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Para rabino, a maior ameaça à paz é o fundamentalismo
“A religião nas mãos de um fundamentalista é dinamite nas mãos de uma criança”, assim Henry Sobel, 57, presidente do rabinato da Congregação Israelita Paulista (CIP) definiu a raiz dos atentados aos Estados Unidos.
Para ele, a maior ameaça à paz mundial é o fundamentalismo religioso. “E cada religião tem os seus fundamentalistas.”
Comentando as declarações contidas em um fax escrito por Osama bin Laden, que dizia haver uma conspiração judaico-cristã contra o islã, o rabino respondeu: “O islamismo é uma religião que também santifica a vida e esses terroristas muçulmanos estão desrespeitando a sua própria religião. Não existe nenhuma conspiração, existe uma aliança a favor da ética entre judeus, cristãos, muçulmanos moderados e os homens de bem de todos os credos”.
Leia a seguir a entrevista que ele concedeu à Folha, em São Paulo.
Folha – O que o sr. pensa que o mundo deve fazer para evitar ataques como os dos EUA no dia 11?
Henry Sobel – Em primeiro lugar, é preciso conscientizar o mundo de que o problema é internacional. Os ataques não atingiram só os EUA, mas toda a humanidade. O mundo deve tomar uma posição categórica contra o terror. Enquanto não se livrar dessas bestas humanas que não dão valor à vida, não haverá lugar seguro.
Em segundo, devemos aumentar a segurança, devemos ter cada vez mais cautela, sabendo que o inimigo é invisível e secreto.
Em terceiro, temos de tomar o maior cuidado para não acusar os muçulmanos coletivamente. A maioria dos árabes e muçulmanos não apóia o terror. É imprescindível evitar a intolerância, pois foi a intolerância religiosa que provocou essa crise. A história está repleta de perseguições religiosas de que já foram vítimas todos os credos. Não vamos repetir os erros do passado.
Quanto ao futuro, vamos educar as próximas gerações. Ensinar que a religião significa ética e que ética significa a santificação da vida humana. A vida é sagrada, e a religião tem a obrigação de fomentar a paz e a tolerância.
Folha – O que acha do uso da religião para justificar o terrorismo?
Sobel -É uma abominação. Usar a religião para justificar o terror é deturpar a própria religião.
Folha – O Vaticano se mostrou aberto a aceitar uma resposta violenta por parte do EUA. O que o sr. achou da declaração do porta-voz do papa João Paulo 2º?
Sobel – Achei muito sensata. Trata-se de autodefesa, de ter um mundo seguro para nossos filhos. O papa está tão comprometido com a santidade da vida quanto qualquer outro líder religioso. Eu achei muito coerente. A vítima no dia 11 foi o ser humano. O papa é um homem de bem e, como tal, ele não quer que a barbárie se alastre pelo mundo. As pessoas de bem querem o fim do terror.
Folha – Como o sr. acha que os últimos fatos vão afetar o conflito entre palestinos e israelenses?
Sobel -Gostaria de crer que só o impacto das atrocidades cometidas nos EUA seria necessário para que os radicais do Oriente Médio se conscientizassem de que o terror não é a solução.
No entanto, não vejo isso acontecer. Uma cena que não sai da minha cabeça é o momento em que vi aqueles palestinos dançando pelas ruas para festejar a morte de milhares de seres humanos. Quando vi a cena, cheguei à conclusão de que a volta à mesa de negociações ainda é prematura.
Infelizmente, sou obrigado a perceber que corações empedernidos pelo ódio não se sensibilizam em nenhuma circunstância.
Não vejo uma solução a curto e médio prazo. A paz não virá por obra e graça de um grande líder, nem por providência divina. A paz virá quando cada um de nós se conscientizar da sua responsabilidade perante a sociedade em que vive. É preciso educar para a paz, é preciso ensinar a essência da religião. A religião nas mãos de um fundamentalista é dinamite nas mãos de uma criança.
Folha – Que atitude o sr. acha que o Brasil deve tomar?
Sobel -O Brasil tem autoridades competentes nas quais devemos confiar. O Brasil tem uma tradição humanista de lutar contra a violência e a discriminação. Acredito que o terrorismo poderá ser combatido somente se houver um concerto dos países civilizados para reprimir e, se possível, destrui-lo, e o Brasil tem um papel muito importante nesse contexto.
O pressuposto da paz é a justiça. Se não houver justiça, nunca alcançaremos a paz. Eu confio que o Brasil vá, através dos meios legais e morais, fazer parte de uma coalizão contra o terror.
Folha – Essa coalizão passaria pela Organização das Nações Unidas?
Sobel -Sim e não. Eu acho que a ONU é uma organização bem intencionada, mas nem sempre eficaz. Quando falei em meios eficazes, estava pensando em iniciativas individuais de governos, para alertar para a existência de um inimigo comum. Somente se enfrentarmos esse inimigo em conjunto, poderemos alcançar a vitória. Não estou falando em retaliação. Não estou sugerindo matar 6.000 pessoas em outro país para vingar a morte de 6.000 pessoas nos EUA. Estou falando em evitar que atos terroristas se repitam.
Folha – A comunidade judaica brasileira reforçou a segurança depois dos atentados?
Sobel -Sim. Na Congregação Israelita Paulista e nos clubes dobramos a segurança.
Folha – O sr. acredita que a comunidade brasileira possa vir a ser alvo de atentados como os dos EUA ou como o que aconteceu em Buenos Aires?
Sobel -Na Argentina, uma instituição judaica foi o alvo. Nos EUA, as vítimas eram de 60 nações e de todos os credos. O terror usa qualquer comunidade como alvo. Quando falo em medidas preventivas, quero ressaltar que a passividade só beneficia o agressor, nunca a vítima. Falo com conhecimento de causa, porque o povo judeu sofreu o Holocausto, e o mundo ficou calado. No mundo inteiro ainda existem genocídios. O mundo civilizado deve reagir contra o terror. Embora nem todas as nações concordem com os EUA, o mundo deve somar forças à denúncia do terror.
[ entrevista do rabino Henry Sobel para Guilherme Solari publicada pela Folha de S. Paulo em 26/9/2001 ]