A visita de Anwar Sadat à Jerusalém, em 1977, marcou o início do processo de paz árabe-israelense. Sua visita encorajou e impulsionou a formação de um grande movimento pacifista em Israel. Desde então, esse movimento começou a florescer, aumentar e se diferenciar. Por outro lado, o lado árabe não produziu qualquer movimento similar. Por que não há movimentos pacifistas no mundo árabe? Neste artigo, tentarei explicar, brevemente, este fenômeno misterioso.
Primeiramente, a questão acima pressupõe que existam movimentos sociais expontâneos dentro da sociedade árabe. A questão do pacifismo árabe faria mais sentido se se tratassem de movimentos sociais enraizados, baseados numa sociedade civil saudável, democrática, com liberdade de imprensa e proteção dos direitos humanos. Já que, nas últimas décadas, tal ativismo nunca existiu em sua plenitude no mundo árabe, dificilmente alguém poderia levantar a questão do pacifismo especificamente.
Em muitos países árabes, as iniciativas para tranformações políticas democráticas são desencorajadas pelo governo. A verba que deveria ser destinada a movimentos independentes é desviada para organizações “aprovadas” ou sob responsabilidade do governo. Aqueles que desejam seguir um caminho independente devem evitar completamente a política ou assumir o risco de enfrentar conseqüências desagradáveis. As atividades de caridade se concentram avidamente em tarefas não politicas e não controversas, além do fato de que movimentos políticos normalmente se distanciam da realidade social.
Em segundo lugar, é muito claro no mundo árabe que a paz é uma questão governamental; os governos árabes explicitamente monopolizam o “processo” de paz. Ninguém mais pode se infiltrar nesse assunto. Jornalistas árabes e intelectuais endossam a visão de que o governo deveria, por razões políticas, se envolver no processo de paz. Por outro lado, nós, o povo, devemos ficar isolados disso. Os governantes devem assinar alguns papéis: nós temos que ser contra a sua implementação. A esquizofrenia árabe é localmente reconhecida tanto pelo povo quanto pelo governo em palavras como “harmonia”! As poucas atividades de paz e diálogo nos países árabes são dirigidas por agentes do governo. Projetos pessoais não existem, exceto nominalmente, á claro. Além disso, o ativismo social é feito como forma de coagir o Estado. Como os políticos sempre se referem à “paz” em todos os seus discursos, por que deveríamos nos dar o trabalho de ajudar?
Em terceiro, como o pacifismo pode sequer ser imaginado, se a única narrativa que as pessoas ouvem o tempo todo é que os israelenses, todos eles, são judeus militantes que vieram para nossa terra para nos expulsar e nos matar, desempenhando seu conhecido papel na conspiração imperialista internacional contra árabes e muçulmanos? Como a paz seria possível, se é da natureza de Israel nos odiar e lutar contra nós, se todo israelense é como Sharon, e se está escrito em seu livro para nunca fazer paz conosco? Como pode haver um pacifismo árabe se dezenas de milhares – às vezes centenas de milhares – de pacifistas israelenses se manifestando pela paz ou são invisíveis ou retratados como parte integrante da conspiração de Israel desempehando seu papel para decorar a sua imagem perante o mundo?
Em quarto lugar, tanto nos níveis social e intelectual nos países árabes, a paz é muito mais associada a um estigma de globalização e de hegemonia econômica, política e cultural do Ocidente. Como tal, a palavra traz todos os tipos de “resistência”. É uma combinação. Sendo leal ao seu país ou ao nacionalismo árabe, deve-se “proteger” sua identidade e sua existência resistindo à Globalização, Normalização, Ocidentalização, McDonaldização, etc. Colocando de outra forma, é o profundo sentimento de fraqueza, derrota e insegurança que faz com que os árabes “temam” a paz.
Em quinto, para lançar um pouco mais de luz sobre o ponto anterior, eu diria que é, também, o desepero pan-árabe se espalhando de um ponto a outro e penetrando em todas as instituições árabes, setores e classes, que faz com que as pessoas não vejam esperança no futuro. “Futuro” não é uma palavra que faz parte do léxico politico árabe contemporâneo. Os árabes tentaram o socialismo e o capitalismo, capitalismo de Estado e de livre-mercado, nacionalismo e fundamentalismo islâmico, sistemas políticos monopartidários e pluripartidários, a monarquia e a república, o sistema russo e o americano assim como tradicionalismo e modernidade. Eles nos foram vendidos repletos de promessas, boas intenções e belos sonhos. Eles confiararm em seus políticos, economistas, intelectuais, líderes religiosos e ativistas sociais, que, no final, acabaram traindo-os. Por que agora eles haveriam de tentar essa nova idéia de “paz”?
