À véspera da votação na convenção do Likud nesta semana, cujos resultados são bem previsíveis, os jornais publicaram um anúncio, também muito previsível, exibindo a manchete: “Shimon Peres – Incansável Obstrutor de Primeiros-Ministros”.
O texto continua, enumerando os pecados de Peres, um a um: “1981 – Peres trabalha contra o plano de bombardear o reator nuclear iraquiano nos dias de Menachem Begin; 1987 – Peres concorda, pelas costas de Yitzhak Shamir, em devolver territórios; 1993 – Peres negocia, pelas costas de Yitzchak Rabin, com os palestinos ; 2005 – Peres combina com Abu Mazen, pelas costas de Ariel Sharon, dividir Jerusalém. E para tirar a soma: “Peres irá quebrar o Likud e dividir Jerusalém. Um governo nacionalista trará força e unidade”.
Para descobrir aonde este anúncio está tentando chegar e quem o patrocinou, você não precisa ser um cientista espacial. Mas este é o momento e o lugar perfeito para enviar uma mensagem para os que colocaram os anúncios. Parem de procurar bodes expiatórios. Esta criança conhecida como desligamento e evacuação de assentamentos tem como pais exclusivamente vocês do Likud e seu líder Ariel Sharon.
Sharon, o homem que gastou quatro anos movendo uma guerra total contra o terror e lhes trouxe duas retumbantes vitórias eleitorais, disse à população repetidamente para onde se dirigia: “Pelo bem da paz, haverá concessões dolorosas. Tudo no devido tempo. Nem tão cedo e nem tão tarde”, No meio da batalha, ele repetidamente voltou a essa mantra: “Não ficaremos para sempre sentados onde estamos hoje”.
Foi Sharon que falou contra ocupar outro povo e que exprimiu apoio ao estabelecimento de um Estado Palestino. Foi Sharon quem aceitou o road map de Bush e veio com a idéia de um desligamento unilateral. Foi Sharon, e não Peres, que não evacuou nem um assentamento em toda sua vida.
Mesmo num futuro governo de união, Sharon será o capitão e o navegador. Peres será seu vice, uma pessoa que estará à disposição do comandante. Não o transformem num bode expiatório. Em vez de fazer previsões ruins e resmungarem sobre renunciar a algo que o mundo não nos permitiria manter de qualquer maneira, fiquem orgulhosos de que esta iniciativa, que marca um precedente, de se retirar dos territórios, veio de vocês. Fiquem orgulhosos de que a política de defesa de Sharon, à qual a esquerda foi tão crítica, lentamente começou a trazer frutos.
A vida se tornou mais fácil para ambos os lados, desde que Arafat abandonou este mundo, e na França, de todos os lugares – longe do Sheikh Yassin e dos fazedores de bombas, longe dos líderes terroristas explodidos em assassinatos seletivos que ajudaram a nova geração de líderes palestinos a começar a pensar que talvez não haja outro caminho. Com sua mistura de sensibilidade e discurso duplo quando a intifada crescia, Sharon fez ambos os lados perceberem que o conflito jamais seria vencido por sangue ou força bruta.
E assim, nós acordamos numa manhã com um acorde que pairava no ar. Esfregamos nossas orelhas em descrédito: Assad [presidente sírio] pedindo fazer a paz com Israel? Mubarak [presidente egípcio), num gesto de ansiedade por cooperar, publicamente proclamando que “só Sharon pode fazê-lo”? Algum dia imaginaríamos ver o dia em que Mubarak estivesse indo em direção a Sharon e Assad o estivesse aplaudindo, se Bush não tivesse sido reeleito e declarado seu apoio a Sharon? Mas há mais. Teríamos porventura colaborado com um presidente egípcio se Menachem Begin – e não Peres – não tivesse tido a visão e a coragem de fazer a paz com o Egito em troca da devolução de todo o território ocupado egípcio e o desmantelamento de cada assentamento dali?
Onde estaríamos hoje, se ainda estivéssemos em guerra com o Egito, engolfados por escaramuças em intervalos regulares, e talvez outra rodada de luta com milhares de perdas? Quem acreditaria que o líder das forças clandestinas pré-independência, um ideólogo da Grande Israel, o homem que observadores de todo o mundo previam que iria anexar a Cisjordânia quando foi eleito em 1977, seria o que marcaria o precedente de devolver terras e evacuar assentamentos em troca de paz?
Peres “o esquerdista” falou, mas Begin agiu. Da mesma maneira que vocês, gente do campo nacionalista, puderam fazer a paz com o Egito, são os únicos que podem realizar o desligamento e demarcar as fronteiras permanentes de Israel.
Nos anais da História, o Mapai ficará como o partido que estabeleceu o Estado, mas vocês ficarão como os que trouxeram a paz.
Em vez de procurar por bodes expiatórios, tomem conta da criança. Vocês são os pais.
Um dia, terão orgulho disso.
[ publicado no Haaretz em 07|12|04 – traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]