O culto à morte

y746d – n14

Fomos forçados a testemunhar o massacre de inocentes. Em Nova York, Madri, Moscou, Tel Aviv, Bagdá e Bali, vimos milhares de pessoas destruídas em meio à sua rotina de vida diária.

Fomos forçados a suportar o massacre de crianças. Adolescentes na porta de uma discoteca israelense ou estudantes em Beslan, Rússia, vimos crianças selecionadas como alvos especiais.

Deveríamos já estar acostumados ao culto à morte que está crescendo nas margens do mundo muçulmano. Este é o culto de gente que se orgulha de declarar: “Vocês amam a vida, mas nós amamos a morte”. Este [e o culto que enviou ondas de crianças indefesas para os campos de batalha da guerra Irã-Iraque, que treina crianças em jardins de infância para se tornarem bombas, que fetichisa a morte, que manda infelizes cometerem assassinatos em massa.

Este culto se prende a uma causa política, mas de forma parasitária a estrangula. O culto à morte está estrangulando o sonho de um Estado palestino.

Os terroristas suicidas não trouxeram a paz para a Palestina, eles trazem represálias. Os carros-bomba não estão empurrando os E.U. para fora do Iraque, eles os estão forçando a ficar mais. O culto à morte está agora estrangulando a causa Tchetchena, e não lhe trará a independência, mas apenas sangue.

Mas esta é a idéia. Porque o culto à morte não se dá realmente pelas causas que se propõe a servir. Trata-se do macabro prazer de matar e morrer.

Trata-se de massacrar gente que está num estado despreocupado. Trata-se de experienciar a total liberdade do barbarismo – liberdade mesmo da natureza humana, que diz, Ame as crianças, Ame a vida. Trata-se da alegria do sadismo e do suicídio.

Beslan terror 2004Deveríamos já estar acostumados a esse movimento patológico de massas. Deveríamos ser capazes de falar de tais coisas. Mas quando se olha para a reação ocidental aos massacres de Beslan, vê-se gente ávida para desviar sua atenção do horror desse ato, como para dizer: “Não queremos cair nesse abismo. Não queremos tomar conhecimento dessa partes da natureza humana que foram expostas em Beslan.” Há algo aqui, se pensarmos mais profundamente, que mina as categorias que usamos para viver nossas vidas, mina nossa fé na essência boa dos seres humanos.

Três anos após o 11 de setembro, muita gente se tornou especialista em abrir os olhos. Ao se ler os editoriais e pronunciamentos públicos feitos em resposta a Beslan, percebe-se que eles ignoram os perpetradores daquele ato, e procuram alvos mais convencionais, mais facilmente compreensíveis, para sua revolta.

O editorial do Boston Globe, típico da resposta jornalística americana, fez duas breves referências à barbaridade dos terroristas, mas depois desviou rapidamente para longas passagens condenando Putin e vários erros da polícia russa.

O ministro do exterior holandês, Bernard Bot, falando em nome da União Européia, declarou: “Todos os países no mundo precisam trabalhar juntos para evitar tragédias como esta. Mas também gostaríamos de saber das autoridades russas como estava tragédia pôde acontecer”.

Não foi uma tragédia. Foi uma operação cuidadosamente planejada de assassinato em massa. E não foram as autoridades russas que encheram cestas de basketball com explosivos e atiraram pelas costas em crianças que tentavam fugir.

Não importa os horrores que os russos tenham perpetrado contra Tchetchenos. Não importa a inépcia em responder ao ataque, a natureza essencial desse ato estava no próprio ato. É o fato de uma equipe de seres humanos poder entrar numa escola, conviver com centenas de crianças por alguns dias, olhar nos olhos delas, ouvir seus choros, e então explodi-los.

Dissertações serão escritas sobre os eufemismos que a mídia usou para descrever esses assassinos. Eles foram chamados de “separatistas” e “tomadores de reféns”. Três anos após o 11 de setembro, muitos ainda são incapazes de falar desta maldade. Ainda tentam racionalizar o terror. O que move os terroristas a fazer isso? O que eles tentam conseguir?

Eles ainda são vítimas da fraude que Paul Berman diagnosticou após o 11 de setembro: “Foi a fé em que, no mundo moderno, mesmo os inimigos da razão não poderiam ser inimigos da razão. Mesmo o irracional deve ser, de alguma forma, razoável”.

Este culto à morte não tem razão e está além da negociação. É isto que o faz tão amedrontador. É isto que faz com que tantos mergulhem num tipo de desvio mental. Eles não querem enfrentar este terror. Aí correm a procura de coisas mais compreensíveis para odiar.


[  publicado no New York Times e traduzido pelo PAZ AGORA|BR  ]

Comentários estão fechados.