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Numa cúpula mundial da esquerda, avanços para a paz no Oriente Médio
PORTO ALEGRE. Visto como uma reunião massiva internacional de mais de 100.000 críticos da globalização corporativa, o Fórum Social Mundial que começou aqui em 23 de janeiro também se antevia como um magneto para ácidas críticas a Israel. Mas, numa virada inesperada, o ponto alto da conferência acabou sendo uma declaração conjunta pela paz, por israelenses e palestinos,que arrebatou o entusiasmado aplauso de 20.000 esquerdistas num estádio desta cidade portuária no sul do Brasil.
A declaração clamava pela “paz, justiça e soberania para nossos povos, um fim para a ocupação israelense dos territórios conquistados em 1967, a criação de um estado palestino independente lado-a-lado com Israel, ao longo das linhas de 04 de junho de 1967, com Jerusalém como cidade aberta e capital de cada um dos dois istados, acordando uma solução justa e sensata para o problema dos refugiados palestinos de acordo com a Resolução 194 da ONU”. Apelou também para um fim à violência nos dois lados do conflito.
O entusiástico endosso da resolução pela multidão foi um impressionante climax para a conferência. Embora muitos judeus moderados hesitassem pelas concessões israelenses pedidas no plano de paz proposto, a declaração foi, entretanto, um documento fortemente pró-Israel do ponto de vista de muitos ativistas de extrema-esquerda que contestam a própria legitimidade do Estado judeu.
Quando dezenas de milhares de participantes marcharam pelas ruas de Porto Alegre, no primeiro dia do fórum, alguns manifestantes exibiam cartazes da linha-dura pró-palestina acusando Israel de terrorismo de estado e chamando Ariel Sharon de nazista. Ao final da conferência de 5 dias, entretanto, 20.000 participantes estavam cantando alto e festejando enquanto a declaração pacifista era lida, com o sistema de som tocando “Inagine” de John Lennon.”
No palco estavam três israelenses: a ex-Ministra da Cultura Shulamit Aloni, a fundadora do PAZ AGORA Galia Golan e o filósofo Ely Ben-Gal. Estavam acompanhados de Zyad Abu Zyad, membro do Parlamento Palestino, Alam Jarar, ativista palestino. e Lana Nusseibeh, representante de grupos civis do Oriente Médio. Também estavam ali o Prefeito de Porto Alegre e o representante da UNESCOno Brasil.
A declaração foi lida em inglês por Golan, que também é fundadora da Coalizão Israelense-Palestina pela Paz, e em português pelo Prefeito de Porto Alegre João Verle. Então os oito ficaram de pé no palco, de mãos dadas e braços erguidos, cantando juntos a letra da canção de Lennon.
Foi um final inesperado para o fórum, que foi realizado primeiramente em janeiro de 2001 para se contrapor a Forum Econômico Mundial em Davos, Suiça.
Num forte contraste com o encontro de Davos, que reuniu cerca de 2.000 altas autoridades de governos e corporações, o FSM reuniu no Brasil ambientalistas, defensores de direitos humanos, feministas, sindicalistas e um leque de organizações anti-capitalistas e críticas da globalização neo-liberal. Suas palestras e seminários foram organizados por um secretariado internacional, e também pelas organizações participantes. Seu slogan foi : “Um novo mundo é possível”.
O receio de uma grande multidão anti-israelense chegando ao Brasil para o fórum preocupava alguns dos cerca de 80.000 judeus brasileiros. “Quando a intifada começou, houve manifestações contra Israel e muita pressão contra as comunidades judaicas em todo o mundo”, disse Jacques Wainberg, 52 anos, do comitê político da Federação Israelita do Rio Grande do Sul, e antigo membro do kibutz Zikim em Israel, do movimento sionista de esquerda Hashomer Hatzair. “No Brasil, a esquerda se tornou patrocinadora da causa palestina, apoiando manifestações”.
Wainberg, professor de mídia e jornalismo na PUC de Porto Alegre, comentou que judeus da comunidade achavam que os grupos contra Israel iriam dominar as discussões sobre o Oriente Médio do fórum.
Roberto Turquenitch, 45anos, judeu de Porto Alegre que tem uma produtora de video, se preocupou o suficiente para, em abril de 2002, iniciar um diálogo com o advogado gaúcho árabe Mohamed Jihad.
Turquenitch e Jihad, 30 anos, decidiram organizar o seminário de três dias “Diálogos para Paz“, neste FSM, onde israelenses e palestinos apresentariam as suas visões. Além de receber o apoio das comunidades judaica e palestina loais, o grupo recebeu ajuda financeira da UNESCO e do Partido dos Trabalhadores, do novo presidente Lula da Silva.
“Os palestinos nos disseram que não tinham controle sobre outros grupos da comunidade palestina, e que muitos extremistas viriam para agitar no fórum” – contou Wainberg – “Mais de 15 seminários foram organiados por tais grupos para pregar a destruição de Israel.”
A marcha de abertura poderia ter se tornado uma vitrine das forças pró-palestinas radicais. Mas membros da Federação Israelita do Rio Grande do Sul decidiram também participar.
O rabino-chefe (da Congregação Israelita Paulista) Henry Sobel, nascido nos Estados Unidos e vivendo no Brasil há mais de 20 anos, veio de São Paulo para se unir a dezenas de pessoas vestindo camisetas azuis com a frase ” Dois Povos, Dois Estados“. Eles cantavam músicas tradicionais judaicas e um samba com a letra falando de azul e branco, as cores da bandeira de Israel. Pessoas nas calçadas sorriam, acenavam, tiravam fotos e se uniam a eles.
Os diálogos organizados por Turquenitch e Jihad tiveram boa presença de membros da comunidade judaica. Foram realizados num teatro da Universidade Católica, sede dos seminários do fórum.
Ativistas judeus também exibiam e distribuíam materiais denunciando o terrorismo. Uma faixa dizia: “Terrorismo é genocídio de inocentes”. Um cartaz mostrava fotos de vítimas de atentados terroristas em Israel. Um folheto declarara: ” O terrorismo palestino mata a paz. Sim à paz. Sim a dois estados livres e vizinhos com direito a existência e segurança”. Também anunciavam: ” Não à instigação ao racismo contra os judeus. Não aos suicidas adolescentes, criados por sua liderança falsa e corrupta”.
Após seus diálogos alternativos, os visitantes israelenses e palestinos discutiram por horas uma declaração conjunta pela paz. Os palestinos e os israelenses fizeram ligações telefônicas para o Oriente Médio. Um acordo foi finalmente selado, e a delegação pediu para se dirigir ao público.
“Foi uma vitória para o Campo da Paz sobre uma máquina de guerra de propaganda montada no fórum”, avaliou depois Wainberg. Disse que o apelo para por um fim à violência era uma denúncia implícita ao terrorismo: “Foi uma conquista, pois se deu na direção oposta aos palestinos mais radicais, que pedem a destruição de Israel”.
[ por Lucy Komisar, de Porto Alegre para o Forward (www.forward.com), semanário judaico progressista publicado em Nova YorK desde 1897 – traduzido pelo PAZ AGORA| BR ]