Para Arik, do Papai
Esperando por seu nascimento, meu primeiro filho,
Esmagado pelo sentimento de paternidade que eu nem sabia que existia
Nem todos entendem as emoções:
Apenas aqueles que conhecem a alegria da criação sabem o que é a paternidade.
Antes que eu criasse você, eu já te conhecia
E, agora,
O mais maravilhoso milagre nasceu – o laço com meu criador
Meu parceiro – o criador,
Algo do nada
Inundando sentimentos paternais,
Saindo de cada veia emocional
Dentro de mim
E eu estou nas nuvens
Mudado para sempre –
Não sou o mesmo Yitzhak de antes, Arik –
Você é parte de mim, como sou de você,
Tocado por seu primeiro choro
Emocionado com seus pézinhos,
Dedinhos,
Antes do Brit [circuncisão],
Na minha noite insone,
Ansioso para o que esperava meu bebê
Eu me lembrei, lembrei do pacto
Entre Deus e seu povo,
O mandamento divino
O pacto – o Brit
E me lembro – minha vida em seu sangue
Confortando-me saber que se eu me esquecer,
A criança também esquecerá.
O bebê cresceu,
E eu estou emocionado com seu sorriso inocente
Me acabando de alegria
Quando seu primeiro dente nasceu
E o bebê cresceu,
com seus olhos azuis,
cabelos dourados
E eu não me contenho de orgulho e alegria,
Meu coração bate mais forte a cada susto,
Quando ele se machuca,
Eu me machuco
Quando ele está doente,
Eu sinto dor
Quando ele sorri,
Fico fora de mim,
Sua alegria é a minha alegria
Feliz por trocar fraldas
Para aliviar seu sofrimento
E, de repente,
cada roupinha
me traz uma alegria especial
Ele, meu filho,
Dou-lhe todos os brinquedos
Sua alegria é a minha alegria
E de repente eu percebo
Este rapazote é meu
E eu lhe dou um banho de amor
Já que acredito no amor
E ele me dá amor em troca
Um beijo com orgulho
Um beijo com amor
Um abraço amigo
E a criança cresceu.
Divido com ele seus amores
e seus desesperos.
Temos uma linguagem especial
sem voz,
a linguagem dos olhos
que ele compreendia.
E a criança cresceu.
E quando ele foi para o deserto da Judéia
Quando ele colocou brincos,
Brincou
Riu,
Sorriu
Eu lhe disse:
Tomara que sua alegria seja de verdade,
que seu sorriso venha de dentro
e ele me entendeu.
Quando ele discutia com amigos
Sobre coisas importantes
Eu ficava orgulhosos de sua postura
Quando ele argumentava,
E argumentava…
Arik sorria.
E quando eu estava p.. da vida,
Ele era o otimista.
A criança cresceu,
Foi para o Exército,
E lutou para estar nas frentes de combate,
Quando ele caminhava à exaustão,
seu espírito estava intacto,
e ele continuava.
E lutou por seu direito de continuar sua jornada.
Quando ele veio de férias,
Exultante por sua colocação nas frentes de combate
Com um enorme sorriso…
Era viciado no Exército,
visto como dever à sociedade
Um privilégio
Eu lhe disse,
antes que se alistasse:
quando ele pedia alguma coisa,
antes de se alistar
Eu lhe disse:
Arik,
O Exército não é um dever.
O Exército é um privilégio.
É poder retribuir o que você recebeu da sociedade.
E, agora,
É hora de retribuir
E Arik,
Com um sorriso em seu rosto,
Quando voltou à sua base militar,
armado com um sorriso,
celebrando seu alistamento,
Estava transbordando alegria
O sorriso de sempre.
E eu tenho certeza de que, quando ele subiu no veículo da morte,
Ele estava com aquele sorriso,
Cheio de boas intenções,
E alegria.
Como ele se sentiu nos momentos de medo
quando pressentiu a armadilha?
O que passou por sua mente?
Ele sentiu a primeira bala?
A segunda?
A terceira?
Ou a faca que foi empunhada?
Sentiu o medo se aproximando?
Teve tempo de se preparar para a morte?
Será que ele morreu depressa?
Será que ele sofreu?
Sentiu alguma coisa?
Será que ele apelou aos céus?
Será que ele lutou
por cada milésimo de segundo?
Será que isso aconteceu enquanto ele subia no veículo?
Ou poucos minutos depois?
Será que ele teve tempo de se dar conta do que acontecia?
O que passou por sua cabeça
no último segundo?
Shmá [Ouça] Israel,
Ele viu seus pais?
seus irmãos?
seus amigos?
a grama verde?
