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O que uma pessoa informada entre nós (seja judia ou árabe) vê como perspectiva para a escalada sangrenta de eventos no conflito palestino-israelense? Esta é uma questão que todos nós (sejamos bem informados ou queiramos sê-lo) deve considerar de maneira paciente e isenta.
Certamente, nenhuma pessoa racional do lado israelense espera que este conflito possa ser resolvido pela remoção do povo palestino da histórica Palestina. Similarmente, nenhuma pessoa sã do lado palestino espera alcançar a desejada paz por meio da remoção do povo judeu desta terra. Ambos os povos existem e, com toda probabilidade, continuarão a existir. Portanto, a luta entre eles continuará, a não ser que eles ponham um fim nela.
Seguramente também, por outro lado, nenhuma pessoa sã do lado israelense espera que Israel seja capaz de trazer segurança e estabilidade impondo pela força uma decisão sobre o povo palestino. Mas igual e reciprocamente, os israelenses não serão capazes de aceitar soluções que lhes sejam impostas pela força. A força, portanto, não produzirá estabilidade nem uma segurança relativamente permanente, por não ser a força uma propriedade exclusiva de qualquer lado sobre o outro.
Tudo isso significa que, quando qualquer pessoa informada olha para frente, tudo que pode ver é ou um futuro cheio de confrontos e sangue, ou a necessidade lógica de uma solução pacífica e negociada.
Alguns podem dizer: “Mas nós tentamos o processo de paz e ele fracassou!” (com cada lado apresentando razões para o fracasso de seu próprio ponto de vista). Podem continuar se acusando mutuamente de deliberadamente prolongar as confrontações, alegando que o outro lado nunca desejou a paz, em primeiro lugar, e concluindo que a teoria em que a solução pacífica para o conflito se baseia é, portanto, inválida, e que paz não é uma opção realista.
É verdade que o processo de paz falhou, mas deve ser perguntado: “Fracassou a teoria ou apenas sua implementação? Somos o único lado que acredita na paz?
Em minha opinião, a falta não reside na teoria: está na forma que ela tomou e no modo em que foi implementada.
Por que digo que a falha não está na teoria ?
De um ponto de vista israelense, não conseguir uma solução, gradualmente coloca Israel em perigo. Cedo ou tarde, Israel irá se encontrar tornando-se ou um estado racista – como o regime de apartheid que existiu na África do Sul – que será incapaz de trazer segurança ou paz a seus cidadãos, ou tornando-se um estado binacional que perderá seu caráter judaico. Ambas as conseqüências representam um problema estratégico para Israel e requerem medidas proativas para evitá-las. Assim, estrategicamente, Israel necessita de uma solução.
Do lado palestino, o sonho de uma identidade nacional dentro de uma entidade política apenas pode ser concretizado através de um estado nacional separado (ou independente). Deixar tal objetivo se perder, ou fixar um objetivo além deste, apenas empurrará os palestinos para um confronto demográfico e estratégico com os israelenses, cuja melhor conseqüência, do seu ponto de vista, produzirá um quadro político no qual a identidade nacional palestina não será a identidade política predominante do Estado. Assim, a solução (pacífica) também é um pressuposto estratégico para os palestinos.
O bom senso, portanto, diz que uma solução conjunta para os problemas palestinos e israelenses – e não apenas para cada lado isoladamente – envolve a conclusão de uma paz definitiva entre os dois povos.
A teoria de que tal solução deve ser baseada no estabelecimento de dois Estados vizinhos – mas separados – também permanece válida, na medida em que tal solução é praticável, tanto geográfica quanto demograficamente. Neste contexto, é importante apontar que o tempo não pára esperando que a gente retorne à sanidade.
Mas se, em teoria, a paz é uma saída válida, por que falhamos na sua implementação? Será porque o outro lado não acredita na paz? Ou será porque o outro lado do conflito não se comporta com sanidade?
Há, certamente, diversas razões para esta falha. Mas, em minha opinião, pode-se identificar três obstáculos fundamentais para uma solução. Estes obstáculos, direta ou indiretamente, continuarão a impedir seu progresso.
Portanto, se a paz deve ser alcançada, ambos os povos devem enfrentar estes obstáculos e tomá-los em consideração. Estes podem ser descritos como posições políticas rígidas ou estados psicológicos profundamente arraigados. O primeiro é palestino, o segundo israelense, e o terceiro é comum aos dois.
O primeiro obstáculo, de uma perspectiva palestina, é a delineação fixada emocionalmente pelo povo palestino das áreas ocupadas em 1967 como o espaço geográfico-político para o estabelecimento de um Estado palestino. Como resultado, tentativas por Israel de reduzir este espaço de uma forma ou outra (pela procrastinação, confisco de terras, assentamentos, e outras) certamente levarão as negociações ao fracasso.
O segundo obstáculo, de uma perspectiva israelense, é a renitente rejeição por Israel do “princípio do direito de retorno”, ou sua recusa de aceitar ondas de refugiados para seu território. Uma vez mais, a conclusão clara é que a insistência dos palestinos para que Israel permita a estes refugiados retornar às suas casas e terras de origem, também leva ao fracasso.
O terceiro obstáculo, comum a ambos os povos, é Jerusalém. Nenhum dos dois lados está preparado para renunciar à cidade. Isto significa que uma solução, caso exista, deve ser concebida de uma maneira em que ambos os lados venham a partilhar a cidade através de uma soberania comum. As sugestões do ex-presidente Bill Clinton neste aspecto, durante os dias finais de seu mandato, podem servir como base para tal projeto.
Se o primeiro passo no processo de paz não envolver um esforço concertado por ambos os lados para encarar os temas acima, não haverá um passo final no processo. Soluções políticas transitórias [que os ignorem] (política de estágios, planos como o relatório Mitchell, as recomendações Tenet, etc.) não conduzirão à almejada paz.
Em minha visão, este temas que apontei são assuntos sobre os quais todas pessoas racionais entre nós devem se aprofundar internamente. Não são nem temas estranhos nem novos, mas coisas que todos já conhecemos.
Poderá, então, a voz da razão, em ambos os lados, ser despertada para nos libertar desta trágica situação? Ou deixaremos nosso destino comum para oportunistas – aqueles que se aproveitam da destruição – e outros?
Sari Nusseibeh foi representante da OLP para assuntos de Jerusalém e é presidente da Universidade Al Quds , em Jerusalém Oriental e membro da Coalizão Israelense-Palestina pela Paz.
[ publicado simultaneamente em jornais israelenses e no jornal palestino Al Quds, e traduzido por Moisés Storch a partir da versão inglesa publicada na newsletter Spirit Matters do rabino Michael Lerner ]