O Fórum dos Pais Enlutados conta com mais de 200 famílias israelenses e 150 famílias palestinas que perderam seus entes queridos. O fórum representa apenas aqueles que são membros e não todas as famílias que perderam parentes.
As forças de defesa de Israel estão agindo na Cisjordânia. Infelizmente, dezenas de soldados se feriram. Todos nós temos filhos ou outros parentes no Exército. Em momentos como esse, nossos corações nos dizem que deveríamos levantar nossa moral, apoiar o Exército e o governo que, afinal de contas, está tentando garantir a segurança do nosso país. Não concordo plenamente com esse argumento.
Primeiramente, sou totalmente solidário aos soldados das Forças de Defesa de Israel. Tenho por eles o maior respeito e fico orgulhoso de tê-los como irmãos. Estes soldados têm feito tudo o que é humanamente possível para proteger os civis israelenses e têm a certeza de que é isso o que estão conseguindo. Estou certo de que, quando eles invadem o campo de refugiados de Jenin ou qualquer outro, eles acreditam piamente que estão lutando contra os terroristas suicidas e seus mentores, que os mandam a Israel para nos matar.
De fato, eles estão corretos.
O problema, para mim, é mais profundo, e remonta às raízes do conflito entre nós e os palestinos. É com a falta de habilidade de nossos líderes de enxergar a realidade como ela é. Isso é o que nos levou à situação atual e resultará, infelizmente, em mais mortes nos dois lados.
A onda de ataques terroristas contra civis em Israel, que antecedeu a incursão do exército, foi além do que uma democracia pode humanamente tolerar sem responder. Entretanto, essa situação chegou a esse ponto graças a líderes israelenses muito estúpidos. Por que algum palestino cometeria um atentado suicida em Israel? Como uma população de 3 milhões de palestinos apoiaria dezenas de terroristas suicidas? Por que o mundo democrático – liderado pelos Estados Unidos, que mataram e feriram centenas de civis inocentes em sua caçada ao Taleban e Bin Laden, no Afeganistão – pede que Israel pare de lutar contra os palestinos apesar dos ataques suicidas? O que está acontecendo aqui? Um peso, duas medidas? Além disso, vale lembrar que a Jordânia massacrou milhares de palestinos durante o Setembro Negro e o Egito tem eliminado fundamentalistas islâmicos considerados ameaças ao regime em vigor e ambos estão contra nós.
A explicação mais simplista para diferentes padrões, ou para o anti-semitismo no mundo democrático ou para o que ocorre no Egito e na Jordânia é, infelizmente, insuficiente nesse caso. Há um problema mais básico que sacode os fundamentos éticos de nossa guerra.
Com a ocupação, punimos um país inteiro pelo que indivíduos isolados fizeram contra nós e, assim, trouxemos de volta esse terríveis ataques para nosso país.
Derrubamos a Autoridade Palestina e humilhamos Arafat, que é para os palestinos o que Ben Gurion foi para nós. Entregamos-lhe Gaza e Jericó, e pedimos para que fosse presidente ou, pelo menos, liderasse a Autoridade Palestina. Porém, ao mesmo tempo, recusamos entregar-lhe a soberania sobre seu povo e seu país. Nós estraçalhamos a economia palestina e tampouco lhe demos independência nesse setor. E ainda ordenamos que acabe com os terroristas que nos têm atacado. Desde setembro de 2000, os palestinos reuniram um exército de terroristas suicidas e perpetraram ataques terríveis contra nós. Isso porque, desde essa data, eles perceberam que não têm nada a perder.
De modo algum eu justifico a morte de mulheres, crianças ou qualquer outro civil. Como israelense, lamento a morte de meus compatriotas. Durante muitos anos, eu considerei os que mataram o meu filho Arik como terroristas do Hamas.
Contudo, nos últimos dois anos, eu parei de vê-los como terroristas palestinos e passei a enxergá-los como soldados palestinos. Seria muito fácil odiar os terroristas pela morte de meu filho. Mas creio que seja incorreto classificá-los “terroristas” pois, se assim fosse, deveríamos lutar duramente contra eles, o que significa lutar contra a população civil palestina – uma guerra que não podemos vencer. É meu dever ver as coisas como elas realmente são e tentar, com isso, propor uma solução.
