Meu currículo não é nenhum segredo. Minha mãe nasceu em Hebron em 1921, uma judia de sétima geração em Hebron. Eu sou a 8a. geração. A profunda ligação de minha família com a Cidade dos Patriarcas foi cruelmente decepada no verão de 1929, quando uma turba gritando “Matem os judeus” assassinou metade de minha família. A outra metade, meu avô, tios, tias e minha mãe, foi salva pelo proprietário árabe de suas terras.
No mês passado publiquei um doloroso artigo no jornal de maior circulação em Israel. Ele terminava com o pensamento: “O que se faz necessário não é uma substituição política do governo Sharon, mas uma visão de esperança, uma alternativa à destruição do sionismo e de seus valores pelos surdos, cegos e mudos.”
Desde então, tenho sido muito questionado. E o que você está dizendo para seus amigos árabes? E por sermos um a imagem refletida de outro, quando ataco minha realidade nacional sou obrigado a lhes dizer o que penso do que acontece entre vocês.
Tenho raiva. Estou louco de raiva. Vejo meus sonhos e os sonhos dos meus amigos judeus e árabes consumidos na chama do extremismo. Essa é uma chama que sopra eternamente para nós aqui no Oriente Médio, uma chama que eu pensava que as brisas da paz levariam embora, mas que vi crescerem para consumirem tudo: casas, corpos, sonhos. Estou com raiva de vocês, e dos terríveis significados que vocês permitem a muitos dos seus guias religiosos atribuir à palavra sagrada de Deus.
Mas eu fiz um juramento: Eu não permitirei que o ódio seja meu conselheiro. Não farei da vingança uma política. Eu não me transformarei em alguém que odeia. Portanto, continuarei a acreditar. Não ingenuamente. Não. Acreditarei, irei orar, mas manterei minha guarda.
E aqui está minha fé. Qualquer futuro acordo será baseado nos princípios de um compromisso territorial. Qual é este compromisso? O compromisso territorial não é apenas um negócio imobiliário. É uma decisão espiritual assumida por povos que tenham decidido aceitar um ao outro apesar de anos de hostilidade e profundas cicatrizes de ódio e vingança. Tal compromisso é antes de tudo entre cada nação consigo mesma.
Acredito com toda minha fé que toda a Terra de Israel me pertence. Isto está escrito na Bíblia, como minha mãe de Hebron me ensinou e aos seus netos. E eu sei também que o sonho da Grande Palestina passa de avós para netos em cada lar palestino. Assim, o primeiro compromisso é entre eu e o meu sonho.
Renuncio ao meu sonho de retornar a Hebron para que eu possa viver livre num novo Israel. E meu irmão palestino deve renunciar a seu sonho de retornar a Jafa, para viver uma vida honrada e digna em Nablus. Apenas aqueles capazes de renunciar a seus sonhos podem sentar-se juntos para forjar um compromisso entre suas nações.
Até agora, vocês têm servido como a eterna desculpa para todos os defeitos dos regimes árabes. Os refugiados estão abandonados no Líbano ou Síria – e não por nossa causa. Durante os últimos 50 anos, Israel absorveu hordas de refugiados de todo o mundo sem esperar por ninguém. A maior parte dos países árabes não levantou um dedo pelos refugiados palestinos.
Muitos acharam útil preservar sua raiva e humilhação. Eles sabem que no momento em que a independência palestina for declarada, a face dos mundos árabe e muçulmano irá se modificar de forma irreconhecível.
Um importante pesquisador palestino me disse uma vez que enquanto os palestinos se opõem fortemente a Israel em quase todos os níveis, existe uma área na qual os palestinos querem imitar os israelenses: a nossa democracia. Eu sei que 35 anos de ocupação foi uma carga pesada para vocês. E também para nós. Mas esses anos terríveis deixaram uma coisa boa: a possibilidade real de uma primeira democracia árabe.
As forças da democracia, tanto israelenses quanto palestinas, enfrentam uma execrável aliança de autocratas corruptos e teocratas fundamentalistas que farão de tudo para evitar que a luz da democracia espalhe seus raios de esperança. As democracias são mais ricas, mais livres e – mais importante – são construídas na esperança e não no medo. E o que eles mais temem é uma sociedade palestina sem medo.
Esta é a verdadeira decisão que vocês têm pela frente. Até agora, vocês foram explorados por todos: países árabes, extremistas islâmicos, Israel e seus próprios líderes corruptos. Agora vocês têm a oportunidade de tomar o destino palestino em suas próprias mãos. A transição da opressão para a liberdade nacional não é fácil.
