O pior inimigo da paz entre palestinos e israelenses é a perda de confiança
Yasser Rabbo sabe o que diz. Ele é membro do Comitê Executivo da Organização para Libertação da Palestina (OLP) e co-promotor do Acordo de Genebra, um plano não oficial negociado para lograr uma paz permanente entre israelenses e palestinos.
Segundo esse plano, em troca da paz com Israel, os palestinos ganhariam um Estado não militarizado e a soberania sobre o Monte do Templo (com acesso para os judeus a esse lugar sagrado), enquanto que Israel manteria alguns assentamentos na Cisjordânia, incluindo muitas das novas comunidades judias erigidas na parte árabe de Jerusalém.
Em entrevista, Rabbo fala sobre Gaza, a crise na Autoridade Nacional Palestina (ANP) e o terrorismo.
O que o Sr. pensa sobre o plano do primeiro-ministro israelense Ariel Sharon que prevê a retirada de Gaza?
Y.R. -Qualquer a retirada dos Territórios Ocupados é, por si, positiva. Mas o plano de Sharon para uma retirada unilateral de Gaza foi concebido com uma série de elementos destrutivos. Na ausência de uma verdadeira negociação entre Israel e os dirigentes eleitos palestinos, uma retirada unilateral segue sendo uma ferramenta de Sharon para perpetuar a ocupação israelense na Cisjordânia, pois ele deixou bem claro que este plano não envolve nenhuma liderança palestina porque, como afirma, ‘não há ninguém com quem falar do lado palestino’.
Tal enfoque é uma receita para futuros enfrentamentos armados. Por meio da retirada unilateral, Sharon está enviando uma perigosa mensagem para o lado palestino: está dizendo que a violência compensa.
Há 2 anos existiam esperanças de que um processo de renovação dentro da OLP teria dado mais oportunidades de participação a políticos mais jovens. Não só se congelou esse processo, mas também parece haver uma luta pelo poder dentro da OLP, entre Yasser Arafat e o primeiro-ministro Ahmed Qurei. Esta situação é mais séria porque se produziram protestos armados contra Arafat…
Y.R.- Não obstante suas sérias ramificações para o povo palestino, não estou de acordo em que estes fatos em Gaza façam parte de uma luta pelo poder. A reforma da ANP foi sempre uma demanda de várias facções do povo palestino desde que a ANP foi criada em 1994. A mais recente tentativa de começar um processo genuíno de reformas dentro da ANP se produziu durante o governo de Mahmud Abas, que ruiu porque o governo israelense, pressionado por grupos belicosos palestinos, suspendeu todas as conversações depois de ataques realizados por esses grupos.
Sempre afirmamos que, como resultado dos ataques, a suspensão das conversações só serve para dar a esses grupos belicosos o poder de veto que, por sua vez arruína todos os esforços de paz na região. O governo israelense obviamente não está de acordo com isto.
Pese a oposição de ambas as partes, o Acordo de Genebra firmado em dezembro de 2003 teve um impacto positivo no ambiente das negociações. Atualmente, essas esperanças se desvaneceram…
Y.R – O Acordo de Genebra nasceu da mútua necessidade entre palestinos e israelenses de deter o ciclo de violência e voltar à mesa de negociações. O fato de que o Acordo, ou pelo menos seus principais parâmetros, não tenham sido adotados ou aceitos pelo governo israelense deu lugar a mais enfrentamentos e a ulteriores baixas em ambos os lados. Depois de ganhar apoio internacional, estamos agora em meio a campanhas locais para conseguir o máximo respaldo ao Acordo em ambas partes da línha divisória.
É um trabalho muito duro. Temos descoberto que gente de ambos os lados, ainda que apóie os parâmetros e os princípios traçados no Acordo, ainda está muito indecisa quanto a apoiá-lo porque não consegue enxergar mais além do seu sofrimento diário e em direção a um futuro no qual um acordo de paz firmado pelo governo israelense seja possível.
O pior inimigo que enfrentamos na atualidade é a perda da confiança das pessoas num acordo negociado. Os palestinos, aterrorizados pelas intermináveis incursões e os ataques sem fim do exército israelense, não podem jogar o papel de profetas da paz quando suas vidas estão em constante perigo. O mesmo é aplicável ao povo israelense.
O endurecimento do governo de Sharon, com a execução de ataques aéreos e incursões terrestres, seguida por ondas de ataques suicidas, não têm feito muito para pacificar a região. Mas, o que dizer do desengano ou o fracasso da ANP em deter o terrorismo?
Y.R. – Há uma impressão equivocada em muitos países de que a ANP não tem feito nada para deter os ataques contra Israel. Isso é totalmente injusto. Quando prevalece a paz entre as duas partes e elas parecem estar logrando algum tipo de progresso, o papel da ANP na mobilização de seu povo contra os grupos belicosos se faz mais fácil. O contrário também é certo.
Quando a gente não vê esperança alguma no horizonte e está sujeita quase diariamente a ataques, incursões, assassinatos, demolições de casas, confisco de terras e à construção do Muro de Separação, então ela volta ao círculo vicioso da violência e vingança.
Nos últimos quatro anos, os aparatos de segurança da ANP e sua infra-estrutura têm sido alvos sistemáticos do exército israelense. Atualmente, Israel se está comportando como quem mata o mensageiro só para afirmar que não há mensagem.
Apesar disso, ainda cremos que a lei e a ordem têm um interesse fundamental para os palestinos e por isso estamos tratando, com nossos limitados recursos, de trazer de novo a tranqüilidade e a estabilidade.
Qual é a sua opinião sobre as eleições presidenciais nos Estados Unidos?
Y.R–Existe uma idéia amplamente equivocada entre muita gente, para quem trocar o presidente dos Estados Unidos significa automaticamente uma mudança na posição estadunidense para o Oriente Médio. Pensamos que o fluxo de acontecimentos dita as políticas do dia-a-dia adotadas por Washington no Oriente Médio, enquanto mantém sua postura estratégica no conjunto.
Sem importar quem ganhe as eleições, o presidente George W. Bush colocou o cimento para (uma posição de) qualquer futuro governo americano, ao por ênfase em sua visão sobre uma solução com Dois Estados – o israelense e o palestino – através da instrumentação do Road Map para a paz.
Esperamos que quem ganhar as próximas eleições siga esta perspectiva de futuro e a converta numa meta estratégica do governo dos Estados Unidos. Esta visão é muito mais importante do que tomar partido a favor ou contra o governo de Sharon”.
Yasser Abed Rabbo é membro do Comitê Executivo da OLP, co-autor da Iniciativa de Genebra, e ex-ministro da Autoridade Palestina.
[ entrevista de Yasser Abed Rabbo por Miren Gutierrez | publicada no www.itongadol.com.ar em 07/08/2004 | traduzida por Moisés Storch para o PAZ AGORA|BR ]