MIGUEL MELZAK z L
Não via o Miga há uns bons 30 anos…
Mas sua imagem, ao ler no Boletim da ASA o artigo abaixo, me voltou logo à lembrança.
Carioca da gema, sempre irradiando alegria e bom humor, generoso, de bem consigo mesmo, e com todo o mundo.
Pessoas como ele fazem falta. E como…
SHALOM, Chaver, ACHSHAV ve Tamid !
PAZ, amigo Miga, AGORA e Sempre !
Moisés Storch – São Paulo, 15|05|2003
Melzak, O Sionista Utópico
Nestes tempos de ódio acirrado, mais do que nunca, homens como Miguel Melzak farão falta. Era dado ao diálogo, à fala mansa. Coisas raras quando as certezas soam barulhentas.Tão raras que soará estranho dizer que Miguel era um sionista socialista. Imagino o susto do leitor. Sionistas não são aqueles seres que só querem matar palestinos? Miguel, como muitos outros, não correspondia a esta imagem da moda. De tempos em tempos a mídia elege novas vítimas e novos algozes. Médico, ativista sindical, militante político, foi secretário do sindicato dos médicos na gestão do Dr.Roco. Sionista e socialista resolveu realizar a sua utopia e imigrar para um Kibutz. Antes de isto virar opção fácil, era defensor dos direitos palestinos. Antes ainda, saíamos na noite da ditadura, tanto em passeatas quanto em manifestação a favor dos judeus soviéticos. No governo Médici o Balé Bolshoi passava por aqui e resolvemos aproveitar a ocasião. Panfletos na mão, lá fomos nós para a escadaria do Municipal. Mas era preciso tomar cuidado.Tanto com o DOPS, quanto com o uso indevido do protesto. Ser a favor dos direitos dos judeus soviéticos sem dar margem para parecer anticomunista. Ser de esquerda, criticar a esquerda e tomar cuidado com a direita.Tipo da contradição que só um judeu sionista socialista poderia achar normal. É que pensávamos que ainda dava para reinventar o mundo. Quando vejo hoje em dia o Sr Sharon de um lado e do outro a fusão entre anti-semitismo latente e critica anti-sionista, fico com saudades daquele tempo. Éramos todos mais inteligentes, tanto os defensores quanto os críticos. Miguel sofria com isso. Como sofreu com sua decepção com o Kibutz e acabou indo para a cidade. Psiquiatra de um presídio, resolveu propor um projeto de reabilitação dos presos. Um dia, o milico mor resolveu brecar o programa. Não entendia como havia reincidentes. Miguel respondeu que o mundo lá fora não colaborava. Mas quem quer saber de mundo lá fora? Aliás, nem os intelectuais querem saber dele. Preferem trabalhar com esquemas. Bom e mau. Uma certa ética infantil tomou conta do pensamento crítico, e não só da mente de Mr.Bush. Ao invés de uma ética adulta que envolva a responsabilidade, a simplificação toma conta dos que deveriam ser analistas e pensadores. O eixo do mal pende para o lado oposto de quem tiver a palavra e o poder do momento. O velho Melzak, velho de 54 anos no dia de seu falecimento, contou-me certo dia como um jardineiro palestino, que trabalhava em casa de um amigo resolveu não voltar ao trabalho. Questionado pelo patrão israelense de tantos anos, respondeu que do lado de lá da fronteira haviam exigido coisas que ele não concordava em fazer. Mais não disse e nem voltou.Estava claro que coisas eram estas. O rosto assustado e o pedido de não viessem mais apanhá-lo na fronteira, pois ele mesmo se expunha ao perigo, eram definitivos. Melzak admirava o jardineiro e sofria com os urubus em Israel. Chamava assim os religiosos ortodoxos que, tal qual os terroristas palestinos, impediam a chegada da Utopia. Aludia ás suas longas vestes negras, resquício de um exílio que se negavam a declarar findo. Memória de um mundo sem cores e sem eco no judaísmo. Percebia de forma clara como Sharon e Arafat eram complementares em sua impossibilidade de superar o ódio e construir o diálogo. Em Israel levou-me, para ver o lugar onde haviam assassinado Rabin. Hoje dizem que era tudo armação, que o plano de paz nunca fora para dar certo. Deviam ter avisado isso ao assassino do ex-militar, quem sabe teria poupado uma vida e a sua própria liberdade. E Arafat, terá sido uma simples vítima ingênua como querem os nossos emires e imperadores da verdade? Miguel e eu mesmo tínhamos poucas ilusões sobre isto. Mas a falta de ilusões não pode impedir a utopia. E Miguel continuava, como bom sionista da velha estirpe, a esperar pelo diálogo. Só baqueou quando as bombas começaram a matar por matar. Quando percebeu que o jogo havia mudado, pela primeira vez vi o Miguel expressar raiva. Suas filhas também passaram a ser alvos potenciais, logo elas. A menor vivendo em uma comuna numa pequena cidade empobrecida, herdara do pai o gosto pela utopia e o amor pela esperança.Mas bombas não escolhem ideologias. Horizontalizam a realidade para torná-la dominável. Quando explodiram um café em Jerusalém, o café que uma de suas filhas freqüentava, o seu mundo rachou. Nunca cheguei a perguntar o que pensava da réplica que fizeram do café e dos corpos estraçalhados em uma universidade palestina. Museu macabro aberto à visitação. Talvez, apesar da raiva, ele diria a sua frase preferida: O jogo tem que continuar. Miguel era flamenguista e tijucano, amava o samba, Martinho da Vila e uma boa conversa. Miguel morreu no sábado 22 de fevereiro em Israel. Dizem que os Justos costumam morrer no sábado. Homens como ele e o jardineiro palestino dão a impressão que, apesar do ditado contrario, há pessoas neste mundo que são insubstituíveis. [ por Paulo Blank em 05|03|2003 – publicado originalmente no Boletim da A.S.A. no 82, mai-jun/2003 ; Paulo Blank é carioca, psicanalista e membro dos Amigos Brasileiros do PAZ AGORA – PAZ AGORA|BR.
|