O anti-semitismo na França de hoje

y381    

Livro: “Une Histoire personnelle de l’antisémitisme” 

de Nicolas Weill . Robert Laffont, 334 p., 22 €.

” Uma espécie de arrogância do pensamento liberal reina em Paris, e que me parece contradizer o espírito do liberalismo. 

A paixão por “normalizar” o problema judeu e a existência coletiva dos judeus franceses ou na França constitui um bom exemplo desta arrogância: são pensamentos pequenos sobre uma questão imensa. 

Mas eis que o ‘problema judeu’ não é ‘normalizável’.  É preciso viver com ele tal como existe no presente. Esta é a condição da democracia. “

Estas linhas, assinadas por François Furet, parecem ter sido escritas num outro século, ou mesmo num outro mundo: era 1979, ano em que não se evocava nem a Intifada nem a “nova judeufobia“, nem o Islã dos subúrbios, mas num tempo em que  o governo Giscard  permitia que as empresas [francesas] se curvassem diante das ameaças de boicote árabe contra Israel, enquanto que, em Matignon, Jacques Chirac se apressava em  entregar uma central nuclear ao seu “amigo” Saddam Hussein.  

No ano anterior, textos negacionistas [do Holocausto] tinham aparecido e, no seguinte,  o primeiro atentado contra uma sinagoga desde a Ocupação, na Rua Copérnico, daria a Raymond Barre  ocasião para seu lapso que se tornou célebre, onde distinguuia dois ‘diferentes’ tipos de vítimas:  os ‘israelitas’ de um lado e os ‘franceses inocentes’ do outro.     

O grande  mérito  do livro de Nicolas Weil  está em possibilitar esta volta ao passado e  colocar  em perspectiva as tensões atuais.  Nos confrontos envolvendo a “nova judeufobia”, os subúrbios do Islã e os cidadãos judeus, ele redescobre a história do terceiro termo geralmente silenciado: o contexto francês que, apesar de tudo o que se gostaria de crer, não é neutro.

Tendo sido educado, como diz, no ambiente atipicamente “normalisador” dos judeus franceses laicos e assimilados do pós-guerra,   Nicolas Weill vê no atentado da Rua Copérnico, ao mesmo tempo um acontecimento fundador dessas novas tensões na sociedade francesa, e também determinante de uma mudança nas relações dos judeus franceses consigo mesmos.  

PICADAS DE PARANÓIA

Poster do candidato anti-semita Adolf Willette para as eleições de 1889 na França

Poster do candidato anti-semita Adolf Willette para as eleições de 1889 na França

Weill descreve, ainda sob os efeitos do atentado, as picadas de paranóia que se introduzem até nas relações quotidianas (sua reação de desconfiança, por exemplo, quando um de seus amigos não judeus vem confiar-lhe suas preocupações e insônias. Ele também consegue  transmitir muito bem o seu próprio e absurdo sentimento de culpabilidade:  “A minha volta, falava-se muito de “nós”. (…) Isto me incomodava (…) Tinha-se o hábito de fazê-lo de maneira defensiva ou apologética (…) O anti-semitismo se tornava ainda menos compreensível, e certamente só poderia ser explicado por uma culpa que tivéssemos.” São linhas extraordinárias quando se as compara à situação atual em que, pelo contrário, o excesso de “comunitarismo” é vilipendiado para “explicar” a hostilidade aos judeus.

Nicolas Weill retraça aqui um panorama da História, que não precisa do Islã, de nenhum modo, para existir, depois da Rua Copérnico, da questão Finlay, do processo de Papon (coberto pelo Le Monde), do escândalo do abade Pierre e Roger Garaudy, e talvez, sobretudo, de Carpentras, acontecimento axial no qual explode o negacionismo francês através do surgimento do que o autor chama de “ideologia republicanista”. 

O chamado à lembrança da questão das manifestações e artigos da época – sobretudo os de Paul Yonnet – considerados como capazes de “racionalizar” o acontecimento retirando-lhe todo carater anti-semita é altamente impressionante.

Muito menos verossímeis, por outro lado, porque ao mesmo tempo mais teóricos e sem relação com a questão, são os dois capítulos consagrados à participação judaica na revolução bolchevista russa (que demandaria toda uma obra) e às novas formas de “‘ódio a si mesmo”.

Permanece, no que o livro tem de mais interessante, a aprendizagem de uma lenta desestruturação e isolamento, uma certa “estrangeiridade” na sociedade francesa, que Weill diz ter sentido desde o início dos anos 1980, e que sem dúvida alguma qualquer judeu francês vinte anos depois não pode deixar de sentir, não importando a maneira pela qual se auto-define.


O autor do livro, Nicolas Weill, é jornalista do “Le Monde”

[ por Marc Weitzmann, publicado no Le Monde em 13|03|2003 e  traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]


Nicolas Weill est un journaliste français né en 1957.

Ancien élève de l’École normale supérieure de la rue d’Ulm, titulaire d’un DEA d’histoire contemporaine et d’une maîtrise de philosophie consacrée à Husserl, il a collaboré au Monde de la Révolution française de 1988 à 1990 et à Courrier International de 1991 à 1995. Journaliste au Monde depuis 1995, il collabore également au Monde des livres et à Critique. Il est notamment l’auteur d’essais historiques sur l’antisémitisme en France.

Comentários estão fechados.