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Por iniciativa do intelectual palestino Sari Nusseibeh, mais de 200 palestinos acabam de assinar no cotidiano Al Quds um apelo reclamando a cessação dos atentados suicidas.
Estas personalidades devem ter tido muita coragem para expor um apelo a cessar os atentados suicidas contra os civis em Israel.
Mesmo que a sociedade palestina seja mais realista sobre o conflito do que a opinião pública dos países árabes vizinhos, seria evidente que esta iniciativa encontraria um eco negativo, que provocaria imediatas interrogações repletas de suspeição, além de acusações diretas, hipotecando as chances dos signatários de fazerem entender suas vozes. Seria preciso coragem para lançar uma campanha onde nenhuma pessoa pudesse predizer seu sucesso.
Foi dito sobre este apelo não ser o mesmo “equilibrado”, porque não condena o terrorismo israelense. Um apelo publicado em língua árabe num jornal palestino deveria repetir pela enésima vez as evidências sobre as quais ninguém diverge? Uma vez mais, nos reencontraremos com a esterilidade do discurso árabe. E a ironia é que os críticos mais virulentos deste apelo, no quadro dessa argumentação, se conduzem como todos aqueles regimes árabes que acusam de traição qualquer um que não ponha acima de suas prioridades os slogans oficiais.
Deste ponto de vista, o momento em que este apelo foi publicado revela uma importância crucial, porque cria uma primeira brecha, não habitual, dentro da lógica em que “nenhuma voz deve se elevar sob aquela da Intifada”. Como pôde essa brecha se produzir a propósito desses atentados que tendem atualmente a “resumir” a Intifada?
A última invasão [israelense], com suas consequências desastrosas, deveria impor uma revisão rápida das práticas palestinas. Mas esta necessária revisão foi feita em apenas um sentido, pois as pressões internacionais estão cruzadas com críticas palestinas internas (e legítimas) que põem a prova a Autoridade Palestina e propõem submetê-la à “reforma”, termo que revela um significado diferente de acordo com quem o emprega. Muitos assim queriam ignorar a causa imediata dos revéses sofridos pela causa palestina.
Um fim foi posto a esta ignorância, graças a este manifesto de personalidades palestinas contra as operações visando os civis [israelenses]. Isto é o que se pode esperar, pois é tempo de os palestinos compreenderem que essas operações causam a derrota da Inrifada, não somente porque as reações israelense já custaram à sociedade palestina um preço em vidas humanas que ultrapassa em muito aquele que os israelenses pagaram, mas também porque essas operações abriram a porta, no Ocidente, a uma conspiração de silêncio que protege os projetos de Ariel Sharon.
O principal argumento dos partidários das bombas-humanas é conhecido: se afirma ser essa a única arma de que dispõem os palestinos dentro do quadro da repressão israelense, e é popular entre a juventude, pois se vale dos numerosos que se declaram prontos a se fazer explodir. Mas quem nos assegurará que esta “única arma” é eficaz ? As operações visando soldados e os colonos armados, como ontem, também não são uma arma e, diferentemente, mais eficaz? E sem mesmo mencionar os garotos da primeira Intifada …
Não subestimemos as consequências do 11 de setembro.
Mas existe igualmente um outro argumento em todos os espíritos, mesmo que ninguém o exprima assim concretamente: a guerra na Palestina chegou a um estado onde todo o mundo conta seus mortos, e estes atentados são o meio mais rápido de fazer a sociedade israelense compreender os sofrimentos do povo palestino, para que se conscientize. Ou será isso um erro completo, porque o grau de sofrimento que a sociedade israelense não será capaz de tolerar não é conhecido previamente. Temos podido observar, no curso dos últimos meses a que ponto eram falsas todas as projeções que se apoiavam sobre a experiência libanesa: Dentro de apenas um quarteirão do campo de Jenin, as perdas do exército israelense atingiram um número próximo àquele de suas perdas anuais no Líbano. Quanto às perdas econômicas decorrentes da insegurança, elas podem perfeitamente ser absorvidas dentro do quadro da ajuda sem fim aportada pelos Estados Unidos.
Mas dizer que a acumulação de atentados, dia após dia, findará por levar os israelenses e o mundo inteiro a se convencer que tudo que faz o governo Sharon é inútil, visto que ele usa uma forma de terrorismo, como nós o temos entendido da boca de certas personalidades – vide a própria esposa de Tony Blair ou Ted Turner, o fundador da CNN -, aí está uma teoria que subestima as consequências dos atentados de 11 de setembro de 2001. Com efeito, após essa data, todos que participam na “luta contra o terrorismo” se vêem igualmente afrontados. A conclusão disto acima é que justamente “nenhuma voz deve se elevar sob a luta anti-terrorista”, como bem compreendeu a Sra. Blair, que foi constrangida a apresentar suas desculpas.
Face a esse contexto. o manifesto das personalidades palestina não é apenas mais um apelo. O horizonte da coexistência pacífica entre palestinos e israelenses parece mais longe do que nunca. Mas este apelo à cessação das operações contra os civis demonstra ao menos que não se perdeu totalmente a bússola.
Ele convoca aqueles que o esqueceram, que o projeto nacional palestino nasceu do seio de uma sociedade que recusou a morte e não demanda senão viver.
[ publicado no jornal libanês ‘An Nahar’ e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]