Não podemos esperar dizer que a Intifada realmente terminou, até que pelo menos um mês se passe sem nenhuma tentativa de ataque terrorista, mesmo que sem sucesso, e até que haja ao menos um aceno de todas facções palestinas em direção a um processo ordeiro de negociações e cessação de ataques contra civis. Mesmo então, teremos apenas o início de uma solução.
Enquanto a exaltação da violência não for banida da vida política e da sociedade palestina, qualquer processo de paz está fadado ao fracasso. A paz não pode ser fundada na indefinida continuação da ocupação, mas não pode tampouco ser fundada na glorificação da violência pela violência.
Não me dá nenhuma alegria escrever estas palavras, mas se nós realmente queremos paz, temos que entender a natureza dos obstáculos à paz, e então procurar formas de superá-los.
Não podemos ter paz enquanto atos sangrentos e bárbaros puderem motivar o festejo de multidões. Para ser mais preciso, a violência palestina não pode simplesmente ser respondida pela violência ou pela repressão israelense. A violência não pode ser transformada numa desculpa para perpetuar a ocupação.
A ocupação não causa a violência, que já existia antes dela, mas a ocupação é um caldo de cultura para multiplicar a violência, e a proximidade de palestinos e israelenses fornece a oportunidade para a violência.
De toda maneira, não podemos nos dar o luxo de ilusões e fantasias sobre a provável direção da política palestina e a magnitude do problema.
[ Ami Isseroff é editor do MidEast Web for Coexistence www.mideastweb.org – onde publicou este artigo – e do Peace MidEast Dialog. Group. – traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]
REPÚDIO AO TERROR
Os Amigos Brasileiros do PAZ AGORA lamentam, consternados, a perda de vidas humanas preciosas e insubstituíveis, e repudiam com veemência mais um ato injustificável de barbárie, que sacrificou hoje pessoas inocentes em Beer-Sheva, Israel.
Esperamos que este crime não dê origem a retaliações que ameacem civis, e nem justifique maiores retrocessos no processo de paz.
Esperamos, ainda, que os dirigentes da Autoridade Palestina cumpram seu compromisso de combater, sem concessões, as facções radicais terroristas.
Parafraseando o saudoso Itzhak Rabin Z”L, expressamos nossa esperança de que Israel combata o terrorismo com toda energia, como se não existisse processo de paz, mas que ao mesmo tempo persiga a paz e o entendimento, como se não houvesse terrorismo.
A forma mais eficaz de combater o terrorismo dos grupos radicais, é dando força aos setores moderados palestinos que desejam um diálogo e uma solução justa, baseada na co-existência entre dois Estados, Israel e Palestina.
Não sejamos reféns do terrorismo e da violência.
PAZ, vamos buscá-la AGORA.
Amigos Brasileiros do PAZ AGORA
São Paulo, 31|08|2004