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O contato de Israel com a próxima geração de palestinos – aqueles que crescem sob a ocupação – e suas tentativas de alcançar a paz com eles, será mais problemático ainda do que com a geração anterior.
Isto é algo em que precisamos prestar atenção e ter cuidado. Nenhuma geração passada cresceu sob condições tão severas como as desta que vive nos territórios ocupados. Na realidade, não há nenhum local no mundo ocidental onde crianças vivam em condições comparáveis a essas. Há um ano atrás, um repórter da USAID, a Agência Americana para Desenvolvimento Internacional, descobriu que um quarto das crianças que vivem nos territórios sofre de desnutrição, aguda ou crônica. Uma agência das Nações Unidas descobriu na mesma época que 62% dos palestinos não tinham acesso suficiente à comida. Desde então, a situação só se agravou.
Um quadro similar vem se desenvolvendo no sistema de saúde, no qual todo o tratamento médico, inclusive vacinas e primeiros-socorros, é dificultado, e muitas vezes impossibilitado pelo processo burocrático. Só é preciso participar de um dos eventos realizados pelos “Médicos pelos dos Direitos Humanos” para testemunhar as condições de saúde em que as crianças estão crescendo no quintal israelense.
Não é somente comida e saúde física que faltam a essas crianças. De Jenin a Rafah, milhares de crianças sofrem de traumas psicológicos, cujo impacto é difícil de ser previsto. Estas são crianças que nos últimos três anos vêm sendo expostas à morte em dosagens assustadoras, à destruição, a tiroteios e a tanques nas ruas, com soldados invadindo suas casas no meio da noite, prisões, surras e múltiplas formas de humilhação. Alguns perderam amigos, em alguns casos diante de seus olhos: 230 crianças palestinas com menos de 15 anos e outras 208 entre 15 e 18 anos de idade foram mortas desde setembro de 2000.
Não é necessário ser um psicólogo para entender que crianças que vivem sob profunda ansiedade por um período tão extenso sofrerão de problemas mentais. E, é claro, dificilmente alguma delas receberá assistência profissional.
Essas crianças estão crescendo com privações inimagináveis para pais ou crianças israelenses. Elas nunca viram uma praia, nunca entraram em uma sala com ar condicionado, nunca pularam em uma piscina, nunca andaram de ônibus, nunca viajaram a nenhum lugar – elas só podem sonhar em estar em um trem ou em um avião. Algumas não puderam sair de suas casas por meses ou tiveram que abandonar suas cidades por anos.
Dia e noite na mesma cidade, sem um centro comunitário, sem uma quadra de esportes, sem livros, brinquedos ou jogos. Eles nunca foram a um parque de diversões, não tem idéia do que seja um computador, nunca foram a um teatro, cinema, museu ou concerto ou participaram de atividades extracurriculares. Por meses eles não puderam nem ir à escola. Seu mundo cultural e social foi formado pelas suas condições de vidas sob o cerco israelense. Algumas delas nunca conheceram seus avós, mesmo que eles morassem em cidades próximas; outras nunca viram seus irmãos e pais presos (em alguns casos, o pai e a mãe estão detidos pelos israelenses), pois as visitas às prisões se tornaram impossíveis. Muitas crianças também foram presas e severamente punidas, sem considerarem sua idade e enjauladas juntamente com adultos.
Porém, não são só as condições de vida das crianças palestinas, que deveriam tirar o sono dos israelenses. Além de sua angústia, cuja culpa é na maior parte de Israel, essa é a geração que “não conheceu Yossef”. Seus pais trabalharam em Israel, em alguns casos por muito tempo, atuando em suas áreas, construindo suas casas, limpando suas ruas e comerciando com israelenses. Desde a infância tinham contato com os israelenses, tornando-se familiares com os dois lados, bom e ruim, e também com a língua hebraica.
Conseqüentemente, a atitude daquela geração com Israel é mais complexa: a sua grande maioria ainda crê na paz e alguns querem cooperar com Israel em várias esferas.
Em contraste, as crianças da geração atual estão totalmente distantes de nós. Seu único contato com os israelenses ocorre através da imagem do soldado que invade violentamente sua casa no meio da noite, abre um buraco na parede de sua sala e humilha seus pais, ou então, a imagem do colono que roubou sua terra e às vezes abusa deles.
Esta é uma geração que nunca ouviu falar de israelenses pacíficos e desarmados. Os únicos israelenses que as crianças palestinas de hoje em dia – a geração de adultos de amanhã – viram, foram aqueles que os aprisionaram em suas casas, bateram nelas e as humilharam. Elas não precisam das cenas violentas dos acampamentos ou da TV palestina para moldar sua visão de mundo. Elas apenas precisam olhar ao seu redor para ver o que acontece próximo a suas casas.
Elas carregarão essas memórias ao longo de suas vidas. Não poderão esquecer os espetáculos de horror a que foram expostas ou dos quais participaram. Portanto, diante de nossos olhos, uma geração está crescendo não somente com fome, traumas psicológicos, doentes e sem educação apropriada – mas também com sede de vingança e consumida pelo ódio.
Este é um recado que deveria ser considerado, não só pelos pais dessas crianças infelizes, mas por todos nós.
[ publicado no Haaretz e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]