Porque o mundo não será seguro para mim até que seja seguro para vocês, eu quero partilhar com vocês a experiência histórica de meu povo. Por milhares de anos de exílio fomos fracos, e vivemos pelas regras dos fracos. E o mundo, especialmente o mundo cristão, gostava de nossa fraqueza. Nossa fraqueza simbolizava a força deles, nossa derrota era a vitória deles.
Mas, num certo momento histórico, surgiu o movimento sionista, o movimento do renascimento nacional judaico, a tomou o destino de nosso povo em suas próprias mãos. Uma corajosa e honesta liderança trouxe um povo oprimido a realizações quase inimagináveis. Em um momento histórico decidimos deixar de ser fracos, e a natureza de nosso diálogo com a família de nações foi definitivamente modificado.
Até agora vocês têm santificado sua imagem de fraqueza, ainda que pudessem ter sido poderosos. Este caminho não os levará a nada. Imaginem que tudo tenha sido feito: Israel deixou os territórios, não haveria mais assentamentos e um Estado Palestino internacionalmente reconhecido surgiu com Jerusalém Oriental como sua capital. Como vocês se comportariam? Qual seria o caráter do Estado? Qual seria a parte que vocês tocariam na sinfonia das nações?
Do jeito que as coisas estão parecendo, vocês estão se conduzindo para uma grande derrota: um Estado Palestino que será o mais novo Estado do mundo, mas retrógrado em seus valores e incapaz de preencher a grande missão de seu povo.
Eu ouço os gritos de regozijo quando um terrorista suicida. Vejo a alegria, parte encoberta, parte explícita, que irrompe entre os desesperados quando um shahid (mártir) procura entregar seu corpo despedaçado ao paraíso e deixar atrás de si uma trilha de órfãos e viúvas israelenses.
Eu conheço seu argumento de que vocês não têm helicópteros nem jatos de combate e portanto os ataques suicidas são seu armamento estratégico. Esta é a sua verdade. Bem, eis a minha verdade. O terrorista suicida oferece a si mesmo e a mim como sacrifícios para um falso deus. O verdadeiro Deus odeia o morticínio.
Terroristas suicidas não deixam atrás de si nada além de feridas e cicatrizes. Ninguém além no mundo, nem mesmo os maiores apoiadores da causa palestina, aceitam esta arma do suicídio. É uma arma de monstros, não de lutadores pela liberdade. E até que vocês se livrem dela e de seus facilitadores em seu meio, vocês não terão parceiros no meu lado, nem eu, nem ninguém outro.
E o que vem depois? O que acontece quando tivermos ido e todos os grandes debates sobre o caráter de seu Estado – religioso ou moderno, islâmico ou secular? Como serão resolvidos esses debates ? Quero apostar já, agora. Haverá terroristas suicidas. O Hamas tentará ditar estas decisões nacionais pelas ferramentas que já conhece.
O que é bom para Israel é renunciar ao sonho da Grande Terra de Israel, desmantelar os assentamentos, deixar os Territórios e viver em paz ao lado de um Estado Palestino, combater a corrupção e dirigir todas suas energias para dentro da sociedade israelense.
E o que é bom para vocês? A mesma coisa. Renunciar à fantasia de nos varrer para longe daqui e retornar a aldeias que na maior parte não mais existem. Lutar contra a corrupção que os está destruindo por dentro e dirigir todos seus talentos e recursos para construir uma sociedade árabe exemplar – um modelo palestino que revolucionará o mundo árabe, trazendo a democracia muçulmana para a região e transformando seu povo numa ponte viva entre Oriente e Ocidente.
Existe uma história antiga sobre o sábio que conseguia responder a todas questões. Um de seus discípulos decidiu testá-lo. O discípulo caçou uma borboleta e a segurou dentro da mão. Chegou ao sábio e perguntou: “O que tenho na mão – uma borboleta viva ou uma morta?”. Ele estava pensando, se ele achar que é viva, eu a amasso e mato, e se ele disse que é viva, abro minha mão e a borboleta mostrará ao mundo o erro do sábio. Mas o sábio olhou para ele no olho e disse: “Está tudo em suas mãos.”
Um futuro de vida ou de morte, crianças com esperança ou desespero, uma nação palestina que seja repeitada ou desprezada – está tudo em suas mãos.
Avraham Burg, um dos fundadores do PAZ AGORA, foi presidente do Knesset (Parlamento de Israel) entre 1999 e 2003, e presidente da Agência Judaica. Foi um dos membros da equipe de negociadores israelenses no Acordo de Genebra.
[ publicado em 17/09/2003 no jornal palestino “Al-Quds” e traduzida do inglês por Moisés Storch para o PAZ AGORA|BR ]