O moshav [fazenda coletiva]?
O kibutz?
o celeiro?
A yeshivá [escola rabínica] ?
Ele se lembrou do carinho?
Será que ele pensou…
Em que?
Em Deus todo poderoso…
Será que ele, naquele segundo
Viu,
Ou sentiu, ou
será que ele estava paralisado pelo medo?
Será que ele estava absorvido pela dor?
pelo medo?
Será que ele, por algum momento,
se deu conta
de que era seu último segundo?
Um Deus..
Em que Deus será que ele pensou?
Antes de se tornar um anjo…
E a maior de todas as perguntas,
Por quê?
E a resposta implacável
A voz do silêncio…
Sem carinhos de amor,
Sem olhar de compreensão,
Sem os olhos azuis
Nem os cabelos dourados
Sem seu cheiro
O cheiro de Arik…
Sem sorrisos mágicos,
Nem alegria de viver
Não há mais um filho que cresceu
Brincando por aí…
O filho se foi
O irmão se foi
O neto se foi
O amigo se foi.
Do funeral eu me lembro de seu caixão
coberto com a bandeira…
bandeira que, desde então,
aparece pra mim como um misto de
cobertor para Arik
e uma cobertura para o vazio
Queria abrir seu caixão,
Abraçá-lo,
Beijá-lo,
Dizer-lhe adeus,
pela última vez.
Filho,
Meu querido filho
Meu amado filho,
Queria ter morrido em seu lugar…
Venha..
Tome o meu lugar
Volte a viver..
E eu…
Que segui o carro das pessoas
Ainda não consigo acreditar
Arik está aí dentro?
Está usando suas roupas?
Está transbordando sangue?
Seus órgãos estão intactos?
E eu vou atrás do caixão, pensando,
Isso só pode ser um sonho…
Vejo as pessoas ao redor,
E percebo:
Isso não é um sonho…
São as lembranças de Arik…
E eu me recuso a aceitar
Quero gritar,
De dor, de desespero
Eu choro e vislumbro
Arik está lá?
Yitgadal Veyitkadash… [Prece pelos Mortos, em aramaico].
Na sua cova,
Logo no começo,
Pensando longe de mim,
Sobre os vermes,
As formigas
A pele e os ossos,
a refeição da morte aos palhaços da terra
um banquete às custas da carne de Arik,
Shmaya Raba, ferido para sempre
E eu me lembro
do relógio que me devolveram
Cheio de sangue
Sua “coleirinha” cheia de sangue
o sangue de Arik…
Queimei-a junto com ele em seu aniversário
Um presente que eu lhe dei,
de aniversário
Sangue por sangue
Para sempre tocado…
E o pensamento no banquete
Não me deu sossego…
Mas apenas no começo.
Mais tarde, me dei conta de que Arik estava comigo,
E, de verdade,
Arik está comigo em todos os lugares,
E os pensamentos dolorosos,
Sobre o que acontece com ele “lá”…
O que é “lá”?
Se “lá” é “lá”, o que é lá?
Será que vamos nos reconhecer quando nos reencontrarmos?
Você se lembr a do começo?
A paternidade e seu recém nascido?
O sentimento de vazio também…
Sentimentos…
A medida da dor do vazio,
O vazio sentimento de dor,
O sentimento que brota da dor,
Sem vitalidade.
Mas dor
A linguagem que os de fora não entendem
Um presente
Para aquele que não entende
É uma linguagem
Uma linguagem silenciosa
Não escrita…
Não vista,
Não ouvida,
A linguagem do vazio
A linguagem do tato
Do contraste
O oposto do “ser”
O contraste da alegria
Da vitalidade de uma criança viva
O contrário daquele que enterra seu filho
O oposto da pedra fundamental, uma canção
E a tristeza,
Misturada à realidade..
A perda de sentimentos
e a tristeza
remetendo ao passado,
Tudo como era antes.
Poucos minutos
Como é difícil
encontrar palavras
Que irão aos cavaleiros de Deus
Baruch Dayan Emet.
E eu,
Fiz um pacto eterno,
Com meu sangue
Baruch Dayan Emet,
Abençoado aquele que dá
Abençoado aquele que retorna
Meu Deus
O sopro que o Senhor me deu
Modeh Ani Lefaneyha,
Yeheh Shmayah Raba Mevorach,
Yitzhak Frankenthal é rabino, presidente do Fórum dos Pais Enlutados pela Reconciliação, Tolerância e Paz, que congrega famílias israelenses e palestinas.
[Tradução de Carolina Meyer para o PAZ AGORA|BR]