Tamar Ben Eliahu z"L, 19 anos

 y452a

Francis Dov PorEstávamos almoçando  na nossa casa em Jerusalém, com amigos brasileiros, os Tuder, os Corinaldi e os Sharon, quando o telefone tocou.. Fui informado que entre os 17 assassinados no ônibus  de Jerusalém, estava Tamar, neta da minha colega e colaboradora Dra.Nechama Ben Eliahu, velha ativista do SHALOM ACHSHAV [PAZ AGORA] e do Partido Meretz.

Tamar vivia no Moshav [cooperativa rural] Paran no Neguev, à meia distância de Eilat, num  maravilhoso oásis  agro-industrial  no deserto.

Continuamos o almoço. É como se vive aqui.

Pouco antes, discutíamos o artigo do Amos Oz que foi publicado pelo PAZ AGORA|BR. Penso ser uma maneira obsoleta  de enxergar as coisas. Os dois lados estão sendo culpados igualmente pelo fracasso do processo de Oslo. É como dizer: “- Ninguém pode ser condenado. Enquanto os palestinos continuavam a explodir ônibus, os israelenses continuavam a construir assentamentos. Enquanto  o Hamas e os aliados  proclamavam que todos os judeus tem que ser mortos ou  mandados  embora, os ‘colonos’ proclamavam seu direito de  viver em toda a Palestina, da mesma forma que os árabes que vivem em Israel.”  Até parece algo equilibrado….

Por poucos dias vivemos a esperança  do encontro de Aqaba. Um Sharon falando de um Estado Palestino e contra a ocupação, e um Abbas  falando do fim do terrorismo e lamentando o sofrimento dos judeus. Mas  faltavam na festa  Arafat e os chefes do Hamas.

Atentado em Jerusalém

Atentado em Jerusalém

Retornou então o velho enredo. Vamos falar de paz, enquanto o lado palestino somente promete  tentar acabar com o terrorismo.

É o que Arafat fez desde que voltou da Tunísia anos atrás…

Abbas queria obter do Hamas um armistício, uma “Hudna”. Discussões neste sentido estavam sendo feitas há três meses, no Cairo e em Gaza.  Dentro da teologia muçulmana, a noção de hudna  é a de um cessar-fogo transitório dentro do Jihad (Guerra Santa) permanente e mundial,  uma trégua imposta  pela inferioridade temporária frente ao poder dos “inimigos de Deus”. Não se tratava portanto do desarmamento e do desmantelamento dos terroristas, somente de uma sustação temporária dos atos de terrorismo.

Dias depois de Aqaba, Abd el Aziz Rantisi, chefe político do Hamas em Gaza, condenou o acordo por não ter garantido o direito de retorno de 5 milhões de descendentes de refugiados para dentro de Israel. Então, no segundo dia em que Israel cumpriu com a promessa de reabrir as fronteiras para dezenas de milhares de palestinos famintos e desempregados, de dentro da fila que se formou na passagem fronteiriça de Erez, surgiram três terroristas e mataram 5 soldados israelenses do posto de fronteira. Horas depois, o mesmo Rantisi, explicou na TV que os três terroristas suicidas, um do Hamas, outro da Jihad  Islâmica, e o terceiro da  Fatah de Arafat,  cometeram o ataque para demonstrar a unidade de todas as “forças” contra os traidores de  Aqaba. Obviamente, as passagens de fronteira foram fechadas de novo aos trabalhadores palestinos .

Seguiu-se a tentativa de assassinar Rantisi, e tudo o círculo vicioso de violência recomeçou, levando ao assassinato de Tamar e de uma dúzia de mulheres idosas, e à continuação de “liquidações cirúrgicas”  de chefes do Hamas, com as vitimas “colaterais”. De seu leito no hospital, Rantisi declarava que a luta vai acabar somente “quando o último sionista deixar a Palestina, Sharon irá voltar para a Rússia, e Shamir para a Polônia”.

Não é simples, nesta atmosfera, organizar uma semana dedicada à herança do humanista e pacifista Yehoshua Leibovitz, de organizar um festival de música  na cidade de Sderot bombardeada pelos mísseis do Hamas, de continuar as manifestações  do Shalom Achshav, de continuar  desenvolvendo agricultura no deserto, enquanto helicópteros estão matando em Gaza. 

Estamos vivendo uma nova guerra mundial, com seu próprio dinamismo cruel,  e os judeus figuram novamente como um primeiro alvo. 

Ninguém mais acha estranho que a CNN mostre durante  meia hora as conseqüências de um ataque de helicóptero em Gaza com a morte de um “ativista” de Hamas, repetindo as mesmas cenas  quatro e cinco vezes, enquanto não  fala e mostra nada dos mortos do mesmo dia no Iraque, Congo, Birmânia, no Aceh da Indonésia, dos feridos em Caracas, Belgrado e em Teerã.

Ninguém mais acha absurdo que um xeique indonesiano, chefe fundamentalista do maior estado muçulmano, fale abertamente na mesma CNN que “os principais inimigos na guerra contra o  Islã são os judeus”. Tenho certeza que nem ele, e nem mesmo ninguém  entre os seus seguidores na Indonésia, jamais viu um judeu de carne e osso, mesmo porque judeus são proibidos de entrar no pais islâmico  desde a sua independência !.

O que fazer nesta guerra?  Como continuar  a nossa vida aqui em Israel?  Como se proteger contra  a contaminação  extremista? Podemos interromper o ciclo da violência?

Estamos no topo vulcânico de um  imenso iceberg submerso.  Faz tempo que o materialismo histórico não mais pretende explicar o mundo. Estamos vivendo numa guerra mundial de sobrevivência contra o fanatismo religioso, mais perigoso do que nunca na História da Humanidade, porque está armado com a tecnologia moderna.

A única maneira de defender nosso estilo de vida é pela nossa postura moral. Mantendo a nossa liberdade de criticar os excessos cometidos pela  nossa gente e de condenar sem remorsos a ofensiva travada contra a nossa existência física  e cultural.

Ao mesmo tempo que lutamos  contra um inimigo mortal, temos que ser solidários com as vítimas inocentes deles, tanto como choramos pelas  nossas vitimas. Não podemos deixar de procurar e de apoiar os heróicos palestinos que buscam um entendimento conosco, e temos que marginalizar os nossos extremistas clérigo-fascistas que identificam cada palestino com um terrorista.

É claro que não somos nós que iremos decidir esta guerra. Mas mantendo  o nosso estilo de vida, preservando o nosso sentimento de solidariedade universal contra a violência iremos contribuir com nossa parte para a vitória do bom senso contra o obscurantismo.

Os amigos e familiares  de Tamar Ben Eliahu irão continuar se manifestando pela paz. Continuarão a desenvolver seu moshav no deserto e  a defender a sua sitiada ilha de sanidade. O nosso país pode ser um novo gueto no mundo, mas desta vez as regras são outras.


[ Francis Dov Por é professor aposentado da Universidade Hebraica de Jerusalém, tendo atuado como professor visitante da Universidade de São Paulo. Escreveu este artigo em Jerusalém, 14|06|03, especialmente para o PAZ AGORA|BR ]


Nota: Embora alguns poucos pontos de vista emitidos neste artigo não se identifiquem exatamente com posições dos Amigos Brasileiros do PAZ AGORA ou do Movimento PAZ AGORA, trazem a respeitável, sensível e valiosa visão de um cidadão israelense que sempre trabalhou para uma paz justa e duradoura com os vizinhos árabes, mas que vê “a luz no fim do túnel, como a luz de um futuro para seus próprios netos”. 

Comentários estão fechados.