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Os palestinos precisam de reformas democráticas imediatamente, e ataques contra civis israelenses são inaceitáveis, segundo o médico Mustafa Barghouti, 48, presidente da União dos Comitês Palestinos de Assistência Médica, uma rede de voluntários que oferece tratamento e treinamento a cerca de 700 mil pessoas na Cisjordânia e na faixa de Gaza.
Uma das maiores organizações não-governamentais palestinas, a UCPAM possui 25 centros médicos e 14 laboratórios, além de unidades de saúde móveis. Em fevereiro de 2001, recebeu um prêmio da Organização Mundial da Saúde (OMS). A seguir, trechos da entrevista que Barghouti concedeu por telefone, de Ramallah.
Folha – A Iniciativa Nacional Palestina (em prol de reformas democráticas e de uma reestruturação das forças de segurança), da qual o sr. é um dos principais idealizadores, já produziu algum resultado concreto? Qual?
Mustafa Barghouti – Sim. Nossa intenção é mostrar ao povo palestino que há uma alternativa fora de um sistema autocrático e um extremista: a democracia. Defendemos um profundo programa de reformas democráticas imediatamente. Apesar da ocupação, do cerco às cidades palestinas e do toque de recolher, a iniciativa está crescendo. Já promovemos diversos encontros e temos o apoio de palestinos no exílio, incluindo o filósofo Edward Said [nos EUA”.
Folha – O que o sr. espera das eleições palestinas? Elas vão ocorrer?
Barghouti – Só se houver uma presença internacional na região e se o Exército israelense deixar as cidades palestinas para que tenhamos liberdade de deslocamento e de escolha. Se a comunidade internacional for forte, os palestinos escolherão líderes legítimos que representem suas aspirações nacionais e que tenham um mandato claro para negociar uma solução final para o conflito.
Folha – Arafat poderia ter um papel simbólico na liderança?
Barghouti – Há muitas pessoas na Palestina capazes de substituir Arafat, mas isso não significa que ele deveria desaparecer. É uma questão que diz respeito apenas ao povo, que não deveria ser determinada por Israel ou pelos EUA. Se quisermos uma democracia de verdade, deveríamos aceitar as regras desse processo, sem impor os resultados.
Folha – A ANP afirma ter promovido reformas nos territórios. Isso está acontecendo de fato?
Barghouti – Não. Eu não vejo nenhuma mudança que possa ser chamada realmente de reforma. Tudo o que vemos são algumas reações a pressões externas. Essa não é a abordagem correta. Uma reforma verdadeira é a que vai responder às reivindicações do povo palestino, especialmente do grande grupo de desprivilegiados, pobres, desempregados e dos que querem uma liderança genuína para atingir a independência.
Folha – Qual sua opinião sobre os ataques contra civis israelenses?
Barghouti – Qualquer ataque contra civis é inaceitável, sejam eles palestinos ou israelenses. O povo palestino não precisa desse tipo de ação. Há outras formas de protestar. Recentemente, em Ramallah, promovemos um protesto pacífico em desafio à ocupação israelense. Milhares de homens e mulheres, principalmente jovens, assobiaram e usaram panelas para protestar contra o cerco e o toque de recolher. O Exército israelense respondeu com balas, mas isso não importa. O importante é que o povo aprenda o poder da não-violência. Minha crença mais profunda é que os palestinos deveriam abster-se completamente de atacar qualquer civil, mesmo se os israelenses fazem isso. Um dia, a civilização vai chegar a um ponto em que os criminosos de guerra, incluindo Ariel Sharon [premiê de Israel”, serão julgados.
Folha – Quais os piores problemas nos territórios palestinos hoje?
Barghouti – Os palestinos enfrentam um toque de recolher 24 horas por dia há mais de um mês. Ninguém pode trabalhar, fábricas e lojas estão fechadas, os estudantes não puderam prestar exames, as universidades não funcionam. O nível de pobreza atinge 75%. O índice de desemprego, 65%. A maioria das pessoas não tem acesso a cuidados médicos. Nos últimos 12 meses, ao menos 67 pessoas, incluindo grávidas, morreram por falta de acesso a médicos.
Em abril, nossos centros foram bombardeados e a maior parte do equipamento, destruída. Vários membros foram presos, 88 pessoas que trabalham conosco foram feridas. No total, 17 médicos e enfermeiras foram mortos por soldados israelenses quando tentavam ajudar pessoas feridas. Há uma punição coletiva. O atual governo de Israel quer destruir toda uma sociedade, e isso nada tem a ver com segurança, como mostram ataques contra israelenses.
Folha – O que fazer para pôr fim aos atentados e à violência?
Barghouti – É simples: encerrar a ocupação. Quando havia um processo de paz e boas intenções, a violência caiu. A ocupação é a razão da violência, mas, em vez de encerrá-la, este governo a amplia.
Folha – O sr. foi preso em 2 de janeiro? Por quê?
Barghouti – Porque eu estava em Jerusalém. Nasci em Jerusalém e, como médico, tenho de ir para lá. Naquele dia, prenderam-me e quebraram meu joelho durante o espancamento. A única razão foi que eu ousei entrar em Jerusalém Oriental, que é parte dos territórios ocupados. Eu estava na cidade onde nasci, mas minha presença foi considerada ilegal.
[ por Paulo Daniel Farah – da Folha de S.Paulo, em 28|07|2002 ]