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No rico debate sobre o Oriente Médio realizado ontem na PUC/SP, entre várias temas abordados, um me chamou particular atenção, mas pelo adiantado da hora não foi possível aprofundá-lo: a falácia extremamente difundida pela propaganda pan-arabista – e apressadamente adotada por uma “esquerda” mal informada – de simplificar o sionismo como sendo uma ideologia vinculada ao enquistamento de uma entidade ocidental colonialista e imperialista no Oriente Médio, onde Israel seria a “ponta de lança do imperialismo yankee no Oriente Médio”, mero instrumento para opressão do povo árabe pelos americanos.
Causou-me espanto ver esta mesma falácia ser repetida com convicção por um dos participantes do debate. Talvez o auditório e o próprio acadêmico de origem árabe que a proferiu não tenham sido suficientemente esclarecidos pela intervenção de um membro da platéia que, com muita propriedade e através do resgate de fatos históricos incontestáveis, rebateu este preconceito anti-sionista, ao relatar o fato de a criação do Estado de Israel ter sido essencialmente obra de uma maioria de sionistas progressistas, imbuídos de ideais humanitários e socialistas, citando ainda que o primeiro voto na ONU pela partilha da Palestina entre árabes e judeus, em 1947, foi proferido por Gromiko, representando a então URSS, o qual, nas palavras do colega, proferiu na ocasião uma das mais perfeitas definições e defesas do ideal sionista.
Desconstruir falácias e se despir dos preconceitos são os primeiros passos para o entendimento do Outro.
Israel e sionismo nada têm, em sua essência, a ver com imperialismo e colonialismo, e se hoje tem como principal aliado os Estados Unidos, este é um fato decorrente da evolução histórica da geopolítica mundial e do Oriente Médio, e não de algum suposto alinhamento ideológico automático.
Se meditarmos um pouco mais sobre a figura de ‘ponta de lança’, podemos verificar que ela pode ser atribuída com mais justeza, para sua infelicidade, ao povo palestino. Analisando a história do conflito do Oriente Médio, fica claro que a população árabe da Palestina, no decorrer de mais de meio século de sua sofrida história, tem sido usada como bucha de canhão para os interesses dos regimes mais autoritários e reacionários árabes, em que uma ideologia pan-arabista – desenvolvida para perpetuar sua opressão sobre vastas populações despossuídas e oprimidas por pequenas mas poderosas elites e castas – tem manipulado seus sistemas de (des)informação e (des)educação para atribuir à “entidade sionista” (o ‘Pequeno Satã’) e aos Estados Unidos (o “Grande Satã”), a origem de todos os males, desviando a atenção das populações das reais origens de sua miséria.
A instrumentalização do sofrimento do povo árabe-palestino pelo pan-arabismo extremado ficou patente quando qualquer aspiração à auto-determinação desta população foi frustrada em 1948, não por Israel, mas pelos países árabes (de regimes conservadores e autoritários) que recusaram a Partilha referendada pelo concerto das nações em 1947 e aceita expressa e explicitamente pelo movimento sionista e pelos líderes do embrionário Estado Judeu.
Falaciosos “historiadores” de hoje ignoram que, de 1948 a 1967, o ocupante opressor de Cisjordânia e Gaza não foi Israel, mas sim o Egito e a Jordânia, países árabes que ao lado de outros países vizinhos (a maioria dos quais ainda hoje engrossa a fileira do anti-sionismo exacerbado), durante todo este tempo não deram nenhuma mostra de solidariedade a um desejo de autonomia aos árabes palestinos. Ao contrário, via de regra mantiveram-nos privados de direitos mínimos humanos e de cidadania, tanto nos países em que se refugiaram. Foram lá mantidos em deploráveis condições humanas em campos de refugiados, providos de alimentos pela ONU, e de ódio a Israel pelos regimes retrógrados e rejeccionistas árabes.
A Paz Justa não será consequencia apenas da desocupação da Cisjordânia e Gaza para possibilitar a realização dos anseios nacionais do povo palestino.
Dependerá, em grande parte, da capacidade das lideranças palestinas se libertarem de seu papel de bucha de canhão de um pan-arabismo extremado e excludente, rejeitar alianças com os extremistas que pretendem varrer o Estado Judeu da geopolítica do Oriente Médio, e aceitar com determinação a única solução possível para o conflito, que é a coexistência lado-a-lado de um Estado judeu-israelense e um Estado árabe-palestino, reconciliando as sofridas histórias do povo judeu e do povo palestino, retomando os ideais de tolerância que nortearam o processo de Paz de Oslo.
A solução do conflito está, em grande parte, na conscientização do povo palestino de que tem sido vítima – mais do que do sionismo – de uma manipulação de seu sofrimento por regimes autoritários e retrógrados árabes.
Moisés Storch é coordenador dos AMIGOS BRASILEIROS DO PAZ AGORA – PAZ AGORA |BR