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Um pensamento dedicado à memória de George Orwell: o governo de Ariel Sharon recusou-se a construir um efetivo muro de defesa ao longo da fronteira com a Cisjordânia – que impedisse a entrada de terroristas palestinos de entrar em Israel – porque tal barreira significaria que tal fronteira existe.
Ao invés disto, Ariel Sharon lançou uma invasão massiva das cidades palestinas e dos campos de refugiados. A ofensiva foi denominada Operação Muralha Defensiva.
Para aumentar as dúvidas em Israel, a operação, ao menos nos seus primeiros dias, provocou reações que variaram da fúria à piedade. A explosão na noite de Seder em Netanya, a explosão e as sirenes e funerais e fotos de mortos nos jornais inspiraram não o debate mas a certeza firme de que não havia escolha. Reservistas responderam voluntariosos à convocação.
Quando Yossi Sarid, líder da oposição de esquerda, ousou criticar na Knesset, um deputado de direita respondeu com uma palavra que estava virtualmente banida do discurso público desde o assassinato de Rabin: “Traidor!”. Que outra razão além da perfídia inspiraria tais críticas?
Como o número de soldados mortos entre Jenin e Nablus afetará a atmosfera de opiniões é o que todos querem saber: se o próximo ataque terrorista provocará questões sobre a efetividade da operação ou arregimentará mais apoio. Se os reservistas voltarem para casa satisfeitos ou amargos, assim como voltaram os outrora voluntariosos reservistas que atuaram na Guerra do Líbano…
Mas o que de fato inspira críticas é a preocupação central sobre a segurança de Israel. A ofensiva faz sentido apenas se a observamos através do buraco da fechadura – como se a história começasse com o derramamento de sangue em Netanya, como se os objetivos da invasão fossem apenas capturar terroristas e suas armas.
Observe-se o quadro em uma perspectiva mais abrangente, e a operação é parte de uma estratégia que ameaça nosso futuro.
Deixe de lado questões de quantos terroristas foram capturados versus quantos novos recrutas aliaram-se ao Hamas após a invasão, ou quantos explosivos serão montados para compensar aqueles que o exército israelense destruiu. Por enquanto, a organização do terror foi ferida. Nenhuma “infra-estrutura do terror” foi desenraizada porque tal termo é uma ilusão. Como o analista estratégico Reuven Pedatzur, da Universidade de Tel Aviv apontou, o terrorismo não tem infra-estrutura: não tem aeroportos para serem bombardeados, nem artilharia para ser destruída.
Mas o exército não foi mandado apenas para capturar terroristas; ele foi mandado para destruir a AP – como um governo civil e um regime capaz de exercer o poder.
O cientista político Khalil Shikaki, residente de Ramallah, diz que quando o bloqueio sobre a oficiosa capital palestina foi levantado por algumas poucas horas e ele pode sair às ruas,“eu não pude ver nenhuma instituição pública que não tivesse sido destruída”. O Ministério da Educação, a 100 metros de sua casa, foi derrubado; soldados removiam os computadores dos escritórios do conselho legislativo palestino.
Mas o exemplo crucial é o do sítio do quartel general de Jibril Rajoub, próximo a Ramallah. A base de Rajoub era a última força de segurança coesa na Cisjordânia, e Rajoub era um dos poucos promotores restantes do processo político. Os homens procurados que o exército vasculhou em sua base eram militantes islâmicos que ele aprisionou – e o fato de que eles caíram nas mãos israelenses o descredenciam politicamente de forma tão certa quanto a destruição de se QG o deixa sem “dentes”.
Quando Ariel Sharon exige que a AP declare o cessar fogo, ele estava ciente de que a AP era incapaz de implementar um. Enquanto autoridades israelenses reivindicam que Israel gostaria de ver moderados substituindo Yasser Arafat, as ações do exército israelense não deixaram nem moderados, nem uma AP para ser liderada.
Isso combina com um antigo padrão da política de Sharon. Desde sua chegada ao cargo, o primeiro ministro exerceu pressão militar contra a AP enquanto evitava progresso diplomático. Em janeiro, depois de que um cessar fogo trouxe semanas de relativa calma e esperanças para a diplomacia, Ariel Sharon aprovou o assassinato de Raed el-Karmi, o líder da Tanzim em Tul-Karm, e a escalada iniciou-se novamente. Karmi era um assassino, mas ele estava respeitando o cessar fogo. Talvez o Tanzim estivesse apenas esperando um pretexto para acabar com a calma. Ariel Sharon providenciou tal pretexto.
Em março, Ariel Sharon tentou limitar o impacto do plano de paz saudita através da detenção de Arafat em Ramallah, impedindo-o de ir ao encontro árabe. Ariel Sharon reuniu o gabinete para discutir a ofensiva antes do ataque a Netanya. O ataque terrorista providenciou o apoio público e o empurrão inicial de George W. Bush.
Para o futuro, Ariel Sharon disse que quer um acordo que criará um estado palestino em 42% da Cisjordânia. Este é o tamanho do enclave que passou ao mandato palestino após Oslo. No improvável caso que ele encontre palestinos desejando atuar como líderes desse “Estado”, eles teriam que depender da força militar israelense para se manter. O supostamente independente Estado palestino iria se parecer notavelmente com um Bantustão sul-africano dos dias do grande apartheid, e geraria reconhecimento internacional semelhante.
Mas com a AP em ruínas, é mais provável que os planos de Ariel Sharon de esperar pelo caos e por novos ataques terroristas justifiquem a reocupação permanente.
Em qualquer caso, o resultado será o extremo oposto à segurança para Israel. Com o fim da AP, diz Menachem Klein da Universidade Bar-Ilan, expert em política palestina, “o movimento nacional palestino se reorganizará de baixo para cima para uma luta armada”. Tempos atrás, antes da primeira intifada, Israel precisava de um punhado de tropas para controlar a Cisjordânia. Tirava-se proveito de vantagens estratégicas tais como da profundidade territorial, fronteiras naturais e de postos de alerta. Sob as condições que Ariel Sharon está criando, controlar os territórios requererá ainda mais tropas, afastando soldados de treinamentos contra outras ameaças que o país enfrenta.
Enquanto isso, o isolamento internacional aumentará o preço que cobra. A ofensiva de Ariel Sharon motivou alguns movimentos na Europa por sançoes econômicas. Licenças de exportação para componentes alemães de tanques israelenses Merkavá foram inexplicavelmente suspensos, de acordo com um relatório de imprensa recente. Esses são apenas os primeiros sinais dos riscos da política de Sharon.
Israel não deve sob hipótese alguma aceitar ataques terroristas sem responder. Mas os meios militares que um governo escolhe dependem de sua visão política. A visão de Ariel Sharon é a do permanente controle da Gaza e da Cisjordânia e a dominação do povo que mora lá. Esta visão e os meios que escolheu para alcançá-la enfraquecem Israel e o coloca em perigo.
São o extremo oposto de uma muralha defensiva.
[ publicado no Jerusalem Report em 06|05|2002 – traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]