Sexto: a maioria dos que correram para abraçar a paz eram, infelizmente, políticos corruptos, empresários imorais e muitos oportunistas avarentos. A paz provou-se, e tem se provado, uma boa fonte de dinheiro, seja em dólares ou em euros. Essas pessoas deram à paz uma reputação fétida. Um gato gordo fumando charuto se tornou a imagem clássica do pacifista. As pessoas perguntam: “o que os faria serem tão ativos?”
Em sétimo lugar, de todas essas razões, a mais importante é que uma clara visão da paz nunca existiu no mundo árabe. O que é essa coisa de “paz” ou o que ela quer dizer? A resposta é, de fato, desconhecida. É por isso que, para o público, ser pró-paz é ser pró-Israel e, portanto, um traidor. Para os árabes, a paz significa simplesmente o “fim da ocupação”. Esta é a paz que eles têm conhecido até agora. Israel deveria simplesmente se retirar dos territórios e assim teremos paz. Como nós, o povo, podemos ajudar nesse processo, especialmente quando “Israel” não parece que vai se retirar num futuro próximo? Ninguém responde!
Um “discurso” de paz deveria ter sido criado no mundo árabe há muito tempo. O que temos, até agora, é alguma fé superficial somada a algumas promessas econômicas de um futuro Oriente Médio onde todos são felizes e ricos. Um discurso de verdade que vá de encontro ao discurso anti-paz, seja ele nacionalista ou islâmico, com todas as suas hipóteses, conceitos, dogmas, paradigmas, estruturas, etc, não existe. Não há narrativa alternativa à história que as pessoas conhecem, e nem representação do ponto-de-vista israelense. Quase não há textos que mostrem a compelxidade da sociedade israelense e a humanidade do “Outro”. Se você procurar, insistentemtne, não por uma visão, mas por alguns dados, você não vai encontrar resposta.
Os 300-400 mil visitantes israelenses no Egito por ano, os 30-40 mil egípcios que visitam Israel por ano, as centenas de companhinas egípcias funcionando em Israel, os dezenas de milhares de egípcios que trabalham em Israel, os muitos investidores e experts em agricultura de Israel trabalhando no Egito, o número de casamentos entre árabes e israelenses, os projetos israelenses e a cooperação econômica florescendo na Jordânia e todo o resto são simplesmente desconhecidos.
Assim, como os árabes podem articular um pensamento sobre a paz? Para os árabes, fazer a paz ainda significa não fazer a guerra, já que a guerra nos faz perder nossos filhos e nossa economia! A paz é a ausência da guerra. A idéia mais incrível, para mim, é que a lógica da guerra é exatamente idêntica à lógica da paz! O ponto de partida de ambas é que não podemos derrotar Israel. As pessoas pró-guerra acreditam que deveríamos nos unir, resistir à normalização e esperar até o momento em que seja possível derrotar Israel. As pessoas pró-paz dizem “por que a gente simplesmente não pára de perder nosso tempo e desistimos da guerra?” Agora, podemos imaginar uma paz que divida sua motivação e lógica com a guerra?
Oitavo: a ocupação israelense. Ao contrário das razões anteriores, que são todas de caráter interno, esta é externa. É composta pela agressão diária israelense e opressão contra os palestinos: é a decisão do governo de Israel de construir novos assentamentos mesmo antes que o sangue derramado en Jenin secasse. É o adiamento da retirada de governos anteriores e a reocupação de áreas palestinas pelo governo atual. Em suma, os tanques israelenses estão eliminando um possível campo de paz árabe assim como os terroristas palestinos estão matando o que ainda resta do campo de paz israelense.
Por fim, e apesar de todas as questões levantadas acima, eu arriscaria dizer que há um enorme potencial para um pacifismo árabe. Esse potencial já se mostrou uma vez, numa demonstração de apoio, no Egito, ao Presidente Sadat por sua histórica visita a Jerusalém. Se sociedades pacifistas árabes independentes pudessem existir, creio que elas recrutariam um grande número de membros. Porém, já que, pela lei, apenas sociedades não políticas podem ser registradas nos países árabes, essas declarações só podem ser frutos de especulação!
Mohamed Mosaad, Cairo, Egito.
[ MohamedMosaad@hotmail.com – traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]
O Dr Mosaad, professor da Universidade de Port Said, é psiquiatra, sociálogo, educador e pacifista eg´´ipcio. É o coordenador do Abrahamic Forum, e membro do Abrahamic Forum Council, uma ONG internacional para o diálogo interreligioso. Participa também do conselho global do United Religons Initiative – URI.