Abu-Dis: porta para paz ou muro do ódio?

y453

Abu-Dis era um próspero vilarejo árabe, nos arredores da Jerusalém Oriental tomada por Israel da Jordânia na Guerra de 1967.

A poucos minutos de automóvel do campus da Universidade Hebraica de Jerusalém no Monte Scopus, fica no caminho para a cidade palestina de Ramallah. O vilarejo acabou sendo incorporado ao perímetro urbano de Jerusalém.

Numa das etapas das negociações no processo de paz de Oslo, o vilarejo foi acordado por israelenses e palestinos para sediar a infra-estrutura da capital política do futuro Estado Palestino. Ali, ao lado do campus da Universidade palestina de Al-Quds, presidida por Sari Nusseibeh, um dos expoentes do campo pacifista palestino, está praticamente concluído, e vazio, o edifício que sediaria o futuro Parlamento Palestino, após acordo homologado oficialmente pelo governo israelense através do Knesset, distante uns poucos quilometros dali.

Visitamos Abu-Dis no início deste mês, ao lado de outros Amigos Brasileiros do PAZ AGORA, de representantes da Comissão Justiça e Paz de S.Paulo e outras organizações internacionais empenhadas na Educação para Paz, participantes do Encontro Internacional da Redepaz em Nazaré. Fomos acompanhados por amigos do núcleo de Jerusalém do Movimento PAZ AGORA e da organização IR SHALEM.


Abu-Dis era para ser – e oxalá volte logo a sê-lo – um símbolo de dignidade e independência do povo palestino e da convivência pacífica deste com o povo israelense. Seria, e deverá ser, um centro irradiador de paz,  com a implantação do centro de decisões políticas de um Estado democrático palestino, ao lado de uma universidade modelar, concebida como veículo para a educação de novas gerações, base do desenvolvimento econômico e social.

Mas, hoje, é um ponto de atrito e de diária humilhação de pessoas por autoridades militares de ocupação.

Abu-Dis deveria e deverá ser, AGORA, uma obra que sele a coexistência harmoniosa de dois povos sofridos, assegurando-lhes compartilhar de uma vida digna em dois Estados independentes.

Mas, hoje, é uma plantação de ódio e rancores.

A Universidade, o edifício do Parlamento Palestino e parte da outrora florescente Abu-Dis estão isolados do restante da comunidade que lá vive por um alto muro de concreto, encimado por rolos de arame farpado, que veda o trânsito de pessoas e veículos entre os dois lados do vilarejo.

 Do lado de cá do muro, que lembra dolorosamente o antigo muro de Berlim, numa ruela estreita, patrulhas do exército israelense arbitrariamente interrogam as poucos pessoas e carros que passam.

Os veículos não têm como atravessar o muro, pois não há aberturas para isso. Para chegarem à Universidade, têm que percorrer um longo caminho, que lhes tomaria horas. E a sala de aulas está logo ali, a alguns metros de distância.

Jovens soldados pedem os documentos dos pedestres que passam. A maioria são estudantes da Universidade de Al-Quds.  Testemunhamos o caso de uma delas, acompanhada de uma colega sul-africana. O soldado insistia para que ela telefonasse para alguém de sua casa para que lhe enviasse um documento que estaria faltando. A moça foi revistada: estava “armada” apenas de livros e cadernos. Insistia que teria um exame na faculdade, não tinha mais ninguém na casa dela naquela hora e não daria tempo para buscá-los.

Cerca de uma hora de impasse.  Os soldados se comunicando por rádio com colegas, as duas estudantes esperando, sentadas numa pedra à beira da rua, levantando de vez em quando e falando alguma coisa com os soldados . Como devem se sentir estes jovens soldados israelenses? E estas estudantes palestinas?  A ocupação sufoca qualquer sentimento de empatia ou solidariedade humana.

Os soldados nos perguntam se não temos algo mais interessante para fazer…

Certamente eles também teriam. Poderiam estar estudando ou passeando…talvez até com aquelas mesmas estudantes. Sem uniforme e como pessoas normais.


Finalmente, as duas universitárias foram autorizadas a passar pela barreira militar (machsom).  As acompanhamos, ruela acima, por mais uns 150 metros ao longo do “Muro da Vergonha”.  Ali existe um pequeno trecho onde o arame farpado está afastado. Ajudamos as estudantes a escalar o muro em direção à faculdade. Logo acima, alguns soldados estão sentados à sombra de uma árvore, enquanto displiscentemente assistem a grupos de estudantes fazerem seu kafkiano caminho de entrar e sair da escola, pulando o muro.

Ao retornarmos, ouvimos os soldados se comunicando com outros colegas: “dêem uma checada num grupo que está descendo a rua; um deles, de boné branco está tirando muitas fotos…”. Algumas dessas fotos estão aqui.

Algumas dessas fotos estão aqui. Tomara possamos mostrar, em breve, imagens mais bonitas de uma terra tão linda.

Ao retornar, passamos por uma das poucas lojas abertas na rua, para comprar água e filme fotográfico. O dono da loja comentava, desanimado: “Todo o comércio daqui está praticamente fechado. As pessoas do lado de lá do muro não passam mais por aqui. Não me preocupo comigo. Já vivi meus quarenta e poucos anos, e não espero viver muitos mais. Mas, que esperança posso dar aos meus filhos, que estão em idade escolar? Que imagem eles tem dos israelenses?  A de soldados que impedem os pais de conseguir trabalhar, de todo dia serem interrogados por homens armados a caminho da escola?”

Sem muito para responder, lhe dissemos: – Não perca a esperança. Os dias estão começando a melhorar.  Seus filhos terão uma vida melhor. Abu Mazen e Sharon concordaram com o plano do Quarteto. Parece haver líderes palestinos determinados a por fim ao terrorismo. E o próprio Sharon declarou expressamente estar disposto a terminar à ocupação de 3,5 milhões de palestinos.

Ele nos aperta a mão, e responde, sorrindo com os olhos tristes:

Inshallah !

 

[ Moisés Storch é coordenador dos Amigos Brasileiros do PAZ AGORA ]

 

Comentários estão fechados.