n95
“É uma pena que Israel continue sendo um país desconhecido entre vocês – afirma Amos Oz – porque a cultura judaica tem muitos genes espanhóis e a cultura espanhola conta com muitos genes judeus. Me parece trágico que o conhecimento se estabeleça através das manchetes dos periódicos sem que haja contato cultural nem diálogo entre nossas sociedades civis.
Meu livro não é um estudo sobre o Estado de Israel, tampouco um tratado de sociologia, mas uma saga familiar que percorre muitas gerações e que conta a experiência de um menino que chega a ser escritor. Espero que os leitores encontrem algumas chaves universais para compreender melhor quem somos os judeus, por que estamos em Israel e o que nos levou até lá.”
Amos Oz acaba de apresentar seu último livro e é uma das vozes mais escutadas no Ocidente quando se trata de analisar o drama do Médio Oriente.
– Antes da perseguição nazista e do Holocausto, havia judeus na Palestina? Que direito têm sobre a terra?
AO – Em Jerusalém existía uma maioría judaica já faz 200 anos. Muita gente desconhece que a metade dos judeus de Israel foi expulsa dos países de religião islâmica e que a outra metade, como minha familia, foi expulsa da Europa. Quando meu pai era jovem, havia pixações nas ruas européias que diziam: “Judeus, saiam para a Palestina!”, e agora, quase 60 anos depois, nas mesmas paredes se lêem outras (as mesmas) pixações que dizem “Judeus, saiam para a Palestina!”. Se não tivesse sido uma tragédia, diria ser engraçado.
– Outro aspecto desconhecido da sociedade israelense é sua grande diversidade. Há um judaísmo reformado e outro sem reformar. O reformado tem ultra-ortodoxos e o outro também; inclusive alguns nem sequer reconhecem o Estado porque não é mesiânico. Também há liberais e não praticantes…
AO – Na cultura judaica há algo muito óbvio: dois judeus nunca estão de acordo. Nem mesmo um judeu consegue estar de acordo consigo mesmo, porque temos a mente dividida e vivimos uma ambivalência extrema. Jamais tivemos um papa como o dos cristãos porque, se alguém se proclamasse sumo pontífice, o resto lhe diría: “Tú não me conheces e eu não te conheço, mas meu avô e o seu faziam negócios há muitos anos. Portanto, cala e me escuta, porque vou te contar o que Deus quer de nós”. É uma civilização argumentativa. Eu diria inclusive que um seminário de rua, Eu quis plasmar em “Uma história de amor e escuridão” esta grande diversidade e vivacidade da cultura judaica.
– Crê que os intelectuais europeus continuam difundindo os velhos tópicos da Guerra Fria, a propaganda anti-norteamericana, e não querem escutar as vozes que se levantam em Israel em favor da paz?
AO – Eu diria aos intelectuais europeus que deixassem de ver o mundo em preto ou branco, porque se continuarem nos vendo assim, não haverá nenhuma diferença entre eles e George Bush, exceto serem o outro lado da mesma moeda. Não há anjos nem demônios. Estamos em Israel porque não há nenhum país no mundo ao qual os judeus, como nação, possam chamar de Pátria.
E os palestinos estão na Palestina pela mesma razão e não têm país, o que também me parece una tragédia. Isto não é um filme do Oeste, com bons e maus.
O fato de não escutar os partidários da paz de Israel e também da Palestina – porque ali também existe um importante movimento em favor da paz – responde a que os europeus muitas vezes preferem as manchetes mais sensacionalistas. O derramamento de sangue, os tanques na rua, carros bombas que explodem, dão fotos mais interessantes que um congresso pela paz.
Por isso, quase ninguém se dá conta dos esforços que judeus e palestinos fazemos em Israel pela paz. Mas, hoje as pesquisas demonstram todas as semanas que a maioría dos israelenses e dos palestinos apoiamos uma solução intermediária. Esta maioria existe. Mas, neste momento, tanto os palestinos como os israelenses temos dirigentes que são um desastre. Mas as pessoas estão dispostas, mesmo assim, a chegar a uma solução.
– Qual sería?
AO – Dividir esta pequena casinha na qual nos cabe viver em dois apartamentos, um palestino e outro israelense, para coexistir como vizinhos civilizados.
– O Sr. viveu ainda criança, conta em seu livro, a fundação de Israel. O mandato da ONU era criar um Estado judeu e outro palestino, mas foram os árabes, e não os judeus, os que declararam a guerra, algo que na Europa ou não se sabe ou se esquece.
AO – Cinco países árabes invadiram o Estado de Israel apenas dez minutos depois de ter sido proclamado. Só dez minutos após a meia-noite do 15 de maio de 1948. Mas não vale a pena discutir quem é o agressor. O que sim importa é que os intelectuais israelenses e os palestinos nos ponhamos agora mesmo o avental branco de médico. O importante é, primeiro, estancar a hemorragia, e logo depois curar as feridas.
Meu livro tem uma importante veia meta-política porque trata desta tragédia familiar mas não põe a culpa em ninguém. Eu pertenço a uma tradição diferente da dos intelectuais europeus de que você fala.
Eles se erigem num alto tribunal que busca os supostos culpados, os julga e dita a sentença. Ao deitarem, estão satisfeitos por apoiar os anjos em sua luta contra o demônio. Eu só busco soluções para a crise com um espírito de compaixão e com certa compreensão de ambas posições, tentando alcançar um compromiso factível. Não uma solução paradisíaca que faça todo mundo feliz, porque não existe.
Um compromisso, porque ou há compromisso ou derramamento de sangue. E eu conheço compromissos: estou a 45 anos casado com a mesma mulher, portanto sei do que estou falando.
Os fanáticos, tanto da direita como da esquerda, me parecem pontos de exclamação ambulantes. Os que nos situamos no campo da paz levamos sempre a pior parte, porque explodir uma estação de trens em Madri é mais notícia na TV do que realizar um grande e trabalhoso congresso pela paz.
– Não é uma dificuldade adicional, que a sociedade palestina não seja democrática, como é a israelense por mais defeitos que tenha?
AO – Se fosse fácil, teríamos celebrado nossa lua de mel faz tempo. A sociedade palestina não tem uma tradição democrática, mas tem sim um núcleo de sociedade civil e tem um movimento cada vez mais forte em favor da paz. Ol movimento israelense pela paz tenta colaborar com seu equivalente palestino, porque se ficarmos de braços cruzados, esperando que o mundo árabe se faça democrático ou que Bush imponha a democracia com pistolas na psique árabe, teremos que esperar demasiado tempo.
Primeiro temos que chegar a um modus vivendi com a Palestina e, logo mais, a sociedade palestina se desenvolverá mais rapidamente para uma democracia. Como nas urgências hospitalares, primeiro se estanca a hemorragia para depois se curarem as feridas. É uma questão de prioridades.
– Muitos protagonistas da Guerra dos Seis Días militam nas linhas da paz, inclusive altos oficiais do exército israelense. É verdade?
AO – Nunca lutei na guerra por prazer, mas se alguém tentasse matar a mim ou a minha família, voltaria a lutar. A maioria dos fundadores do movimento pela paz foram soldados, inclusive generais. E o mesmo ocorre entre os palestinos. Muitos foram antes guerrilheiros. Não há soluções paradisíacas, todos procuramos uma saída pragmática.
[ entrevista por Tulio Demicheli – de Madri para o La Nación – 19/09/04 – traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]