O direito de retorno a nós mesmos

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Os enormes cartazes de lançamento da Campanha de Paz de Ami Ayalon e Sari Nusseibeh  [A Voz dos Povos] podem se parecer, à primeira vista, com uma mistura entre manifestos da Nova Era e um comercial de calças jeans, sob medida para vestir tanto árabes cabeludos como judeus carecas. Mas é difícil não saudar esta iniciativa, que define o inevitável com tal clareza: separação entre os povos e concessões radicais de ambos os lados.

Isso é verdade mesmo que não haja nada realmente revolucionário no plano, pelo menos do ponto de vista do campo pacifista israelense,  do qual é uma síntese dos “entendimentos”, “documentos de trabalho”, “diretrizes” e petições da esquerda de antanho, desde a proposta de Yariv-Shem Tov, o plano Clinton, os Acordos de Oslo e a fórmula Beilin-Abu Ala, até as centenas de manifestos e slogans de passeatas pacifistas que os entremeou..

Cá entre nós, a maior atração desta campanha é o fato de que Sari Nusseibeh é um participante, e esperançosamente representa mais do que ele próprio. Você deve perceber, não houve uma sensação como esta desde a descoberta das fontes do Nilo. Finalmente, após todos esses anos, um movimento PAZ AGORA palestino, e comandado por um reitor de universidade.

Quanto a Ami Ayalon – a parte israelense do duo – seu apelo é óbvio: seus antecedentes militares como general do exército e antigo chefe dos Serviços de Segurança  Shin Bet,  que “viu a luz” e eloqüentemente contou ao mundo sobre isso (apesar da defasagem de qualquer um que tenha sido general do exército por 30 anos). A contribuição de Ayalon à proposta parece ser a linguagem direta peculiar aos militares do manifesto conjunto, um tanto seca, que descreve os “compromissos de fronteira” de ambas as partes e seus planos operacionais para a coleta de assinaturas.

Os subscritores israelenses são convidados por uma declaração fria, quase que bancária: “Até que um acordo seja alcançado, a economia israelense não se desenvolverá.”

Apesar de duvidar de que ele possa resultar em algo, é difícil achar algum defeito nesse plano de paz. Mas ainda parece faltar algo nele um componente essencial, como em vários outros que o precederam, incluindo vários esquemas endossados por governos de Israel.

O que falta é alegria, otimismo, entusiasmo com a idéia de colocar em ação um plano construtivo, em oposição à resignação desanimada ao inevitável.

É verdade que, ao longo da última década – e mesmo da última semana – retóricas festivamente pacifistas tem sido declamadas em dezenas de cerimônias na região. Mas jamais, em todas as sucessivas rodadas de esforços de paz –  incluindo os breves brilhos de paz nos dias de Yitzhak Rabin e Ehud Barak – foram o fim da ocupação e a retirada para fronteiras estabelecidas pintados como um “final feliz” para Israel.

Pelo contrário: Cada concessão territorial foi descrita – mesmo por muitos esquerdistas – como um preço terrível que Israel deve pagar, uma punição inenarrável, uma horrível amputação tão perigosa que poderia não valer o risco. A conversa de Ariel Sharon sobre ‘concessões dolorosas” é pouco, comparada com as frases de líderes do partido trabalhista, que se apegavam aos territórios não por alguma ligação emocional á Terra de Israel, mas mais por uma necessidade de controle, senão por total inércia.

De um jeito ou de outro, a decisão sobre o que acontecerá aos territórios já não está nas nossas mãos. Forças maiores do que nos já decidiram basicamente seu destino. E já que o inevitável estará a nossas portas, mais cedo ou mais tarde, devemos fazer o melhor com isso para nosso próprio proveito.  Melhor do que sermos empurrados para fora dos territórios, nos dirigir para dentro, de volta para nós mesmos, para o Estado de Israel, delineado por fronteiras claras e uma identidade clara, construindo nossa singular cultura.

Porque nos últimos 35 anos, esquecemos o que é estar a sós conosco, com nossa “israelidade”. Nós dificilmente conseguimos ainda enxergar como a anomalia da ocupação criou uma bi-nacionalidade hostil que se tornou parte de nossa vida diária. Não apenas invadimos os limites dos palestinos, mas fomos invadidos por eles. Como na canção de Meir Ariel sobre o “árabe com o narguilé que está sentado no final de cada frase hebraica”. Respiramos o mesmo ar, e não existe nenhum discurso israelense que não inclua o palestino. Nem vice-versa.

Como podem israelenses e palestinos desenvolver algum tipo de identidade individual nesse estado de tóxica osmose recíproca? Nós já esquecemos  como era quando podíamos ser simplesmente israelenses (uma classificação que não excluía minorias e árabes israelenses), principalmente naqueles anos em que forjávamos nossa identidade  antes que nossas fronteiras fossem rompidas em 1967.

Se esse é o nosso destino, é melhor que a separação seja apresentada,  não como  algo com o que devemos concordar  pelo bem da segurança, ou imposta a nós por razões políticas, mas como uma oportunidade, um elixir nacional-cultural que irá beneficiar tanto Israel quanto os palestinos, permitindo-nos viver juntos mas separados, mantendo nossa individualidade.

São iniciativas extra-parlamentares do tipo da Ayalon-Nusseibeh que podem se dar ao luxo de forjar uma visão positiva e estimulante que pode ir além da soma aritmética do ‘máximo de concessões”. A renúncia palestina ao direito de retorno não se qualifica como uma visão otimista para nosso futuro. Algo tem que vir de dentro de nós também. Algo positivo, de dentro.

Com todo o devido respeito à decisão de Nusseibeh de renunciar ao direito de retorno, uma visão bem mais crucial para nós é a de implementar nosso direito de retornar a nós mesmos.”

SAIAMOS DOS TERRITÓRIOS,

VOLTEMOS PARA NÓS MESMOS !

 PAZ AGORA 

Doron Rosenblum

Doron Rosenblum

 

 

 

[ por Doron Rosenblum – publicado no Haaretz em 06|07|03 e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]

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