Todo muro tem dois lados

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Aos Amigos do PAZ AGORA no Brasil


Caros amigos,

Quero explicar  a idéia da cerca da separação, vista do lado israelense e do interesse da paz.

 A cerca é a única alternativa prática da maioria da esquerda israelense, a única medida para reduzir e possivelmente acabar com o derramamento de sangue, pelo menos no médio prazo.

Qualquer caminho  para a paz (como o road map) irá levar anos de altos e baixos. Enquanto isso, qualquer ato violento de um dos dois lados pode despertar um novo ciclo de violência.

Qualquer das muitas organizações de “ativistas” palestinos pode quebrar um eventual armistício. Além do Hamas , do Jihad, do Hizballa , existe o Tanzim-Fatah, que não é monolítico, e mais 5 a 6 organizações terroristas menores  Qualquer tiro de um soldado  israelense nervoso  pode ser visto como provocação. Enquanto isto, as vítimas continuarão a cair e a insegurança irá aprofundar ainda mais a crise econômica e a pobreza nos dois lados.

 Um acordo de paz apenas será possível depois de um período de calma  controlado. Hoje em dia qualquer um pode livremente atravessar os campos abertos e fazer a sua guerra individual em nome de  algum xeique ou rabino louco. Armistícios, não escritos, e sem linhas demarcadas, nunca duram, especialmente se o nome de um deus é usado.

O projeto é conjuntamente combatido pela extrema direita dos colonos e pelos  extremistas palestinos. Os primeiros, porque irá deixar a maioria dos assentamentos isolados, fora da cerca protetora. Os segundos, porque temem que a cerca se torne com o tempo uma fronteira reconhecida, mesmo que deixe 97,5% do território palestino em suas mãos. Eles querem  os 100%, ou mais.

As vantagens para Israel são evidentes. Neste mundo em que ainda  existem as torres de observação  na fronteira da Irlanda do Norte, os arames farpados da ONU em Chipre, os campos minados da Bósnia e  a zona da morte eletrônica entre as Coréias, os nossos amigos uruguaios, que moram no moshav Ram-On  têm a bucólica vista em seu horizonte, sem nenhum obstáculo, da cidade de Jenin  de triste notoriedade.

Todos oa checkpoints,  tão fotografados pela televisão estrangeira, funcionam somente nas estradas asfaltadas. Mas dos dois lados da estrada, em plena vista, a passagem é livre.

Os caminhos de terra e as inúmeras trilhas e picadas, ao longo de uma fronteira de  mais de 400 quilômetros com a Cisjordânia, são completamente  desimpedidos. Não temos nem rios, nem montanhas que nos separem dos nossos inimigos. Qualquer um pode passar. Agricultores dos dois lados podem conversar livremente e aldeias e cidades, antes de 1967 separadas por fronteiras, se reunificaram e cresceram juntas.  Era o que todos esperávamos que iria perdurar !

Mas a realidade é diferente. Sem um fronteira física, os terroristas suicidas continuarão tendo livre ingresso  às nossas cidades. Sem uma fronteira física, o exército israelense será obrigado a sitiar e invadir cidades árabes, prender e matar suspeitos, para tentar evitar a saída  dos terroristas.

As vantagens da cerca para os palestinos são, também, mais do que  evidentes. Não só para os moradores das aldeias que querem ficar no lado de cá da cerca junto aos irmãos cidadãos de Israel, como por exemplo os das aldeias de Baka el Gharbie e Baka el Sharkie (Baka do Oeste e Baka do Leste). Este caso também constituirá parte dos 2,5% perdidos pela Autoridade Palestina, e não somente o assentamento de Alfei Menashe  que será protegido por um muro.  Mas a vida dentro território palestino se normalizará, sem checkpoints, sem incursões militares, e com trânsito livre entre suas cidades.

As passagens organizadas pela cerca possibilitarão a saída de trabalhadores árabes para Israel, sem o perigo  permanente das punições coletivas.

Muro em construçãoCerto, não é nada estético. Mas o papel das fronteiras guardadas sempre foi o de manter um status quo  antes de chegar a acordos e á abertura das barreiras. O papel de minimizar a violência vinda dos dois lados.

Não conheço fronteiras que nunca cortaram terras e separaram aldeias. No mundo atual, onde temos uma Europa unificada no lugar das linhas Maginot e do muro de Berlim, a idéia pode parecer obsoleta e condenável. Mas o Oriente Médio não é o continente de Beethoven, de Schiller e da Nona Sinfonia.

Ninguém sabe exatamente quantas centenas de milhões  a cerca custará. Mas alguém já tentou calcular o custo de centenas de vidas? Quanto custou a vida de Mazal Afari, de 68 anos, morta por um terrorista do Jihad  que dizem não ter respeitado a ordem de hudna dos seus chefes? Quanto custa uma incursão blindada e quanto dinheiro perde, a cada dia, a população de uma cidade sitiada?

Certo, alguns agricultores perderão pedaços de terra. Não será difícil compensá-los financeiramente. Mas também, quando puderem vender seus produtos num terminal organizado, em vez de contrabandeá-los por trilhas de terra, a perda será mais do que recompensada.

Com um atraso não justificado, mesmo Sharon está sendo lentamente convencido a construir a cerca, concretizando aparentemente sua renúncia a um Grande Israel. Até Netanyahu  aceitou recentemente o projeto. O assunto de retirar e recompensar  os colonos deixou de seu um anátema no governo.

Mas  a cada dia de progresso na construção da cerca, a  oposição dos políticos palestinos cresce. Já é um assunto principal nas discussões do Road Map. Tenho a suspeita de que a construção da cerca foi uma das razões que levaram os palestinos a decidir sentar na mesa.

Para mim, e para muitos, este é o melhor sinal de que a cerca irá contribuir para pacificar esta terra banhada de sangue. O custo em dinheiro é alto. Mas será melhor aplicado do que construindo novos caminhos seguros para assentamentos ou custeando incursões blindadas e sobrevôos permanentes de helicópteros nos territórios. Trará de volta o crescimento econômico e acabará com a miséria cotidiana dos palestinos. 

Para que as barreiras caiam, na nossa situação onde os loucos dos dois lados querem o bolo inteiro, é preciso primeiro que sejam erguidas, para concretizar que o país tem que ser dividido entre dois donos.

Nos inúmeros planos de paz , trata-se sempre de fronteiras virtuais, traçados no papel baseados em fantasmas do passado, decisões da ONU,  fronteiras de 1949, de 1967, Linha Verde ou fronteiras de Terras Santas.

Esta na hora de tentar oferecer alguma proteção para as populações dos dois lados, um pouco de respaldo, que somente uma barreira pode dar.

E quando  um dia a paz chegar, a alegria de derrubar a cerca será geral, mesmo sem os acordes da Nona Sinfonia. Lembremos que após tantos anos de discussão e da sua construção, o “muro”  entre as Alemanhas foi derrubado em um único dia.

Um abraço amigo,

Dov

[ especial para o PAZ AGORA|BR – Jerusalém, 18|07|2003 ] 

 

Francis Dov Por é professor aposentado da Universidade Hebraica de Jerusalém, tendo atuado como professor visitante da Universidade de São Paulo.

Nota: O Movimento PAZ AGORA e os Amigos Brasileiros do PAZ AGORA reconhecem a necessidade da edificação de fronteiras seguras, mas segundo um traçado mutuamente aceitável pelas populações israelense e palestina, numa solução justa de DOIS ESTADOS PARA DOIS POVOS.

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