Godard antissemita? (4) – conclusão
O biógrafo Antoine de Baecque (“Godard”, de 2010, sem edição brasileira) é claro a respeito do antissemitismo de Jean-Luc Godard.
Segundo de Baecque, Godard mais de uma vez se definiu “como sendo pró-palestino e antissionista, sem deixar de fazer ligação entre o extermínio dos judeus nos campos de morte, a fundação do estado de Israel, a impossibilidade de resolver o conflito Israel-palestinos, e de forma geral a guerra entre judeus e árabes”.
O biógrafo assinala que a “identificação entre o estado de Israel e o nazismo reaparece várias vezes nos filmes de Godard” da década de 1970, “em um contexto histórico em que, é preciso lembrar, a imagem de Israel – da guerra dos Seis Dias (1967) à do Kippour (1973) – muda completamente: não é mais um país vítima, fraco e perseguido, mas um Estado superarmado, protegido pelos Estados Unidos e duas vezes vencedor”.
Para de Baecque, Godard seria “um antissionista pessimista: ele não acredita que a paz seja possível entre Israel e palestinos, entre os judeus e os árabes, no Oriente-médio. Mas ele é antissemita?”, pergunta.
“Ele nunca o foi publicamente. Às vezes certos jogos de palavras nos filmes são um pouco insistentes […]. Alguns testemunhos, raros é verdade, deixam entender que Godard às vezes foi capaz de passar do antissionista militante ao reflexo antissemita, na forma de insulto, em geral econômico, associando a caricatura do judeu e dinheiro. […] E a palavra dita pelo produtor Pierre Braunberger a François Truffaut: […] ‘jamais perdoarei a Godard seu antissemitismo. […] ‘judeu sujo’ é o único insulto que não posso suportar, insulto que me dá gosto de vingança, desejo de morte. Se você soubesse o que essas palavras evocam em mim, o que fazem ressurgir de um passado ainda tão doloroso, você viria me abraçar. Seu amigo judeu que deve a você tanto da sua felicidade judia’.”
Passados 30 anos, com o lançamento de “Nossa Música” (2004) a polêmica iniciada com “Aqui e em outro lugar” reacendeu a propósito das “[…] aproximações feitas por Godard entre a ‘Shoah’ [catástrofe, destruição, aniilamento] sofrida pelo judeus e a ‘Nakba’ [cataclisma] da qual são vítimas os palestinos, certas montagens de imagens, ou a ideia do falso atentado terrorista em Jerusalém como forma de suicídio”.
Em entrevistas, Godard declara: “Não digo que a ‘Shoah’ e a ‘Nakba’ são iguais. É claro que não! É totalmente idiota. O campo e o contracampo não é uma equivalência, nenhuma igualdade, mas colocam uma questão. A retórica oficial do cinema impôs esse tipo de bloqueio do pensamento: é preciso que um olhar siga uma orientação imposta. Tudo mais é proibido e, de repente, não se pode refletir.”
A conclusão de de Baecque não deixa dúvida: “[…] desde a filmagem de ‘Até a vitória’ [filme inacabado, incluído em “Aqui e em outro lugar”], em 1969, a figura do judeu não variou um milímetro para Godard: símbolo por excelência da vítima transformada em carrasco, permanece um ponto tão cego quanto central do pensamento godardiano”.
Como bom provocador, Godard defende o direito à reflexão. Quem poderá lhe negar isso? Tendo se tornado cineasta ensaísta por excelência, responde por suas ideias e seus filmes.
Termino aqui esta série de quatro posts. Egocêntrico, ingrato, mal-educado, capaz de usar termos e dizer piadas grosseiras e preconceituosas etc. – são traços que ninguém nega e fazem de Godard um retrato desagradável. É possível separar essas características pessoais e seus filmes? Seria preciso se concentrar na obra e deixar o indivíduo Jean-Luc Godard de lado, o que Richard Brody, em particular, tem dificuldade em fazer.
[ publicado pela Revista Piauí ]
Leia os posts iniciais:
Godard antissemita? [1] Godard antissemita? [2] Godard antissemita? [3]