Mass'ha – Uma fresta de paz no muro da violência

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Tratores chegam a Massha

Tratores chegam a Massha

Por gerações, as pessoas da aldeia de Mass’ha, na Cisjordânia têm vivido da terra em que nasceram. As oliveiras tem sido sua fonte de renda e orgulho, e o principal produto agrícola. Através da turbulenta história política da região, os camponeses tem continuado seu legado de plantar e colher.

Tudo isso mudou neste ano, quando o governo israelense apresentou aos moradores documentos demandando o confisco de cerca de 95% de todas as terras produtivas. Isto deixou os aldeões em choque, entre eles Na’azi Shelabi, pai de sete filhos, que depende de sua plantação para o sustento.


Quando o choque se transformou em desespero, Na’azi saiu para sua terra, para contemplá-la solitário com sua dor. Tais histórias são hoje um lugar comum na Palestina e Israel, na medida que o renovado conflito tem erodido o tecido de humanidade que faz desta região um lugar especial.

Com a máquina da morte escalando pelos dois lados, Israel decidiu erigir um muro de separação de grande escala, projetado para evitar a entrada de palestinos no território israelense.

arame farpado precede construção do muro

Mas, o muro está sendo nada menos que uma forma de aprisionar milhões de palestinos, criando enclaves semelhantes aos bantustões sul-africanos, seccionando cidades, aldeias e estradas, para proteger assentamentos construídos nos territórios palestinos desde 1967.

Mass’ha se situa a poucos quilômetros a leste da Linha Verde [fronteira entre Israel e Jordânia antes da guerra de 1967]. O muro de separação não está seguindo a Linha Verde, e corta profundamente o território palestino. A aldeia de Mass’ha está sendo fisicamente seccionada como resultado do muro, como numerosas outras aldeias da vizinhança.

Com tal destruição à porta de sua casa, Na’azi decidiu resistir e agir. Reuniu outros moradores e organizou uma pequena demonstração com o apoio de uma organização pacifista feminina. Pouco depois, uma ampla rede de grupos pacifistas palestinos, israelenses e estrangeiros se envolveu, e um segundo protesto bem maior foi feito em março de 2003, que marcou a instalação de um acampamento de paz (peace camp) bem ao lado da trilha do muro em Mass’ha.

Quando chegamos lá no início deste mês, os aldeões nos receberam com calor e me levaram ao local do acampamento. Àquelas alturas, o acampamento já existia há dois meses, habitado dia e noite por uma mistura de palestinos, israelenses e estrangeiros.

Os soldados israelenses também haviam feito visitas, não no mesmo espírito de solidariedade. Declararam o acampamento como “zona militar” e exigiram que todos os palestinos saíssem imediatamente. Quando suas exigências  não foram atendidas, concordaram com que o acampamento fosse habitado durante o dia, mas não à noite. Como as ordens não foram atendidas, o exército continuou a fazer visitas, fotografando participantes e questionando os organizadores.

Ali estávamos, vindos de caminhos diferentes, reunidos sob a sombra de uma oliveira, para conhecer um ao outro e exercitar na prática a paz que desejávamos ver acontecendo.

Minha vida mudou no curso daqueles dias que passei em Mass’ha. A coexistência não era apenas um ideal nebuloso a ser perseguido, mas sim uma rotina diária ao manter o acampamento limpo, preparando refeições, contando histórias e piadas, e planejando ações contra a ocupação e o muro.

Conheci algumas pessoas incríveis que espelhavam o mesmo brilho de otimismo, renovação e dedicação à paz e conciliação que tem alimentado minha vida nos últimos anos. 

Zeiad, um morador de Mass’ha, cuja família mora há muitas gerações aqui, admite nunca ter tido, antes do acampamento,  conhecimento de israelenses sinceros sobre a paz. Seu principal contato com israelenses sempre tinha sido com colonos dos assentamentos ao redor de seu vilarejo, que acompanhavam o confisco do bosque de oliveiras de seu pai. Agora, ele se junta ao acampamento diariamente, e sonha com o dia em que ele e sua gente possam viver em um país livre e soberano, desimpedido de assentamentos.

Observar o muro sendo construído é a parte mais dura da experiência.

A cada dia, novas camadas de arame farpado, fossas e concreto se avolumam, e a aldeia se mostra um pouco mais fatiada. O governo israelense também contratou palestinos locais para as obras. Ver árabes construindo sua própria prisão não apenas traz lágrimas a meu coração, mas me relembra da profunda humilhação que é a ocupação.

No meu último dia em Mass’ha, moradores de lá me convidaram para uma excursão pelo território palestino, e me levaram a outras aldeias e cidades afetadas pelo muro, percorrendo caminhos precários para evitar os postos de controle militar.

Voltei com uma renovada sensação de vibração e coragem, sabendo que tudo começa de baixo para cima, e se podemos fazê-lo em Mass’ha, podemos fazer em qualquer lugar.

Falei com Na’azi hoje pelo telefone. Chegar ao acampamento agora está mais difícil, pois o muro foi fechado em seu entorno. Foi decidido que o acampamento será transferido para outra parte de Mass’ha, e as atividades diárias continuarão.

A resistência pacífica oferece algo, que nem os corações mais duros vencerão, apesar de toda a violência.


[ traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]

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