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Aldeia de Iksal, Israel — A família de Mohammad Darawshe remonta um longo tempo nesta aldeia árabe no norte de Israel – 27 gerações, para ser exato. Sua família tem sempre ocupado um lugar importante na comunidade e , como muito outros do milhão de árabes que vivem em Israel, ele tem há muito tempo um compromisso de lealdade com o Estado de Israel.
Mas nos últimos anos, Darawshe tem notado uma importante mudança na forma como os judeus israelenses o vêem, assim como aos seus companheiros árabe-israelenses: “Os judeus nos enxergam mais e mais como uma extensão do inimigo que vive dentro de seu estado”, diz Darawshe . “Somos vistos como parte da maioria regional árabe e não mais como uma minoria nacional.”
Perto de dois anos de luta israelense-palestina tem provocado um tremendo prejuízo. Pelo menos 2.074 israelenses e palestinos foram mortos. Centenas de milhões de dólares em propriedades foram destruídas. Qualquer tensão entre Israel e países árabes que o cercam tem se elevado ao seu nível máximo em quase uma década.
Ainda muito subestimado em meio a luta está o preço que o conflito tem cobrado das relações entre judeus e árabes de Israel. Uma vez visto como um modelo de tolerância para a região inteira, o relacionamento hoje está rendido por um nível de tensão e ódio não vistos desde o início dos anos ’50. Indivíduos judeus e árabes tem assistido a erosão de suas amizades. Ligações comerciais outrora promissoras entre as duas comunidades se tem deteriorado, e a cooperação tem sido substituída por desconfiança mútua.
A vasta maioria dos árabes-israelenses são determinadamente opostos aos atentados terroristas palestinos. Mas um punhado de cidadãos árabes tem emprestado apoio a tais ataques no último ano, convencento muitos judeus de que os cidadãos árabes não são confiáveis. Nesta semana, por exemplo, a polícia israelense prendeu duas mulheres árabe-israelenses por não terem notificado as autoridades de um ataque suicida pendente. Elas viajavam num ônibus do qual desembarcaram após serem advertidas por um criminoso palestino.
As prisões se deram um dia após o Ministro do Interior israelense ter anunciado um plano para revogar a cidadania de qualquer árabe-israelense envolvido na condução de atentados contra israelenses. O plano, que recebeu o apoio do Primeiro-Ministro israelense Ariel Sharon, não contempla punição similar para judeus israelenses envolvidos em conspirações terroristas.
A crescente divisão entre judeus e árabes em Israel coloca questões difíceis para Israel. Muitos dos cidadãos judeus do país, que perfazem cerca de 80% da população, acreditam que o país é, em primeiro lugar, uma nação para os judeus. Mas a alta taxa de natalidade árabe está aletrando o balanço demográfico, levantando a possibilidade de que os árabes poderão algum dia constituir a maioria.
Isto tem suscitado idéias que poderiam desafiar os fundamentos da democracia israelense. Uma dessas idéias tem sido referida como o “transfer”, na qual cidadãos árabes seriam removidos forçadamente para outro país ou região. Outra idéia propõe que sejam negados aos árabes-israelenses os direitos de voto, assim assegurando aos cidadãos judeus manter o controle sobre o governo. Outra, ainda, propõe a Israel que redesenhe suas fronteiras numa forma que faria com que muitos cidadãos árabe-israelenses passassem a ser cidadãos da nova nação palestina, assumindo que um acordo final de paz seja alcançado.
Por ora, essas idéias ainda são conceitos muito marginais, abraçados principalmente por políticos e cidadãos judeus de extrema-direita. Mas, na medida em que o conflito entre Israel e os palestinos se tem intensificado, essas idéias tem deixado o reino do impensável e começado a se introduzir nas conversas diárias. E o resultado é uma profunda preocupação entre os árabes israelenses. Diz Shawki Khatib, o prefeito de uma aldeia árabe próxima a Nazaré: “O establishment judaico está tentando nos chutar para fora”.
Não muito tempo atrás, as relações entre os judeus e árabes de Israel estavam se desenvolvendo. Mas em setembro de 2000, sofreram um golpe devastador após a controversa visita de Sharon ao Monte do Templo em Jerusalém. Revoltas se seguiram e 13 cidadãos árabes foram mortos quando o exército foi chamado para abafar a rebelião.
Árabes israelenses, como o Sr. Darawshe, têm observado os eventos nos meses seguintes com medo e consternação. Um antigo político do Partido Árabe, Darawshe agora ajuda a funcionar o Centro Judaico-Árabe para a Paz (em Givat Haviva). Desde que se diplomou por uma universidade israelense, ele se tem empenhado numa batalha pessoal contra a intolerância e o ódio entre os judeus e árabes do país. Pela primeira vez, ele receia estar perdendo a batalha.
Seu trabalho no centro pacifista, por exemplo, recebeu um golpe do governo israelense, que cortou o orçamento do Centro, e por nervosos pais árabes e judeus, que estão relutantes em permitir que seus filhos interajam com os outros.
O redemoinho tem complicado também sua vida pessoal. Ao voltar do trabalho numa noite recente, o Sr. Darawshe disse ter sido surpreendido quando seu filho de sete anos lhe disse que queria ser militante da luta armada quando crescesse. Seus parentes da Cisjordânia, enquanto isso, o criticam com frequência como sendo excessivamente pró-Israel.
“Essas coisas não ocorrem num vácuo … são o resultado de tudo que está acontecendo a nossa volta”, diz ele.
Para Mohammad Darawshe, o problemático relacionamento tem raízes econômicas. Após crescer em meados dos anos ’90, o investimento governamental nas aldeias árabes novamente está despencando – enquanto mais verbas fluem para assentamentos judeus na Cisjordânia e Gaza.
Ao visitar uma sala de aula de jovens estudantes árabes em Iksal numa recente manhã, o Sr. Darawshe aponta livros de texto que ainda estão em uso por alunos árabes, mas que foram substituídos anos atrás em escolas judias. Do lado de fora, mostra um sistema de esgoto entupido, estradas esburacadas e uma porção de homens desempregados matando o tempo na calçada – como resultado de um orçamento de investimentos do governo que favorece pesadamente os bairros judeus, diz ele.
Mohammed Darawshe completa: “Eu quero ajudar Israel, mas se é assim que o governo trata seus próprios cidadãos árabes, como posso convencer outros países árabes de que será um bom vizinho ?”.
Mohammad Darawshe é porta-voz do Centro Judaico-Árabe para a Paz de Givat Haviva, laureado com o Prêmio Educação pela Paz da UNESCO em 2001
[ publicado no Wall Street Journal em 09/08/02 e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]