Sim, aqueles que mataram meu filho eram palestinos lutando pela liberdade. É precisamente por causa disso que eu devo procurar o que fazer para acabar com essa luta. Devo fazer tudo o que está a meu alcance para que meu outro filho não seja igualmente morto por um palestino.
O mundo democrático, liderado pelos Estados Unidos, está, de fato, lutando contra o mal, já que lutam contra Bin Laden e o Taleban, uma vez que seu objetivo é destruir as democracias e o capitalismo. Os jordanianos, cujo governo estava à beira do colapso graças àqueles a quem eles deram abrigo contra os israelenses, não tiveram escolha senão a de lutar contra os palestinos. E os egípcios estão lutando contra aqueles que desejam destituir o governo em prol do fundamentalismo islâmico. Sua única saída era lutar contra o mal. Assim, todos os argumentos contra a continuidade da ocupação israelense nos territórios estão bem fundamentados.
Aparentemente, a solução é simples: uma vez acabada a ocupação, não haverá mais conflitos. Até a Arábia Saudita está pronta para um passo que daria aos israelenses a paz que eles tanto desejam. Mas as coisas não são assim tão simples.
Israel não pode simplesmente sair das regiões ocupadas, pois isso causaria uma guerra civil dentro de suas fronteiras. Enquanto os israelenses dizem que há 200 mil colonos na Cisjordânia e Faixa de Gaza, os palestinos apontam a existência de 500 mil colonos nessa região e nos arredores de Jerusalém. Se Israel abrir mão de todos os territórios ocupados, os israelenses se rebelarão.
Já que isso seria uma atitude insensata, uma troca de terras foi acordada. Sob essa perspectiva, Israel deve se retirar de cerca de 93% da Cisjordânia e Gaza e, em troca da anexação dos 7% retantes, Israel daria aos palestinos o equivalente em terras próximas à Gaza.
O Presidente Clinton chegou a porpor essa solução. Por que Arafat não quis aceitá-la? Porque Arafat exigiu soberania sobre Haram al-Sharif, o Monte do Templo, e, sem esta condição satisfeita, não se sentiu preparado para chegar a um acordo de paz com Israel. Os palestinos concordam em deixar para Israel o Muro das Lamentações, o bairro judaico e parte do bairro armênio, mas Barak relutou em ceder o Monte do Templo.
O problema dos refugiados palestinos pode ser resolvido sem transtornos para Israel. Nem a proposta Saudita fala num retorno de todos os palestinos. Em conversas com Arafat e outros líderes palestinos, percebi que nem eles mesmos pretendem exigir o retorno de todos os refugiados palestinos a Israel.
Ao contrário, a idéia é encontrar uma solução que se adeqüe aos dois lados, incluindo compensações aos que não retornarem.
Parece que o conflito entre entre israelenses e palestinos conseguiu parar a guerra contra o verdadeiro perigo, que ameaça as democracias no geral e, em especial, Israel: a guerra entre Irã e Iraque que, em breve, desenvolverão armamentos não convencionais e poderão destruir Israel e destituir governos árabes como Egito, Jordânia, Arábia Saudita e Kwait e espalhar o caos pelo mundo democrático, incluindo os Estados Unidos.
Os americanos, ou pelos menos alguns deles, parecem entender isso e têm tentado pôr um fim ao conflito árabe-israelense. Esta postura é bem recente. A visão americana, desde os anos 80, é a de que o conflito no Oriente Médio não os ameaça e, portanto, o melhor a fazer é ficar fora dele e deixar que árabes e israelenses se matem e resolvam seus problemas.
Além disso, um outro front pode se desenvolver entre o Líbano e a Síria, o que seria catastrófico.
Devemos trabalhar incessantemente para explicar aos palestinos e, principalmente, aos israelenses, o preço que teremos que pagar se não chegarmos a um acordo de paz com palestinos, sírios e libaneses.
Qualquer um que, verdadeiramente, se importe com Israel deve agir de modo a fazer com que Sharon e Arafat cheguem a um acordo.
Dizer que agora não é o momento de mudar a opinião pública, na melhor das hipóteses, é um recusa deliberada a encarar a realidade. Na pior, é simplesmente perigoso.
Yitzhak Frankenthal é rabino, presidente do Fórum dos Pais Enlutados pela Reconciliação, Tolerância e Paz, que congrega famílias israelenses e palestinas.
Traduzido por Carolina Meyer para o PAZ AGORA|BR.